União deve definir destino de valores obtidos com condenações e delações, decide STF
27 de maio de 2024, 13h46
O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que cabe à União definir o destino de recursos obtidos com delações premiadas ou condenações criminais em casos em que a lei não prevê uma finalidade específica para esses valores.

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O entendimento veda que o direcionamento dessas quantias seja fixado pelo Ministério Público em acordos firmados com os réus ou por determinação dos tribunais em que tramitam os processos.
A decisão se deu na sessão virtual encerrada em 17 de maio, no julgamento de arguição de descumprimento de preceito fundamental apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
As legendas questionavam alegada atuação indevida do MP ao destinar recursos obtidos com condenações e delações a projetos específicos.
Em 2021, o relator, ministro Alexandre de Moraes, havia deferido liminar no mesmo sentido. Na sessão virtual, o Plenário confirmou a cautelar e julgou o mérito do caso.
Em seu voto, o ministro Alexandre argumentou que a grande maioria das leis já estabelece o destino desses recursos e que cabe à União fixar essa definição, como se faz com qualquer receita pública, nos casos em que não há uma finalidade específica definida.
“Em que pesem as boas intenções de magistrados e membros do Ministério Público ao pretender destinar tais verbas a projetos significativos, devem ser respeitados os limites estabelecidos pela Constituição Federal, bem como a expressa atribuição conferida ao Congresso Nacional para deliberar sobre a destinação das receitas públicas”, afirmou.
Verbas penais
Em outro julgamento, encerrado em 17 de maio, o Plenário do STF concluiu que o Judiciário é o responsável pela gestão de recursos obtidos por meio de transações penais e suspensões condicionais do processo.
Regras internas do Judiciário atribuem tal função aos próprios juízos da execução da pena. Isso era contestado pelo Ministério Público. O debate era quanto ao uso de recursos obtidos em casos de prestação pecuniária aplicada como condição para a transação penal ou para a suspensão condicional do processo.
Na transação penal, o réu e o MP fecham um acordo para cumprir determinadas condições estipuladas pelo próprio MP, em troca do arquivamento do processo.
Já na suspensão condicional, também proposta pelo MP, o réu aceita cumprir algumas condições impostas pelo juiz. O processo é suspenso até que elas sejam cumpridas e depois é extinto.
Abusos da “lava jato”
O Conselho Nacional de Justiça teve de editar resolução para explicitar que magistrados e integrantes do Ministério Púbico não podem estabelecer livremente a destinação de verbas arrecadadas por meio de condenações e acordos de leniência e de delação premiada. O CNJ foi obrigado a reforçar a regra, apesar de a prática já ser ilegal, devido aos abusos cometidos na “lava jato”, como os praticados pelos ex-juízes da 13ª Vara Federal de Curitiba Sergio Moro e Gabriela Hardt. O órgão decidirá em 21 deste mês se abre processo administrativo disciplinar contra os dois.
Em 26 de abril, o CNJ aprovou resolução para limitar a destinação das verbas arrecadadas por meio de condenações, acordos de leniência e de delação premiada e cooperação internacional, além de multas. A norma proíbe a distribuição de maneira determinada pelo Ministério Público em acordo firmado com empresa ou colaborador. Também veda o uso desses valores para custeio de instituições do sistema de Justiça, promoção pessoal de membros dos três poderes e para entidades associadas a eles. Ainda é proibida a utilização para fins político-partidários.
A resolução foi editada na iminência de o CNJ julgar a abertura de PAD contra a juíza Gabriela Hardt por homologar a criação de uma fundação, abastecida com verbas de acordos, com o objetivo de supostamente organizar atividades anticorrupção coordenadas por lavajatistas. Correição feita pelo CNJ na 13ª Vara de Curitiba concluiu que houve uma “gestão caótica” no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o MPF e validados por Sergio Moro.
O CNJ também decidirá se abre PADs contra os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, além do juiz Danilo Pereira Júnior.
Se forem condenados nos PADs, os quatro julgadores vão receber alguma das sanções disciplinares regulamentadas pela Lei Orgânica da Magistratura: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória ou demissão. Se houver indícios de crime de ação pública incondicionada, uma cópia do processo deve ser enviada ao Ministério Público. Como Moro não é mais juiz, o CNJ pode enviar notícia-crime ao MP para dar andamento a uma investigação criminal contra ele.
Destinação ilegal
Mesmo antes da resolução do CNJ, procuradores da República e juízes não podiam definir onde seriam aplicadas verbas arrecadadas em ações penais, avaliam especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. De forma geral, o dinheiro deve ser destinado à União.
Dependendo do caso, os destinatários de valores arrecadados em processos criminais podem ser o Fundo Penitenciário Nacional ou Fundo Penitenciário de estado (artigo 49 do Código Penal), a União (artigo 91 do Código Penal), o Fundo Nacional Antidrogas (artigo 63, parágrafo 1º, da Lei 11.343/2006), o Fundo Nacional de Segurança Pública (artigo 3º da Lei 13.756/2018) ou entidade pública ou de interesse social (artigo 28-A do Código de Processo Penal), entre outros.
Histórico de abusos
Em diversos episódios da “lava jato”, procuradores e juízes ilegalmente decidiram a destinação de valores arrecadados em acordos de leniência e delação premiada, além de apreensões, condenações e multas.
O caso mais infame é o da “Fundação Dallagnol”. Lavajatistas assinaram acordo com a Petrobras para a criação de uma fundação que permitiria ao grupo de procuradores gerir recursos bilionários. Em troca, a estatal repassaria informações confidenciais sobre seus negócios ao governo americano. A manobra foi bloqueada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Procuradores de Curitiba tentaram repetir o modelo criando uma fundação com recursos do acordo de leniência da J&F. A ConJur noticiou o caso em dezembro de 2020 e, na ocasião, o procurador-geral da República, Augusto Aras, bloqueou um repasse de R$ 270 milhões para a entidade. O arquiteto dessa operação seria o conselheiro da organização não governamental Transparência Internacional e assessor informal da “lava jato” Joaquim Falcão.
Em um memorando, foi registrada a pretensão de destinar parte dos recursos do acordo, no valor total de R$ 10,3 bilhões, a um projeto de investimento na prevenção e no “controle social da corrupção”. Custo dessa “campanha educativa”: R$ 2,3 bilhões.
Procuradores da “lava jato” do Rio de Janeiro fizeram um delator comprar, sem licitação nem autorização da Procuradoria-Geral da República, um equipamento de espionagem israelense que invade celulares em tempo real, como parte do pagamento de sua multa civil.
O empresário Enrico Vieira Machado comprou, sem licitação, o software UFED Cloud Analyzer, desenvolvido pela Cellebrite, para o Ministério Público Federal do Rio. A aquisição foi feita em 5 de dezembro de 2017, por R$ 474.917,00, em Nova Lima (MG). A obrigação de adquirir o programa foi inserida em seu acordo de colaboração premiada, firmado com o MPF e homologado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
Argumentando que “combatia a corrupção”, a “lava jato” preservou o patrimônio de delatores. Orlando Diniz pôde manter US$ 250 mil no exterior; Dario Messer recebeu R$ 11 milhões de herança; Alberto Youssef inicialmente receberia R$ 1 milhão para cada R$ 50 milhões recuperados; Antonio Palocci manteve mais da metade de seu patrimônio de R$ 80 milhões. Com informações da assessoria de imprensa do STF.
ADPF 569
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