Fast fashion: impactos nas condições laborais e sociais da indústria da moda
9 de novembro de 2024, 17h23
O mercado da moda é um dos que mais movimentam dinheiro em toda a esfera global, caracterizado por uma constante expansão e principalmente pela sua versatilidade e mutabilidade, sendo frequentemente atualizado com novas tendências e nichos de mercado.
E em tratando-se dos nichos existentes no mercado da moda, tem-se o modelo de negócio denominado fast fashion (moda rápida). É um padrão de produção e consumo no qual os produtos são fabricados, consumidos e descartados em um ciclo extremamente rápido e dinâmico, fomentando cada vez mais o consumismo desenfreado com o lançamento sucessivo de diferentes tendências de vestuário e lifestyle, que incita ainda mais a aquisição de novos produtos. Zara, Renner, H&M, Forever 21, Shein, Riachuelo e Renner são alguns dos exemplos de marcas de fast fashion amplamente difundidas entre os consumidores.
Em relação a esse nicho do mercado da moda, tem-se que a coalisão entre o âmbito jurídico e o fast fashion é obtida a partir do direito da moda, ou como comumente conhecido, o fashion law. O direito da moda consiste em uma atuação jurídica aliada a um entendimento mercadológico aprofundado dos aspectos inerentes à moda e os padrões de produção desse mercado, atuação esta que, a partir de uma aplicação direcionada e de forma específica pelo profissional especialista, viabiliza maior qualidade e tecnicidade do advogado que representa as marcas e empresas inseridas no mercado, agregando valor aos serviços prestados e proporcionando maior segurança jurídica.
O fast fashion se tornou um dos principais fenômenos da indústria de vestuário nas últimas décadas. Entretanto, esse apelo pela moda rápida, barata e descartável incita uma série de problemáticas ambientais e sociais. Tais fatores promovem um crescente debate sobre a necessidade de alternativas mais sustentáveis e éticas para a indústria da moda, o que, por consequência, traz reflexos na esfera jurídica, a qual discute e regulamenta tais práticas.
Relativamente ao direito autoral e propriedade intelectual, que regulam a proteção de criações dos mais variados tipos, sejam elas de roupas, calçados, joias, bolsas e todos os demais itens que compõem esse mercado, o fast fashion protagoniza uma polêmica emblemática, referente ao plágio das criações originais de estilistas e marcas pelas grandes lojas e plataformas que comercializam milhares de produtos por dia. A Shein, por exemplo, já esteve envolvida em inúmeras discussões relativas ao tema e é frequentemente acusada de plágio.
Normas reguladas pelo direito ambiental
No direito ambiental, tem-se que esta é uma das áreas mais importantes e de maior risco do mercado da moda, e principalmente do fast fashion, pois existem diversas normas e procedimentos a serem observados pela indústria, desde o plantio de algodão e demais fibras até a fabricação dos tecidos e a produção dos itens de vestuário e acessórios propriamente dita. A indústria da moda é responsável por números expressivos de emissões globais de gases de efeito estufa e é uma das maiores consumidoras de água, além de gerar altas quantidades de resíduos têxteis, muitos dos quais acabam em aterros sanitários e oceanos.
Outro aspecto alarmante é que o fast fashion levanta importantes questões de ordem trabalhista, já que a pressão mercadológica e concorrencial para reduzir os custos e aumentar a velocidade de produção tendem a impactar diretamente as condições de trabalho dos envolvidos em toda a cadeia de produção. A produção inerente ao fast fashion é, na maioria dos casos, feita em países os quais a mão de obra é mais barata, frequentemente em condições precárias e com baixos salários. Ou seja, os trabalhadores enfrentam longas jornadas e ambientes de trabalho inseguros e insalubres.
Neste sentido, a temática ESG tem total aderência às discussões do Fashion Law. O conceito de ESG, sigla para Environmental, Social and Governance representa um conjunto de práticas que as empresas adotam para promover o desenvolvimento sustentável e responsável. Na dimensão ambiental, ESG considera a exploração equilibrada dos recursos naturais, respeitando os limites para atender às necessidades do bem-estar da população atual, sem comprometer as próximas gerações. No setor da moda, essa prática inclui, além da gestão consciente dos recursos, a redução do desperdício de matérias-primas, alinhando o consumo e a produção a uma perspectiva sustentável.
No pilar social, a proteção aos direitos do trabalho tem um papel essencial dentro do conceito de ESG, especialmente no que se refere à saúde e segurança dos trabalhadores. Empresas que adotam práticas sustentáveis não apenas respeitam o meio ambiente, mas também asseguram condições dignas para os colaboradores, promovendo ambientes saudáveis e protegendo os direitos dos trabalhadores e consumidores. Dessa forma, o ESG reflete o compromisso com a criação de valor para todos os envolvidos, desde os trabalhadores até a sociedade como um todo.
Empregos no setor têxtil
No Brasil, o setor têxtil e de vestuário emprega diretamente cerca de 1,51 milhão de pessoas, podendo alcançar 8 milhões quando contabilizados os empregos informais. Das 33 mil empresas formais que operam no setor, 75% pertencem ao ramo de confecção. Aproximadamente 60% a 65% de toda a produção têxtil nacional é destinada à confecção de roupas, enquanto o restante é direcionado à produção de artigos de cama, mesa e banho, calçados e outras indústrias, como a moveleira e a agrária. Em termos econômicos, a indústria da moda, junto com as de construção civil e de alimentos e bebidas, compõe um trio que domina o setor industrial mundial.
A indústria da moda é um setor que se utiliza, com muita frequência, do instrumento econômico da terceirização de mão-de-obra. A terceirização é um fenômeno econômico, que possui impacto nas relações jurídicas de trabalho, sendo o processo pelo qual há contratação ou transferência de parte das atividades econômicas para empresas especializadas, com o objetivo de otimizar o processo produtivo ou de serviços, com a diminuição de custos operacionais e finalidade de obtenção de maior produtividade, qualidade e competitividade.
Até 2017, ocasião em que houve a reforma trabalhista, o entendimento do TST sobre a terceirização da atividade-meio e da atividade-fim era descrito na Súmula 331, a qual estabelecia o seguinte: era lícita a terceirização de atividade-meio, como limpeza, conservação, vigilância, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta, havendo a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços; era ilícita a terceirização da atividade-fim ou de atividades-meio com pessoalidade e subordinação, caracterizando-se a responsabilidade solidária do tomador de serviços.
Trabalho terceirizado
Com a reforma trabalhista, a Súmula 331 do TST foi superada, diante da Tese de Repercussão Geral — Tema 725 do STF, pela qual passou-se a entender que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Considera-se ilícita, portanto, a terceirização de atividade meio ou fim, em que haja pessoalidade e subordinação, ou seja, quando na prática, o tomador de serviços for o real empregador, independentemente de se tratar de atividade meio ou fim. Assim, a empresa prestadora de serviços deve ter capacidade econômica compatível com a sua execução, devendo contratar, remunerar, dirigir o trabalho.
Desta forma, a segmentação no processo produtivo consiste em dividir as etapas da fabricação, terceirizando-as para empresas especializadas em cada fase. No setor de vestuário e têxtil, essa prática é recorrente, com empresas contratando outras para realizar atividades como confecção, lavagem e acabamento de peças, antes que sejam comercializadas ao consumidor final. Um exemplo comum é a contratação das chamadas facções, que são empresas dedicadas à confecção ou produção de roupas, calçados e acessórios para outras companhias, responsáveis pela venda ao consumidor final.
Assegurar o cumprimento das normas trabalhistas, sociais e ambientais potencializa a reputação da empresa e reduz riscos legais, além de cativar o olhar de investidores, viabilizando a captação de recursos e expansão empresarial. A implementação de políticas de transparência e acompanhamento da cadeia de produção também são iniciativas fundamentais para propiciar um impacto positivo no setor, equilibrando o crescimento econômico com a observância aos direitos e interesses dos trabalhadores e demais stakeholders (partes interessadas), bem como com a preservação ambiental.
Considerações finais
Assim sendo, questões decorrentes deste mercado perpassam por discussões acerca do papel do trabalho feminino na indústria da moda, do trabalho análogo ao escravo, a responsabilidade jurídica e social dos grandes conglomerados sobre as suas cadeias produtivas, e os impactos dos movimentos coletivos e sindicais, dentre outros.
Portanto, o presente artigo objetivou descrever o cenário no qual o fenômeno econômico do fast fashion e o direito do trabalho entram em conflito, de modo a denotar a complexidade da matéria e a importância do seu estudo. Ao demonstrar as características peculiares desta atividade, as relações de trabalho e de uso da mão-de-obra necessitam de um olhar especializado, tal como ocorre em categorias diferenciadas, a fim de resguardar os direitos dos trabalhadores, muitas vezes negligenciados, como se destacou no decorrer do presente.
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