Reflexões Trabalhistas

Pagamento dos salários durante a greve ambiental

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  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

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1 de março de 2024, 8h00

A greve ambiental fundamenta-se na existência de condições inadequadas de trabalho, diante de riscos graves e iminente para a saúde e vida dos trabalhadores, em razão do descumprimento das normas básicas sobre saúde e segurança do trabalho.

A greve ambiental, quando feita regularmente, é legítima, porque tem por fim a defesa da saúde e da vida dos trabalhadores, estando, portanto, agasalhada no mandamento do artigo 9º da Constituição Federal.

“É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”

A jurisprudência trabalhista já sedimentou o entendimento sobre a greve ambiental, reconhecendo a desnecessidade, para o seu exercício, do cumprimento dos requisitos formais da Lei n. 7.783/89, assim afirmando:

“Outro diferencial são os pressupostos de validade da greve ambiental, cuja finalidade é implementar adequadas e seguras condições de trabalho, enquanto bem de uso comum do povo. O objetivo específico de tutela é a saúde e a qualidade de vida do trabalhador. Nessa esteira, a Greve Ambiental, segundo a doutrina, pode ser invocada sem o preenchimento dos requisitos previstos na Lei 7.783/89, visto que se trata de direito fundamental do trabalhador… De tal sorte, sob qualquer angulação, a greve ambiental deve ser considerada como um direito fundamental do trabalhador, passível de ser exercido, sem maiores exigências, desde que haja grave ou iminente risco laboral nos fatos em questão, insista-se (Proc. n. TST-RO-0010178-77.2015.5.03.0000, Rela. Min. Dora Maria da Costa Ministra Relatora, 14/12/2015).

Com a greve ambiental visam os trabalhadores assegurar ambientes de trabalho seguros e saudáveis, que constitui direito fundamental na categoria dos direitos humanos (Constituição, artigos 7º e inc. XXII e 225).

Como afirmado por Amauri Mascaro Nascimento (“Comentários à Lei de Greve”, p. 26, LTR, São Paulo, 1989):

“… a greve é um direito básico do trabalhador, tão relevante, no plano coletivo, como os principais direitos fundamentais da pessoa, no nível individual. Trata-se, portanto, de um direito fundamental do homem social, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”

Na forma do o artigo 7º da Lei n. 7.783/89, observadas as condições previstas na Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Spacca

Não resolvido o conflito por meio de negociação coletiva, cabe ao Judiciário dizer se a greve é legítima ou não e resolver sobre o pagamento dos dias parados, que numa greve ambiental é um direito dos trabalhadores, uma vez que a Constituição assegura o direito de greve como direito fundamental. Se esse direito for exercido de forma regular não pode haver desconto nos salários dos grevistas, cujo conteúdo é de natureza alimentar.

O C. TST firmou entendimento no sentido de que o pagamento dos salários é assegurado aos trabalhadores nas paralisações motivadas por descumprimento de instrumento normativo vigente, não pagamento de salários e más-condições de trabalho (greve ambiental para defesa da saúde e vida dos trabalhadores), como ilustra a decisão seguinte:

EMENTA: DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA EMPRESA LUMINI EQUIPAMENTOS DE ILUMINAÇÃO LTDA.. PARALISAÇÃO DO TRABALHO DEFLAGRADA PELA CATEGORIA PROFISSIONAL POR REIVINDICAÇÃO DE MELHORES CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE TRABALHO ATRELADAS À SAÚDE DOS EMPREGADOS. NÃO ABUSIVIDADE DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. Constatado que foram observados os aspectos formais estabelecidos na lei, não se declara a abusividade da paralisação do trabalho que foi motivada por reivindicações da categoria que cuidam de benefícios diretamente atrelados à saúde do trabalhador, circunstância que se amolda ao quadro de excepcionalidade reconhecido pela jurisprudência predominante desta corte para justificar o exercício do direito constitucional da greve. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DOS DIAS DE PARALISAÇÃO. CABIMENTO. Segundo a jurisprudência predominante na Corte, a greve configura a suspensão do contrato de trabalho, e, por isso, como regra geral, não é devido o pagamento dos dias de paralisação. Exceto quando a questão é negociada entre as partes ou em situações excepcionais, como na paralisação motivada por descumprimento de instrumento normativo coletivo vigente, não pagamento de salários e más-condições de trabalho. No caso, a greve foi motivada por reivindicação de melhores condições de trabalho na busca de benefícios diretamente atrelados à saúde do trabalhador, situação excepcional admitida pela jurisprudência, que, se motivadora da paralisação dos serviços, justifica a decretação do pagamento dos dias parados (Proc. n. TST-RO-6250-87.2011.5.02.0000; SDC/TST; Rela. Min. KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA, 17/02/2014).

Em recente decisão apreciando sobre uma greve de trabalhadores dos Correios por adequadas condições de trabalho no auge da pandemia da Covid-19, o C. TST mandou a empresa pagar os salários dos trabalhadores durante a paralisação, conforme decisão a seguir ementada:

EMENTA: … DESCONTOS SALARIAIS REFERENTES AOS DIAS DE PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO PAREDISTA. GREVE AMBIENTAL CARACTERIZADA. DESCONTOS INDEVIDOS. Cinge-se a controvérsia à licitude do desconto salarial decorrente da adesão dos substituídos em movimento grevista deflagrado com objetivo de resguardar a saúde e segurança dos trabalhadores. O sindicato autor argumenta que, apesar de diversos trabalhadores do CDD de Santa Mônica testarem positivo para COVID-19, a empresa não efetuou a testagem em massa e deixou de afastar funcionários com sintomas gripais, somente o fazendo após a confirmação da infecção viral. Diante desse quadro, os trabalhadores iniciaram paralisação de 48 horas, a fim de cobrar melhores condições de trabalho. Por outro lado, a ECT enfatiza que sempre cumpriu as medidas necessárias ao combate à propagação da COVID-19 e que os movimentos paredistas do sindicato autor não se caracterizam como greve ambiental. O Tribunal Regional, com base no quadro fático delineado nos autos, asseverou que, “da análise dos ofícios juntados aos autos pelo sindicato autor, nos quais não vislumbro nenhuma irregularidade e que considero válidos como meio de prova, depreende-se que a paralisação ocorrida nos dias 25 e 26 de junho de 2020 teve como intuito instar a reclamada a adotar medidas mais eficazes em relação à prevenção de contágio relativo à COVID-19”. Destacou, ainda, que “é notório que no mês de junho de 2020, quando ocorreu a paralisação dos substituídos, o contágio por COVID-19 estava em ascensão acelerada no Brasil, sendo certo, outrossim, que havia muitas incertezas naquele momento acerca dos protocolos médicos a serem seguidos para enfrentamento de uma doença tão avassaladora, que estava ceifando a vida de muitas pessoas, o que inegavelmente gerou grande e justificável receio por parte daqueles que laboravam presencialmente e que a cada dia conviviam com mais colegas de trabalho infectados ou com suspeita de contágio”. Nesse contexto, concluiu que “as reivindicações formuladas pelo movimento paredista (ocorrido nos dias 25 e 26 de junho de 2020) se relacionaram à postulação de medidas concernentes à proteção da saúde, da vida e da integridade física dos funcionários expostos à contaminação pela COVID-19, no contexto de uma das piores pandemias vividas pela humanidade, de alto grau de letalidade, não há como se rechaçar a conclusão de que se trata de uma greve ambiental”. Nos termos da legislação pertinente, qual seja, o artigo 7º, caput, da Lei nº 7.783/1989, “observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho”. Do dispositivo transcrito, conclui-se que a greve, não obstante ser direito constitucionalmente garantido aos trabalhadores, configura hipótese de suspensão do contrato de trabalho, razão pela qual a regra geral é a de que os dias de paralisação não sejam remunerados. Contudo, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a suspensão do contrato de trabalho por motivo de greve permite o desconto dos dias parados, salvo nos casos em que a greve é deflagrada justamente por atraso no pagamento dos salários, realização de lockout ou outra situação excepcional que implique submissão do empregado a condições risco no ambiente de trabalho, conjuntura expressamente registrada no acórdão regional. Diante desse contexto, e considerando que os dispositivos indicados pela ora agravante (artigos 9º, caput, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal e 7º da Lei nº 7.783/89), contrariamente ao alegado, não autorizam a realização dos descontos referidos quando a paralisação é considerada legítima, não se viabiliza o processamento do recurso de revista com espeque no artigo 896 da CLT. Agravo de instrumento desprovido (TST-RRAg-691-71.2021.5.17.0004, Brasília, 8 de novembro de 2023, JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA, Ministro Relator).

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  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF)/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

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