Opinião

O esporte como direito fundamental e sua atual regulamentação

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1 de novembro de 2024, 11h16

A Constituição designa o esporte como um direito social, uma vez que o artigo 217 dispõe que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais como direito de cada um. Nesse sentido, a ligação do desporto com o direito é estreita (eis que vinculado ao princípio da dignidade humana) e se consolidou a partir da promulgação da Carta Maior em 1988, ao tratá-lo como direito fundamental — eis que o § 2º do artigo 5º da Constituição não limita a existência de direitos fundamentais àqueles listados no artigo 5º —, garantindo aos indivíduos a condição de cobrar do poder público o fomento das atividades desportivas, através de algumas ferramentas legais.

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Destarte, tendo em vista que o esporte é uma sólida ferramenta de desenvolvimento humano, é inegável o aspecto social que traz consigo. A Lei 9.615/1998 (Lei Geral do Desporto, popularmente conhecida como Lei Pelé) já previa como um dos seus princípios a democratização, “garantindo condições de acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação”.

E sem pretensão de esgotar o tema, cumpre evidenciar que a nova Lei Geral do Esporte (LGE, Lei 14.597/23) buscou consolidar a regulamentação da prática desportiva no Brasil, norteando-se na construção de uma base formal e estrutural do sistema desportivo ao dispor sobre o Sistema Nacional do Esporte, a Ordem Econômica Esportiva, a Integridade Esportiva e o Plano Nacional para a Cultura de Paz no Esporte, centralizando leis relacionadas às questões esportivas e demandas contíguas ao esporte, tais como a atividade do treinador de futebol (Lei n° 8.650/1993) e a do árbitro de futebol (Lei n° 12.867/2013), o Estatuto do Torcedor (Lei n° 10.671/2003), a lei que instituiu o Bolsa-Atleta (Lei n° Lei n° 10.891/04), a que dispunha sobre incentivos e benefícios em vista a fomentar a atividade desportiva (Lei n°  11.438/06), e derrogando a Lei Pelé.

Em suma, algumas modificações merecem destaque, mormente pelo fato de que tratam de matérias que transitam regularmente pelos noticiários esportivos, em especial no que concerne ao futebol.

Direitos trabalhistas

Quanto aos direitos trabalhistas, destacamos o disposto quanto à natureza jurídica do direito de imagem, do bônus por contratação do atleta (luvas) e dos prêmios por performance ou resultado. Nessa senda, o artigo 85, §1o da LGE dispõe expressamente que “os prêmios por performance ou resultado, o direito de imagem e o valor das luvas, caso ajustadas, não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil” — indo de encontro ao artigo 31, §1o da Lei Pelé, o qual dispunha que os prêmios também eram entendidos como salário, tendo como efeito prático a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho em caso de atraso no pagamento dos prêmios, no todo ou em parte.

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De outra banda, no que toca ao direito de imagem, a LGE permite a exploração econômica da imagem dos atletas, possibilitando a cessão ou exploração de terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja sócio, o que permite a feitura de contrato entre o atleta e a entidade de prática desportiva para cessão do uso de sua imagem, concomitante à vigência do contrato de trabalho — tratando-se portanto, de remunerações distintas, desde que não ultrapassado o patamar de 50%.

Dessa forma, a LGE ampliou o percentual permitido para o pagamento a título de direito de imagem (eis que a Lei Pelé previa teto de 40%), o que reduziu substancialmente os reflexos salariais devidos ao atleta empregado.

Em que pese a exploração da imagem através de concessão de licença gere amplo debate, visto que os serviços são prestados pela pessoa física que constituiu a pessoa jurídica — afastando a renda da pessoa física da incidência da tributação correspondente —, a nosso sentir o artigo 164, §4o da LGE enfrenta o tema ao dispor que “deve ser efetivo o uso comercial da exploração do direito de imagem do atleta, de modo a se combater a simulação e a fraude”. O §3o do mesmo artigo, em seus incisos I, II e III, denota exemplificativamente as maneiras em que a utilização da imagem do atleta poderá ser explorada pela entidade desportiva:

I – divulgação da imagem do atleta no sítio eletrônico da organização e nos demais canais oficiais de comunicação, tais como redes sociais, revistas e vídeos institucionais;
II – realização de campanhas de divulgação da organização esportiva e de sua equipe competitiva;
III – participação nos eventos de lançamento da equipe e comemoração dos resultados.

Imagens, sons, discriminação…

Outro ponto de interesse do futebol e abordado pela LGE é a confirmação da concessão às organizações esportivas mandantes dos jogos o direito de exploração e comercialização da difusão de imagens e sons. Dessa forma, os clubes agora têm a prerrogativa de negociar, autorizar ou proibir a captação, emissão, transmissão, retransmissão ou reprodução das imagens, por qualquer meio, de evento esportivo de que participem.

Quanto a condutas discriminatórias, a LGE prevê a punição das torcidas organizadas que perfizerem atos discriminatórios, racistas, xenófobos, homofóbicos ou transfóbicos, impedindo-as de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até cinco anos. Além disso, casos de racismo, homofobia, sexismo e xenofobia em eventos esportivos também estarão sujeitos a uma multa que varia de R$ 500 a R$ 2 milhões, a depender da gravidade do crime — clubes também são passíveis de punições.

Portanto, novamente urge referir que os estudos e a discussão acerca do tema são amplos e não se esgotaram com a discussão ocorrida nos sete anos em que fora debatida no Congresso Nacional. Em que pese a promulgação da LGE seja um marco para a prática desportiva no Brasil, a pretensão aqui é somente trazer à baila alguns dos aspectos de interesse público trazidos pela nova Lei Geral do Esporte, a qual pretende proteger a autonomia esportiva e a integridade do esporte, da qual derivam todos os demais interesses tutelados, haja vista que só é alcançada quando se evitam eventuais interferências externas (inclusive aquelas de natureza econômica), que colocam em risco inclusive a lisura das competições e a necessária incerteza dos resultados.

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