Opinião

Cumprimento das normas da ABNT diante do microssistema jurídico do consumidor

Autor

  • é sócio do escritório Carvalho de Oliveira Advocacia e Consultoria Jurídica pós-graduando em LL.M. em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e pós-graduado em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC).

    Ver todos os posts

21 de maio de 2024, 16h24

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 39, inciso VIII, estabelece ser proibido ao fornecedor de produtos ou serviços colocar, no mercado de consumo, na ausência de normas expedidas por órgãos oficiais, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). [1]

Reprodução

Não significa dizer que o citado dispositivo legal tenha concedido às normas da ABNT um caráter cogente, ou seja, com força de lei. Isso porque vigora no Brasil o princípio constitucional da legalidade, por intermédio do qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Corrobora esta assertiva o fato de que a grande maioria das referidas normas são fornecidas apenas mediante pagamento. Logo, se tivessem força de lei, isso jamais poderia ocorrer, e os acessos deveriam se dar de forma ampla e gratuita, sob pena de flagrante violação ao princípio da publicidade previsto na Constituição. [2]

Isto posto, as normas técnicas expedidas pela ABNT somente seriam obrigatórias se previstas em lei que exigisse especificamente a sua aplicação.

Entretanto, não podemos fechar os olhos para o fato de que o Código de Defesa do Consumidor é um microssistema jurídico. Ou seja, em seu bojo existem regras de direito material, penal, administrativo e processual, sobre as quais é relevante para os efeitos deste estudo ressaltar:

  • Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (artigo 4º, inciso I);
  • Garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho (artigo 4º, inciso II, alínea ‘d’);
  • Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico (artigo 4º, inciso III);
  • Incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços (artigo 4º, inciso V);
  • Estudo constante das modificações do mercado de consumo (artigo 4º, inciso VIII);
  • A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (artigo 6º, inciso I);
  • Responsabilização do fornecedor de produto ou prestador de serviço por prestar informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos (artigos 8º, 12 e 14);
  • Responsabilização do fornecedor por vício do produto ou serviço (artigos 18 ao 25);
  • Medidas que assegurem a efetividade de defesa do direito do consumidor em âmbito judicial (artigos 28, 81 a 104);
  • Imposição de critérios adequados de oferta e publicidade de produtos ou serviços (artigos 30 a 38);
  • Proteção ao consumidor contra práticas abusivas de cobranças de dívidas e medidas para auxiliá-lo a superar o superendividamento (artigos 140-A a 104-C);
  • Proteção ao consumidor contra práticas abusivas em geral (artigos 39, 46 a 54);
  • Sanções de caráter administrativo (artigos 55 a 60), bem como de natureza criminal (artigos 61 a 80) para aqueles que descumprirem as regras de defesa ao consumidor.

Isso denota que seus dispositivos devem ser interpretados de maneira integrada (análise teleológica), mas não apenas dentro das suas regras de proteção ao consumidor, mas ainda em relação a todo o ordenamento jurídico e, em especial, a Constituição. [3]

Destarte, o descumprimento do disposto no artigo 39, inciso VIII, pode acarretar responsabilizações para o seu infrator, mesmo não sendo as regras da ABNT de caráter cogente (força de lei), conforme exposto acima, nos termos do que já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo. [4]

Elevadores são um exemplo

Um exemplo é a nova norma de nº 16.858-1 para elevadores de passageiros e carga. Nesta, identificamos critérios mais tecnológicos para projeto, construção, instalação e desempenho dos elevadores, como forma de garantir, em última instância, maior segurança aos seus usuários.

Em vista disso, compete às empresas atuantes neste mercado fabricarem seus produtos em conformidade a esta norma sob pena de configuração de prática abusiva contra o consumidor (artigo 39, VIII, CDC) e, às que prestam serviços de manutenção em elevadores já em circulação, orientarem seus clientes acerca das modernizações necessárias, pois o CDC dispõe ser dever do prestador de serviços fornecer informação relevante que diga respeito à natureza, característica, qualidade, segurança, desempenho, durabilidade, dentre outros, de produtos ou serviços. [5]

Assim, a título de argumentação, na hipótese de um evento danoso com elevadores por inobservância das diretrizes prevista na citada NBR, seus responsáveis poderão responder em âmbito civil, administrativo e criminal, a partir do que se extrai de uma análise conjugada do artigo 39, VIII, 56 [6] e 66 do CDC, bem como dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. [7]

Da mesma forma, podem responder síndicos e administradores de condomínios em caso de acidentes, na hipótese de não acatarem as recomendações de modernização técnica prestadas pelas empresas de manutenção, uma vez que possuem o dever legal de defesa, conservação, guarda e zelo dos elevadores, serviço essencial a todos os condôminos, conforme inteligência que se extrai do disposto no artigo 1.348, incisos II e V, do Código Civil. [8]

Diante deste cenário, concluímos que, apesar de as normas da ABNT serem de observância voluntária, o seu cumprimento é recomendável, sob pena de fornecedores de produtos ou serviços serem responsabilizados, considerando o microssistema de proteção do consumidor.

 


[1] Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…).

[3] Neste sentido, se analisarmos o preâmbulo da CF veremos que esta coloca a vida e a segurança do cidadão brasileiro como um dos pilares do estado democrático de direito, reafirmando tal premissa em seus artigos 5º e 6º, onde estabelece o rol dos direitos e garantias fundamentais do ser humano, bem como dos direitos sociais, respectivamente. Além disso, a CF em seu artigo 5º, XXXII, dispõe que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor e o artigo 170, inciso V, estabelece como princípios gerais da ordem econômica a defesa do consumidor, atribuindo, ainda, à União competência para legislar sobre produção e consumo, bem como sobre responsabilidade por dano ao consumidor e defesa da saúde (artigo 24, incisos V, VIII e XII).

[4] AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Fabricação de conduítes plásticos destinados à construção civil em desacordo com a ABNT NBR 15.645/2008 – Prática abusiva, expressamente prevista no art. 39, VIII, CDC – Presunção legal de impropriedade ao consumo – Exegese do art. 18, § 6º, II, CDC – As normas técnicas visam salvaguardar a saúde, segurança e patrimônio dos consumidores, nivelando os requisitos gerais mínimos dos produtos, medida que contribui para justa exploração da atividade econômica, atendendo, ainda, aos direitos dos consumidores – Necessária observância às normas da NBR 15.645/2008 da ABNT, por determinação do CDC, diploma legislativo de ordem pública e interesse social – Laudo pericial que concluiu pela reprovação de todas as amostras em teste de compressão do produto – Tratando-se de norma de desempenho, qualquer que seja a matéria-prima na fabricação de eletroduto para instalação elétrica de baixa tensão, deverá atender aos requisitos mínimos exigidos – Desnecessidade de dano concreto para a procedência da demanda – SENTENÇA REFORMADA – APELO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 0006241-36.2012.8.26.0659; Relator (a): Fábio Podestá; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de Vinhedo – 1ª Vara; Data do Julgamento: 01/12/2020; Data de Registro: 01/12/2020). Veja também: TJSP;  Apelação Cível 1004824-15.2018.8.26.0564; Relator (a): Paulo Alcides; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/04/2019; Data de Registro: 05/04/2019 e TJSP;  Apelação Cível 9149116-49.2008.8.26.0000; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de Boituva – VARA UNICA; Data do Julgamento: 28/08/2014; Data de Registro: 29/08/2014.

[5] Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.

§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

§ 2º Se o crime é culposo;

Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

 [6] Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

I – multa;

II – apreensão do produto;

III – inutilização do produto;

IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente;

V – proibição de fabricação do produto;

VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;

VII – suspensão temporária de atividade;

VIII – revogação de concessão ou permissão de uso;

IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;

X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;

XI – intervenção administrativa;

XII – imposição de contrapropaganda.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.

[7] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

[8] Art. 1.348. Compete ao síndico:

(…)

II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

(…)

V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;

Autores

  • é sócio do escritório Carvalho de Oliveira Advocacia e Consultoria Jurídica, pós-graduando em LL.M. em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e pós-graduado em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!