Opinião

Aplicação da Súmula nº 182/STJ ao agravo interno

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  • é mestre em Regulação e Políticas Públicas especialista em Direito Público graduado em Direito e Segurança da Informação ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal servidor do Superior Tribunal de Justiça e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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4 de março de 2024, 13h21

Um óbice de regularidade formal que causa pânico nos advogados é a aplicação da Súmula nº 182/STJ [1] nas hipóteses em que o causídico deixa de impugnar todos os fundamentos da decisão agravada.

É pacífico que a ausência de impugnação, ou a impugnação genérica, a todos os fundamentos da decisão que nega seguimento ao recurso especial no primeiro juízo de admissibilidade realizado na origem é causa de incidência analógica da Súmula nº 182/STJ. Isso porque essa decisão é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade nos exatos termos do que decidido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

Essa interpretação não se aplica ao agravo interno apresentado contra decisão proferida por um ministro relator no âmbito do STJ. Isso porque o mesmo órgão especial da corte determinou que no agravo interno é possível impugnar parcialmente capítulos independentes relacionados à decisão singular do relator que analisa o recurso especial ou agravo em recurso especial, sem necessidade de refutar todos os fundamentos da decisão recorrida.

Nesse sentido, os capítulos impugnados devem ser devidamente examinados, enquanto os não contestados ficam sujeitos à preclusão, sem que a Súmula 182 do STJ obstaculize o conhecimento do agravo interno como um todo. [2]

Conforme deliberado pela corte especial, essa diretriz se aplica apenas ao agravo interno no recurso especial e ao agravo interno no agravo em recurso especial. Isso porque, em tese, é possível decompor-se a decisão singular do relator em capítulos, ou seja, unidades independentes e fundamentais do dispositivo contido na sentença objeto do recurso.

Em outras palavras, a decisão do relator pode ser composta por um único capítulo, que pode conter um ou mais fundamentos, ou por capítulos independentes, sendo que cada um deles pode conter um ou mais fundamentos também.

Assim, a parte recorrente tem a opção de impugnar a decisão de forma integral ou parcial. No entanto, para cada capítulo impugnado da decisão, é necessário rebater os fundamentos que justificam sua manutenção, levando em consideração tanto a Súmula 182/STJ quanto o artigo 1.021, § 1º, do CPC/2015.

Estas normas serão aplicadas nos casos em que o recorrente não refutar nenhum dos fundamentos da decisão monocrática do ministro do STJ ou se houver um capítulo independente na decisão alvo do agravo, o qual é parcialmente refutado, ou seja, se não houver objeção a um dos fundamentos dentro do mesmo capítulo.

Mas o que seria capítulo autônomo (independente) e o fundamento a ele aplicável na decisão? É aqui que surge grande confusão na hora de impugnar o decisum que se pretende ver reformado.

Os capítulos constituem segmentos da decisão que tratam, individualmente, de uma questão específica. Já os fundamentos são os motivos ou argumentos, tanto de fato quanto de direito, que respaldam cada uma dessas questões.

É dizer: capítulo autônomo é a matéria em si (dano moral indenizável e.g.). Fundamento, é a justificativa para dar ou negar provimento ao tema do capítulo, como por exemplo, a incidência de óbices sumulares (súmula 7/STJ, súmula 568/STJ etc.)

Suponha-se que ao julgar o recurso especial ou o agravo em recurso especial no STJ, o relator analise o descumprimento do contrato de promessa de compra e venda de imóvel.

Nessa decisão, o relator confirma o acórdão do tribunal a quo, no sentido de que o atraso na entrega do imóvel ultrapassou o mero dissabor porque frustrou a legítima expectativa do promitente comprador em morar em sua casa própria, ensejando, por isso, danos morais indenizáveis, e aplicando-se quanto ao ponto, o entendimento da Súmula nº 83 [3].

Trata-se de um único capítulo, com apenas um fundamento
Assim, no agravo interno, a parte recorrente deve impugná-lo especificamente, sob pena de o recurso não ser conhecido em virtude da incidência da Súmula nº 182/STJ.

Deverá demonstrar, por exemplo, que o acórdão recorrido não esclareceu se o mero atraso na entrega do imóvel teria causado abalo psicológico no promitente comprador prejudicado, tendo deferido a indenização por danos morais em virtude de mero descumprimento contratual.

Para afastar a Súmula nº 83/STJ, a parte deverá apontar julgados recentes aos aplicados na decisão recorrida em que o STJ tenha entendido que a simples demora na entrega do imóvel configura mero descumprimento contratual, não provocando, por si só, dano moral indenizável, sendo necessária a presença de circunstâncias excepcionais que justifiquem a indenização.

Poderá, ainda, demonstrar (com base na jurisprudência atual) que a demora não foi expressiva, se considerado o prazo de tolerância previsto no contrato. [4]

Por se tratar de fundamento único, a Súmula nº 182/STJ inviabilizará o conhecimento do agravo interno caso a parte limite-se a afirmar que o acórdão recorrido não apontou nenhum abalo psicológico do promitente comprador.

O Agint terá de trazer a jurisprudência atual do STJ no sentido de que, em tal hipótese, não cabe indenização por danos morais.

Seguindo adiante, suponha-se que além do capítulo acima, a decisão do relator ainda contenha mais dois capítulos, quais sejam: a responsabilidade pela demora na entrega do imóvel foi da construtora, conforme reconhecido na origem, de sorte que a modificação dessa conclusão esbarra no óbice da Súmula nº 5 (o contrato previu prazo específico de entrega) e, 7/STJ (a construtora não tomou as providências cabíveis para a entrega no prazo do contrato) e; [5] o atraso injustificado para a conclusão da obra enseja o pagamento de lucros cessantes, na esteira da jurisprudência da Corte, fazendo incidir o teor da Súmula nº 568/STJ. [6]

Assim, são capítulos autônomos nessa mesma decisão: danos morais indenizáveis em razão do atraso na entrega do imóvel; responsabilidade da construtora pela demora e; c) cabimento de lucros cessantes.

Por outro lado, são fundamentos
Incidência da Súmula nº 83/STJ, quanto ao capítulo 1; aplicação das Súmula nºs 5 e 7/STJ, quanto ao capítulo 2 e; aplicação da Súmula nº 568/STJ, quanto ao capítulo 3.

Se no agravo interno a parte recorrente nada disser sobre a incidência da Súmula nº 568/STJ, a discussão acerca do cabimento de lucros cessantes estará preclusa, e por isso não poderá mais ser ventilada.

Isso, todavia, não será suficiente para o agravo interno não ser totalmente conhecido em razão da Súmula nº 182/STJ. Será avaliado se a parte impugnou outros capítulos e seus respectivos fundamentos.

Quanto ao capítulo 2, não será suficiente o recorrente impugnar apenas a aplicação da Súmula nº 5/STJ, sustentando que a reforma do acórdão recorrido não demandaria reinterpretação de cláusula contratual. Deverá, também, impugnar a Súmula nº 7/STJ.

É que, tendo o capítulo mais de um fundamento que lhe dê sustentação, a parte recorrente deve impugnar todos eles, sob pena de aplicação da Súmula nº 182/STJ quanto àquele não impugnado.

Sublinha-se como já o fiz em outros trabalhos, que

A impugnação da Súmula nº 7/STJ pressupõe estrutura argumentativa específica, indicando-se as premissas fáticas admitidas como verdadeiras pelo tribunal de origem, a qualificação jurídica que lhe foi conferida e a apreciação jurídica que lhes deveria ter sido efetivamente atribuída. O recurso daí proveniente deveria se esmerar em demonstrar efetivamente que a referida súmula não se aplica ao caso concreto, e não simplesmente reiterar o recurso especial“. [7]

Deveras, a parte recorrente pode impugnar a decisão no todo ou em parte, mas deve, para cada um dos capítulos decisórios impugnados, refutá-los em tantos quantos forem os motivos autonomamente considerados para mantê-los. A propósito:

“(…) 2. A eficácia meramente preclusiva da omissão em sede de agravo regimental, dirigido a capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática, não desonera o recorrente de atacar tantos quantos forem os motivos sobre os quais se ergue o capítulo recorrido, sob pena de não conhecimento. Precedentes.

  1. A decisão agravada é constituída de capítulos autônomos, consistentes na inviabilidade de exame de norma constitucional na via do apelo especial e na deficiência de fundamentação do recurso, ante a ausência de indicação de ofensa a dispositivo de lei federal.
  2. O agravo regimental, todavia, nada diz a propósito dos impedimentos supracitados, pois se limita a alegar, genericamente, ‘grande confusão na decisão dispensada’ (e-STJ fl. 551), sem explicar a necessidade de afastamento dos óbices processuais que impediram o conhecimento do recurso.
  3. Essa omissão desconsidera o ônus de combater a totalidade dos fundamentos sobrepostos pela decisão monocrática em relação aos capítulos decisórios e atrai a incidência da Súmula 182/STJ.
  4. Agravo regimental não conhecido” (AgRg no AREsp n. 2.218.818/SP, relator Ministro João Batista Moreira (Desembargador Convocado do TRF1), Quinta Turma, DJe de 2/6/2023 – grifou-se)

“(…) 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Especial, é ‘dever da parte de refutar ‘em tantos quantos forem os motivos autonomamente considerados’ para manter os capítulos decisórios objeto do agravo interno total ou parcial (AgInt no AREsp 895.746/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 9.8.2016, DJe 19.8.2016)’ (EREsp n. 1.424.404/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 17/11/2021).

(…)

3. Agravo interno a que se nega provimento”. [8]

No mesmo toar, surgem várias dúvidas quando se fala em capítulos dependentes e independentes, e para explicar tais partes da decisão, cita-se o seguinte e elucidativo trecho:

“(…) a dependência entre capítulos sentenciais se configura:
(i) quando constatada relação de prejudicialidade entre duas pretensões, de modo que o julgamento de uma delas (prejudicial) determinará o teor do julgamento da outra (prejudicada); e
(ii) entre o capítulo portador do julgamento do mérito e aquele que decidiu sobre a sua admissibilidade (DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., pp. 44-46)”. [9]

Na situação hipotética em análise, os capítulos 1 e 3 (relativos aos danos morais indenizáveis e aos lucros cessantes) estão diretamente relacionados ao capítulo 2 (que trata da responsabilidade da construtora pelo atraso na entrega do imóvel).

Se a parte não se insurgir contra o teor do capítulo 2, a Súmula nº 182/STJ poderá ser aplicada para justificar o não conhecimento do agravo interno como um todo. É que a indenização por danos morais e por lucros cessantes estão diretamente ligadas á responsabilidade ou não da construtora.

Nesse sentido:

“(…) 1. A ausência de impugnação de fundamentos autônomos não acarreta o não conhecimento do recurso, mas, tão somente, a preclusão do tema, o que não se aplica na hipótese de decisão com fundamento único ou com capítulos que dependam um do outro. Precedente da Corte Especial.
(…)
4. Agravo interno não conhecido”. [10]

Assim é que a ausência de impugnação a um fundamento dependente de outro poderá resultar na não admissão do agravo interno como um todo, conforme estabelecido pela Súmula 182 do STJ.

Respeitadas as divergências, entendo que o princípio da primazia do mérito e a teoria da asserção não têm o condão de afastar o rigor formal da Súmula, cujo texto foi incorporado pela legislação, refletido nos artigos 932, III, 1.010, III, 1.016, III, e 1.021, § 1º, do Código de Processo Civil.

Para resumir o entendimento até aqui externado, confiram-se as seguintes hipóteses:

  • Dois capítulos autônomos, cada um desprovido por fundamentos diferentes à No Agint, a parte impugna apenas um dos capítulos à Incide preclusão sobre o que não foi impugnado.
  • Dois capítulos autônomos. Um deles — capítulo “x” — foi desprovido por dois fundamentos (súmula 7/STJ e súmula 543/STJ) à A súmula 543/STJ não foi impugnada a sobre esse capítulo incide a Súmula nº 182/STJ.
  • Um único capítulo com um ou mais fundamentos (súmulas 5, 7, 568, 543 do STJ, e 282 e 356 do STF). O recorrente não impugnou pelo menos algum deles à Súmula nº 182/STJ aplicada ao recurso como um todo.
  • Capítulos dependentes, sendo que ao menos um deles não foi impugnado à Súmula nº 182/STJ aplicada ao recurso como um todo.

Destarte, quando a parte impugna parcialmente os fundamentos de um capítulo autônomo ou deixa de impugnar um dos capítulos dependentes, a Súmula nº 182/STJ será aplicada de forma parcial na primeira situação, limitando-se ao capítulo em questão (resultando no agravo interno parcialmente conhecido).

No segundo caso, a Súmula será aplicada em relação ao agravo interno como um todo, resultando na sua não admissão (agravo interno não conhecido). O princípio da dialeticidade deve ser respeitado sempre.

 


[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 182/STJ: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”.

[2] Vide EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, DJe 17/11/2021 e EREsp 1.738.541/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, DJe de 08/02/2022.

[3] Brasil. STJ. Súmula nº 83/STJ: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”. Esta Súmula não é aplicável somente nos casos em que a parte aponta divergência jurisprudencial no recurso especial (alínea “c”, do art. 105, III, da Constituição Federal). Ela é aplicável ao recurso interposto seja pela alínea “a”, seja pela alínea “c”, do permissivo constitucional.

[4] O STJ tem jurisprudência no sentido de que o prazo expressivo pode ser entendido como aquele que ultrapassa 1 ano após o prazo contratual de tolerância para a entrega do imóvel.

[5] Brasil. STJ. Súmula nº 5/STJ: “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”. Súmula nº 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

[6] Brasil. STJ. Súmula nº 568/STJ: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

[7] Brasil. STJ. AgInt no AREsp n. 2.023.795/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 23/6/2022.

[8] Brasil. STJ. AgInt nos EAREsp n. 1.781.124/DF, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe de 4/12/2023.

[9] Brasil. STJ. EREsp 1.424.404/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 20/10/2021, DJe de 17/11/2021.

[10] Brasil. STJ. AgInt nos EREsp n. 1.632.766/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 30/5/2023, DJe de 12/6/2023.

Autores

  • é mestre em Regulação e Políticas Públicas (UnB, conceito Capes 6), especialista em Direito Público, graduado em Direito e Segurança da Informação, ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal (Copen-DF), servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência), advogado licenciado e autor de artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

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