Entre o glorioso e o trágico: o impacto de Maguila no desporto
2 de novembro de 2024, 17h17
O pugilista Adilson Maguila faleceu em 24/10/2024, e sua morte tem sido alvo de questionamentos e reflexões no intuito de se atenuar os riscos de determinadas práticas desportivas.
A vida de atletas é frequentemente marcada por pressões intensas. A morte de Maguila destaca a necessidade de cuidar não apenas da saúde física, mas também da saúde mental, promovendo o suporte psicológico aos atletas.
Maguila nasceu e foi criado em Aracaju, ao lado de mais 20 irmãos! O ex-pugilista foi pedreiro, segurança, cantor de samba, candidato a deputado federal, apresentador de programa jornalístico, comediante, figura pública e se notabilizou por onde passou. Lamentavelmente, faleceu aos 66 anos de idade.
No livro Manual de Direito do Trabalho Desportivo, escrevi um capítulo acerca do Meio Ambiente do Trabalho e a necessidade de proteção aos atletas em razão da frequente exposição a sinistros.
Uma lesão que tem grande ocorrência em atletas do boxe, do MMA e do futebol americano é a encefalopatia traumática crônica (ETC).
Trata-se de patologia decorrente de traumas repetitivos no crânio.
O indivíduo passa a ter o semblante sério ou sisudo com face sebácea e oleosa. Ocorrem também lesões na área subcortical (parte interna do cérebro).
Os sintomas do estágio inicial da doença são:
Motor (acomete aproximadamente 57% dos pacientes):
- Alteração da expressão
- Tremores
- Descontrole de uma mão dominante
Cognitivo:
- Atenção diminuída para tarefas complexas
Psiquiátrico:
- Euforia
- Irritabilidade
- Desconfiança excessiva
- Agressão fácil
- Indivíduo falante
Em estágio mais avançado, os sintomas da doença são:
Motor (acomete aproximadamente 3% dos pacientes):
- Lentidão dos movimentos
- Rigidez
- Tremores
- Falta de coordenação dos movimentos
Cognitivo:
- Lentidão do pensamento e da fala
- Amnésia
- Déficit de atenção
- Disfunção executiva (dificuldade de arrumar um quadro na parede, por exemplo)
Psiquiátrico:
- Indivíduo com ideias infantis
- Paranoia
- Estado psicótico
- Violência
- Desinibição podendo chegar a um estado de demência total
ETC no futebol
Contudo, durante estudo realizado com 445 jogadores de futebol, restou constatado que 25% destes atletas desenvolveram um quadro de lesão cerebral, lentidão de movimentos, raciocínio e fala. Em alguns casos, pode ocorrer a perda de memória recente e a perda do balanceamento do andar e dos movimentos associados.
Em setembro de 2014 foi noticiado que o jogador da seleção brasileira de futebol e Capitão da Copa do Mundo de 1958, Bellini, durante muitos anos foi diagnosticado com Mal de Alzheimer, porém a causa da morte do notável jogador foi a encefalopatia traumática crônica [1].
É considerável o número de jogadores de futebol que são diagnosticados com Mal de Alzheimer. Entretanto, em muitos dos casos não há uma investigação mais profunda. À guisa de exemplo, no dia 3/3/2017, os jornais lamentavam a morte do brilhante jogador francês Raymond Kopa [2] que chegou a ser considerado um dos maiores jogadores franceses de futebol. Em nenhum momento se sugeriu que o atleta francês fosse portador de ETC. Todavia, era fato incontroverso que sofria de Alzheimer desde e a década de 1990.
Trata-se, portanto, de uma doença degenerativa associada a esportes que sujeitam os seus praticantes a pancadas na cabeça, mesmo que essas não sejam violentas, basta que sejam frequentes.
A importância do seguro desportivo
Daí a necessidade de adoção de fixação de comandos legais voltados não apenas para a segurança do atleta, mas também para protegê-lo da tentação de esbanjar todo o fruto amealhado com o seu trabalho sem se preocupar com o futuro.
Dentro deste universo de medidas que visam assegurar uma tranquilidade para o atleta está a figura do seguro obrigatório, previsto no artigo 45 da Lei Pelé, que é taxativo ao afirmar a obrigatoriedade da contratação, pelo clube empregador, de seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. Com efeito, trata-se de uma obrigação inafastável prevista na lex desportiva [3].
Outrossim, a Lei nº 14.597/2023 afirma que é obrigação do clube que explora a prática desportiva profissional a contratação seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos aos quais os atletas e os treinadores estão sujeitos, inclusive a organização desportiva que o convoque para seleção (Art. 84, VI).
Na lição do inesquecível professor Álvaro Melo Filho [4], o seguro desportivo “tem o animus de cobrir os atletas profissionais, notadamente os de alto rendimento, contra o risco do óbito ou incapacidade desportiva, parcial ou total, temporária ou permanente, resultante de um acidente ou de uma agressão provocada pela rivalidade desportiva competitiva, posto que as disputas desportivas exigem dos atletas empenho, dedicação e esforço e, consequentemente, o risco próprio e inerente à atividade desportiva”.
Contribuição à ciência
Maguila teve uma carreira brilhante, mas também enfrentou dificuldades após a aposentadoria. Isso ressalta a importância de preparar os atletas para a vida pós-carreira, oferecendo orientação sobre finanças, educação e reabilitação.
A vida de Maguila também traz à tona a necessidade de adoção de melhores condições para os atletas, tanto em termos de segurança durante as competições quanto em cuidados médicos e suporte durante e após suas carreiras.
O cérebro do ex-boxeador agora está no Biobanco para Estudos em Envelhecimento Cerebral da USP, por vontade do próprio atleta expressada em vida, fato este que muito contribuirá com pesquisas e prevenções.
[1] Estudo do cérebro aponta nova causa para morte de Bellini, capitão de 58
Seis meses após a morte de Bellini, capitão do Brasil na Copa do Mundo de 1958, um laudo revelou que a causa não foi o que se imaginava inicialmente e confirmou uma desconfiança da família. Tratado há 18 anos como se tivesse “Mal de Alzheimer”, o ex-jogador tinha, na verdade, Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), também conhecida como “Síndrome do Pugilista”, por ter grande incidência em lutadores de boxe. As conclusões foram feitas após o estudo do cérebro do ex-jogador, doado pela família justamente para colaborar nas pesquisas sobre o assunto. Parentes sempre cogitaram que os problemas de saúde do ex-jogador tivessem relação com os impactos na cabeça sofridos ao longo da carreira.
O caso de Bellini, que atuou pelo Vasco, São Paulo e Atlético-PR, e faleceu aos 83 anos, foi apresentado no Congresso Internacional de Neuropatologia, no Rio de Janeiro, e levantou uma preocupação para os especialistas: as cabeçadas são prejudiciais à saúde do jogador de futebol? O tema já é bastante discutido nos Estados Unidos, especialmente no futebol americano, esporte em que os choques de cabeça são ainda mais comuns.
[2] De acordo com o site globoesporte.com, “Kopa iniciou a carreira no Angers, mas foi no Reims que acabou revelado para o mundo. Convocado pela primeira vez para a seleção francesa em 1952, o avante disputou a Copa de 58 já como jogador do Real, caindo para o Brasil na semifinal em um ataque que contava também com Roger Piantoni e o grande Just Fontaine, goleador daquele Mundial com 13 gols (até hoje recorde da competição).
Após cinco temporada defendendo o Reims, Kopa foi para o futebol espanhol, onde atingiu fama internacional. Com a camisa merengue,atuou ao lados de outras lendas do futebol internacional, alinhando na ponta direita de uma histórica linha ofensiva com Alfredo di Stefano, Héctor Rial e Francisco Gento, responsável pelo tri da Liga dos Campeões (1956/57, 1957/58 e 1958/59).
Ídolo no Santiago Bernabéu, Raymond Kopa retornou ao Reims em 1959, encerrando a carreira no clube francês oito anos depois. Pela seleção, foram 45 partidas e 18 gols, conquistando o terceiro lugar no Mundial da Suécia, em 1958.
Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2017/03/lenda-do-real-e-do-futebol-europeu-raymond-kopa-morre-aos-85-anos.html . Acesso em 02.11.2024
[3] Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
§1º. A importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
§2º. A entidade de prática desportiva é responsável pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere o § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
[4] FILHO, Álvaro Melo – Nova Lei Pelé – Avanços e Impactos – Ed. Maquinaria – 2011 – P. 217
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