Escritos de Mulher

Analgésicos genéricos não resolvem a crise de segurança

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6 de novembro de 2024, 9h23

O Brasil enfrenta desafios complexos na área de segurança pública. O medo de circular pelas ruas, níveis alarmantes de violência contra mulheres e a expansão da presença de organizações criminosas. No entanto, a resposta do poder público para esses problemas tão diversos muitas vezes é a mesma: viaturas, armamento e uso excessivo da força policial. Um analgésico genérico aplicado a diferentes doenças.

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Se de um lado vemos avanços legais no reconhecimento de responsabilidades compartilhadas entre municípios, estados e federação, do outro, na prática, percebe-se um sistema único com baixa capacidade de coordenação nacional, e gestões que parecem reagir apenas a crises. A contribuição do poder municipal, muitas vezes é debatida sob a ótica apenas da guarda municipal: qual seu tamanho, se deve ter porte arma, e seguir as mesmas táticas policiais. Quase nunca discutimos o valor estratégico das cidades na produção de informação, inteligência e na territorialização de políticas públicas.

O Brasil tem o desafio de criar um novo paradigma para a segurança pública, centrado na dissuasão e prevenção do crime. O que parece um sonho distante, é um desafio que o país superou com êxito na área da saúde pública. Até a década de 1980, tínhamos um sistema centrado na assistência médica hospitalar, exclusivo para contribuintes previdenciários. Hoje, usufruímos de um sistema de saúde universal,  pautado no modelo de saúde integral e em que as três esferas de governo têm funções definidas.

O governo federal define estratégias e responsabilidades, estrutura sistemas de informação e financia grande parte do custeio. Os municípios são protagonistas nos territórios através da atenção básica, da vigilância sanitária e da execução dos programas de vacinação. O SUS não é perfeito e enfrenta sérios problemas de subfinanciamento e acesso a serviços de média complexidade. Mas é um avanço gigante para o que tínhamos há 30 anos.

Também se destaca a habilidade do campo da saúde de diagnosticar problemas, elaborar tratamentos específicos e monitorar sua evolução. Na segurança não temos sistemas de informação nacionalmente estruturados que permitam identificar e monitorar problemas. Prescrevemos os mesmos remédios sem avaliar o impacto da maioria das intervenções.

Inspiração

O Sistema Único de Saúde é a grande inspiração para o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), que foi criado em 2018, mas que aguarda regulamentação para definir o papel das três esferas de governo. Há muito que os municípios podem fazer. Por exemplo, o monitoramento da circulação de veículos através de câmeras e radares pode ajudar a aumentar a elucidação de crimes violentos, os roubos em áreas públicas se concentram em um conjunto ínfimo de segmentos quentes, que deveriam ser o foco de projetos de revitalização urbana.

A prevenção de homicídios requer estratégias para ajudar os jovens a navegar na adolescência sem se envolver em problemas graves. Isso implica desenvolver habilidades de vida e criar redes positivas de pertencimento. A violência doméstica é a base para perpetuação de ciclos intergeracionais violentos e precisa de ações de mudança de cultura e assistência às mulheres vítimas.

Esse tipo de abordagem não existe de forma estruturada e padronizada no Brasil. O que temos são algumas iniciativas localizadas que podem servir de base para a criação de políticas públicas eficazes em nível nacional. A mudança de paradigmas não pode depender de prefeitos iluminados, dispostos a enfrentar o tema. É preciso que o governo federal indique a direção e desenhe o sistema de incentivos.

Nesse contexto, o governo federal apresentou há uma semana uma PEC que promete um conjunto de ações no campo da segurança pública. No entanto, não há menção aos objetivos e responsabilidades que devem ser perseguidos pelos entes federados. A proposta de emenda constitucional precisa reconhecer a importância dos municípios, visto que é no nível local que os problemas se materializam e as soluções de maior impacto são sobretudo territorializadas.

Sem incentivar que o município seja um ator relevante na provisão de ações de prevenção e na sistematização de dados, perderemos muito a capacidade de ter um sistema de segurança pública que consiga promover de fato redução do crime e da violência.

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