Opinião

Materiality scrape: cláusula essencial e complexa nas fusões e aquisições

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6 de novembro de 2024, 19h37

No cenário das fusões e aquisições (M&A), a negociação de cláusulas contratuais é fundamental para definir a divisão de responsabilidades e os riscos financeiros decorrentes de possíveis descumprimentos de cláusulas contidas nos documentos relativos à transação. Entre essas cláusulas, destaca-se o “materiality scrape”, uma disposição contratual que ganhou popularidade nos Estados Unidos e favorece o comprador ao eliminar a necessidade de comprovação de materialidade nas declarações e garantias feitas pelo vendedor. A inclusão dessa cláusula permite ao comprador exigir indenizações por qualquer declaração incorreta do vendedor, independentemente da materialidade financeira ou operacional dessa violação.

Essa disposição nasceu como uma ferramenta para simplificar e garantir proteção adicional nas transações de M&A, e seu uso cresceu consideravelmente em mercados norte-americanos e internacionais, especialmente em transações privadas. No entanto, o materiality scrape também é controverso por impor ao vendedor obrigações amplas e, em muitos casos, onerosas.

O conceito de materialidade, que usualmente reduz a responsabilidade do vendedor ao limitar as exigências do comprador a casos realmente impactantes, é neutralizado com essa cláusula, aumentando o nível de detalhamento e precisão esperados do vendedor ao longo de todo o processo de divulgação de informações durante a fase de auditoria e da precisão das declarações e garantias prestadas velo vendedor.

Para entender a funcionalidade e o impacto do materiality scrape, é essencial compreender as “cestas” de indenização ou, como mais comumente referidos no mercado de M&A, indemnification baskets, que atuam como um mecanismo de limitação de indenização para o vendedor. Declarações e garantias representam afirmações do vendedor sobre o estado do negócio ou dos ativos a serem vendidos, abrangendo aspectos financeiros, operacionais e legais.

As indemnification baskets, por outro lado, estabelecem um valor mínimo para que o comprador possa reivindicar indenização, protegendo o vendedor de exigências de valor menos significativos. Existem dois tipos principais de indemnification baskets.

A primeira é deductible basket, em que o comprador só poderá acionar a indenização depois de superar o valor mínimo estabelecido; até que esse valor seja atingido, o vendedor não é obrigado a indenizar.

A segunda é a cesta de “tipping basket” ou “dollar-one basket”, na qual, ao atingir o valor mínimo, o comprador pode solicitar indenização desde o primeiro dólar de danos, incluindo os valores abaixo do limite inicial, contanto que o total ultrapasse o mínimo da indemnification basket.

No contexto do materiality scrape, a desconsideração dos qualificadores de materialidade permite ao comprador acionar indenizações mesmo para pequenas falhas, desde que o valor total exceda a indemnification basket, transformando declarações como “não há litígios materiais” em “não há litígios”, removendo a ambiguidade sobre o que é considerado material no contexto da transação.

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Os compradores argumentam que o materiality scrape é necessário para evitar a chamada “dupla materialidade dupla”. Nos Estados Unidos, sem essa cláusula, o comprador precisa superar dois obstáculos: demonstrar a materialidade da violação e, em seguida, comprovar que o valor supera o mínimo estabelecido na cesta de indenização. Além disso, o materiality scrape simplifica a negociação do contrato ao eliminar a necessidade de discutir cada qualificador de materialidade e reduz o risco de surpresas para o comprador após o fechamento da transação.

Já os vendedores geralmente resistem à inclusão da cláusula por temerem a exposição a um número maior de reivindicações, inclusive para pequenas violações. Sem os qualificadores de materialidade, o vendedor pode enfrentar uma série de demandas de menor valor, o que pode encarecer o valor da transação. Além disso, essa disposição exige que o vendedor revele todas as informações possíveis, independentemente de sua relevância, prolongando o processo de divulgação e aumentando os custos transacionais. Muitos vendedores também argumentam que a exclusão dos qualificadores de materialidade leva a resultados desproporcionais, especialmente em declarações amplas, como as de “divulgação completa”.

Aplicação do materiality scrape no Brasil requer adaptações

No Brasil, a aplicação do materiality scrape ainda é um tema que requer cautela e análise cuidadosa. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o materiality scrape é amplamente aceito, a legislação brasileira dá maior ênfase à boa-fé, à equidade e ao equilíbrio contratual.

No Brasil, práticas contratuais devem refletir proporcionalidade e clareza, o que pode dificultar a aplicação irrestrita do materiality scrape. O Código Civil brasileiro, que rege grande parte dos contratos empresariais, exige que as disposições contratuais sejam justas e equilibradas, o que pode restringir a aceitação de uma cláusula que neutralize totalmente a relevância da materialidade, especialmente se considerada excessivamente favorável ao comprador.

Além disso, o mercado brasileiro valoriza a Lei de Liberdade Econômica, que busca reduzir burocracias e fomentar práticas contratuais objetivas, mas sem criar ônus desproporcionais para nenhuma das partes. Desta forma, a aplicação do materiality scrape no Brasil normalmente necessita de adaptações, como a limitação de sua abrangência a determinados tipos de declarações ou a especificação de limites para minimizar as obrigações de disclosure do vendedor.

Para equilibrar esses desafios, advogados desenvolvem estratégias de compromisso, como a aplicação de um materiality scrape simplificado, em que a desconsideração de materialidade se aplica apenas para a apuração de danos, preservando a análise de relevância para verificar se houve violação.

Outra abordagem comum é a exclusão do materiality scrape de declarações amplas, como as de “divulgação completa”, o que reduz a carga de divulgação do vendedor e diminui o custo e o tempo de negociação. A definição de valores específicos em indemnification baskets também ajudam a limitar o impacto da cláusula, incentivando o comprador a focar em violações significativas.

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Nos Estados Unidos, a popularidade do materiality scrape continua a crescer, especialmente em sua forma “dupla”, que aplica a desconsideração de qualificadores tanto na verificação de violações quanto na apuração de danos. Um estudo recente da American Bar Association (ABA) de 2023 mostra que 91% dos contratos de M&A envolvendo empresas privadas já incluem um materiality scrape, com 88% desses utilizando o materiality scrape duplo, um aumento substancial em relação aos 85% registrados em 2017 e aos 14% de 2003.

Esse crescimento reflete uma tendência clara no mercado norte-americano, onde compradores buscam cada vez mais reduzir a margem de interpretação nas declarações e garantias. No Brasil, embora a adoção do materiality scrape esteja em expansão, espera-se que sua aplicação seja adaptada ao contexto jurídico local, refletindo uma prática contratual mais equilibrada e em conformidade com os princípios de proporcionalidade e boa-fé exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Em síntese, o materiality scrape é uma poderosa ferramenta para a proteção dos interesses do comprador em transações privadas de M&A. No entanto, para o vendedor, a cláusula representa uma responsabilidade adicional e exige uma negociação equilibrada para garantir que ambas as partes tenham suas expectativas atendidas. No Brasil, a aplicação do materiality scrape poderá passar por adaptações para melhor refletir o contexto local, com a inclusão de insmnification baskets específicos e limites claros de escopo.

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