Judicialização acrítica custa muito caro, diz PGE-SP sobre gestão de precatórios
9 de novembro de 2024, 10h22
A procuradora-geral do estado de São Paulo, Inês Coimbra, afirmou, nesta sexta-feira (8/11), que o órgão do qual está à frente passou a atuar com jurimetria e estimativa do custo de ações judiciais para tentar diminuir o volume de precatórios devidos pela Fazenda Pública paulista.

Procuradora-geral palestrou no 1º Congresso Brasileiro de Precatórios, em SP
“A ideia é olhar o portfólio de judicialização e identificar o que pode não ser um processo. A judicialização acrítica custa muito caro”, afirmou a chefe da PGE-SP em participação no 1º Congresso Brasileiro de Precatórios, em São Paulo. O evento contou com plateia formada majoritariamente por agentes do mercado financeiro que atuam com ativos judiciais.
No estado de São Paulo, a dívida acumulada de precatórios é de R$ 33,5 bilhões, distribuída entre 273 mil credores. A maior parte trata de ações alimentares, movidas por servidores públicos estaduais e associações que os representam.
Para que seja considerada precatório, a condenação contra a Fazenda Pública tem de ser de até 44,214851 Ufesps, o equivalente hoje a R$ 15.707,40.
Coimbra citou como exemplo da nova estratégia uma série de ações que o Estado recorrentemente perdia por ceder uma licença maternidade menor a servidoras temporárias, se comparado às efetivas. Ao estimar o custo disso, o governo identificou que saíria mais barato igualar a licença de todas elas.
“A mudança de cultura é essa. Isso vai significar talvez uma diminuição importante do volume de precatórios, fazer acordos com as associações de servidores, os grandes demandantes. Esse é o ponto de inflexão. Não é para amanhã, mas, se não começarmos, não chegamos nunca”, disse a procuradora-geral, segundo a qual o Insper e a USP (Universidade de São Paulo) têm ajudado nesse trabalho de estimativas.
“Não tenho a ingenuidade de achar que essas coisas vão acontecer em um passe de mágica, mas temos um plano para elas acontecerem. Isso interessa o Estado, diminui o endividamento, aumenta a capacidade de investimento. E para nós é importante o Estado ser um bom pagador, porque o nosso principal credor é o próprio servidor público, que aplica nossas políticas públicas”, completou.
Acordos em seis meses
Coimbra afirmou ainda que o Estado conseguiu reduzir o volume precatórios ao facilitar a compensação tributária deles. Em 2018, apenas R$ 99,5 mil haviam sido abatidos deste modo. Já neste ano, foram mais de R$ 325 milhões. Ela ponderou, contudo, que a compensação pode se tornar menos atrativa com o tempo, já que entre os credores de precatórios já não há tantos grandes devedores fiscais.
Além disso, os acordos promovidos pela PGE-SP, em que os credores recebem o valor adiantado mediante um deságio de até 40%, também têm tido uma perda crescente de apelo, tendo em vista que o regime especial para pagamento dos precatórios para estados e municípios terminará ao final de 2029. De todo modo, Coimbra diz que a tendência é manter os editais e reduzir o tempo de cada acordo a seis meses.
“Se a senhora conseguir isso, faremos uma estátua sua na Avenida Paulista e outra na Faria Lima”, brincou o advogado Gustavo Bachega, junto de Inês Coimbra, ainda no palco do evento. Ele preside o Instituto Brasileiro de Precatórios (IBP), organizador do congresso.
Segurança jurídica
Presente na abertura do evento, o ex-presidente Michel Temer (MDB) afirmou, em estímulo aos investidores, que a Constituição Federal é a garantidora da segurança jurídica desse mercado, já que os precatórios derivam de decisões transitadas em julgado.
“Na verdade, você está vendendo um crédito, e isso é muito saudável. Acho que esse preconceito não merece subsistir, acho que é uma coisa extremamente útil para a movimentação da economia”, afirmou Temer. Em julho, em um seminário da Lide, grupo do ex-governador João Doria, ele também havia tratado do tema, ocasião em que defendeu o adiamento do pagamento de precatórios na falta de orçamento público.
O secretário de Justiça e Cidadania do município de São Paulo, Fernando José da Costa, foi outro a estimular investidores: “É 100% certo que você vai receber aquele precatório, a única questão, e aí cabe uma análise de mercado, é o tempo para isso ocorrer”, disse.
O município tem pago, em média, R$ 4 bilhões em precatórios ao ano, segundo o secretário. Apenas no último ano, no entanto, a dívida cresceu em R$ 8 bilhões. O passivo total da cidade é de R$ 28 bilhões, com valores pendentes desde 2009. O saldo da União é de R$ 57,6 bi, e o de todos os estados, R$ 118,6 bilhões, conforme calculado pelo Conselho Nacional de Justiça ao final do ano passado.
Costa afirmou defender uma emenda constitucional em tramitação (66/2023) que condicionaria o ritmo de pagamento ao tamanho da dívida, ou seja, alteraria o prazo atualmente previsto pela EC 109/2021, a mesma emenda que viabilizou o extinto Auxílio Brasil.
“Se a dívida está muito grande, vamos estipular um valor percentual na receita, porque aí eu consigo ter certeza, a partir da receita de determinado município, sobre a data em que aquilo vai ser pago”, afirmou o secretário.
B3 dos precatórios
Anfitirão do congresso, Gustavo Bachega afirmou que a expectativa do setor é de contar com um cadastro único de precatórios e um ambiente de negociação similar à B3. Isso viria de um novo marco regulatório, ideia encampada pela Frente Parlamentar de Precatórios para ser votada no ano que vem. O vice-presidente do grupo, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), reforçou a intenção no evento.
“Salvo o CNJ, hoje não temos um órgão dedicado a isso. Queremos que surjam agências reguladoras e especializadas em precatórios, conduzidas tanto pela União, quanto pelos estados-membros, similiar ao que ocorre hoje com a Bolsa de Valores. Ela está hoje cercada de segurança jurídica por conta do marco regulatório, por ter apoio do Banco Central, da CVM e das agências reguladoras”, disse Bachega.
O advogado Eduardo Gouvêa, presidente do Conselho Deliberativo da Droom, também fez coro à ideia. A empresa da qual ele está à frente, uma das patrocinadoras do congresso, já atua no ramo, como uma plataforma de investimentos em ativos judiciais. O mercado poderia avançar, ainda segundo ele, a partir de normativas que facilitassem a vinculação da venda de precatórios ao abatimento de dívidas fiscais por quem compra os ativos.
“É a solução mais óbvia, porque existe muito mais débito da sociedade com o governo, do que o contrário. E a União tem muita dificuldade de cobrar a dívida ativa. Então, a compensação fiscal é muito mais eficiente, porque o governo troca uma dívida que às vezes até prescreve por uma outra que ele vai precisar pagar, não tem jeito o precatório vai ser pago em algum momento”, argumenta.
Anistia a Bolsonaro
Em coletiva de imprensa após palestrar, o ex-presidente Michel Temer evitou, ao ser questionado, tratar da possibilidade de anistia ao também ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), hoje inelegível e alvo de investigações sobre tentativas de golpe de Estado.
Temer defendeu a autonomia do Judiciário para tomar decisões sobre Bolsonaro, como no caso do passaporte dele, que foi apreendido em fevereiro deste ano por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O ex-capitão deverá fazer um novo pedido à Corte de liberação do documento, mesmo após negativas anteriores, agora em razão da vontade de ir à posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, marcada para 20 de janeiro de 2025.
“Isso é matéria do Judiciário. Acho que os advogados postularão e darão os argumentos que possam convencer o Judiciário a deferir. Confesso que não saberia dar um palpite, mas defendo o Poder Judiciário. Esse é o significado do Poder Judiciário: decidido está, essa é a regra constitucional, e o Supremo dá a última palavra em matéria de decisão judicial”, disse.
Temer ainda negou que pretenda eventualmente concorrer junto de Bolsonaro. Em entrevista recente à Folha de S.Paulo, o capitão reformado aventou a possibilidade de ter o emedebista como vice na corrida presidencial em 2026, informação revelada anteriormente por um blog.
“Houve uma delicadeza na palavra dele, porque, na verdade, nunca conversamos sobre isso. Esse é o primeiro ponto, e o segundo é que eu saí da vida pública. Fiquei 32 anos na vida pública e me dou por satisfeito. Não voltarei à vida pública”, disse Temer.
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