Opinião

Nova contribuição para monitoramento de segurança e preservação de logradouros

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1 de maio de 2024, 7h02

Em épocas anteriores, notadamente antes do advento da Constituição de 1988, pouco discutíamos a respeito da espécie tributária “contribuição”, como espécie tributária autônoma [1].

Havia, evidentemente, a constatação de sua existência, mas para alguns doutrinadores, mercê de sua base de cálculo, típica dos impostos, as então chamadas contribuições parafiscais assumiam um contorno de subespécie tributária dos impostos, cujo produto de arrecadação era vinculado a uma determinada finalidade a ser alcançada pelo Estado [2].

Essas finalidades constituem-se em (1) comodidades ou benefícios fruíveis pelos cidadãos e (2) objetivos a serem atendidos pelo Estado, ao desenvolver determinado setor da economia.

Em certo momento histórico, é notório que em nível de competência federal, dada à relativa abertura para a criação dessas figuras de tributação, houve a adoção massiva da instituição de contribuições parafiscais: interventivas e previdenciárias, principalmente. Isso não é novidade, bastando irmos à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para vermos o altíssimo grau de litigiosidade envolvendo essas duas figuras.

Na verdade, a adoção desse mecanismo previsto constitucionalmente constitui-se em uma nova técnica de financiamento dessas atividades estatais.

Tanto isso é verdade que a arrecadação federal pela via das contribuições supera em muito a arrecadação de impostos, constituindo-se em uma verdadeira panaceia tributária [3].

Ora, em termos de utilidades fruíveis pelos cidadãos, e mais verticalmente, em termos de serviços públicos, historicamente a doutrina costumava classificá-los em serviços “uti singuli”, cujos usuários eram passíveis de determinação, para fins de cobrança de contraprestação específica (taxa, nesse caso) e “uti universe”, contexto no qual os usuários são indeterminados (e, portanto, não sendo passível de remuneração específica pelos utentes) [4].

Contudo, se a União tem certa liberdade para agir nesse setor específico do exercício da competência tributária, instituindo Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), nas mais diversas hipóteses possíveis, os demais entes políticos não tinham essa opção, restando-lhes custear seus serviços gerais por meio da arrecadação de impostos.

Prefeitura de São Paulo

Entretanto, muitas tentativas houve no sentido de se instituir contribuição para o custeio de utilidade fruível pelos administrados. Basta nos lembrarmos da famigerada “Taxa de Iluminação Pública”, que culminou na criação, via de emenda constitucional, da Contribuição de Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip) [5].

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a Taxa de Segurança para Eventos, instituída para ser cobrada pela prestação de serviços pela Polícia Civil, pelo Corpo de Bombeiros Militar ou pelo Departamento de Trânsito em eventos com fins lucrativos e promocionais, criada pelo Distrito Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2692. O argumento acolhido pela corte foi exatamente o de que referidos serviços teriam de ser custeados pela via do produto da arrecadação dos impostos [6].

Reforma tributária e contribuição

É nesse contexto que vem a lume um dado ao qual parece não se ter dado maior importância na recente reforma tributária, trazida pela Emenda Constitucional nº 132, que alterou o artigo 149, ficando sua redação assim:

“Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio, a expansão e a melhoria do serviço de iluminação pública e de sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos, observado o disposto no art. 150, I e III.”

Assim, a exemplo do que já acontecia com o exercício de competência tributária pela União Federal, ampliou-se o rol das contribuições passíveis de serem instituídas pelos Municípios.

Há sérios problemas com relação a essas contribuições, a exemplo do que já ocorre com a Cosip, notadamente relacionadas à efetiva destinação do produto de sua arrecadação ao fim para o qual foi instituída [7].

Assente-se o absoluto e desigual tratamento entre os cidadãos que efetivamente usufruem da iluminação pública e aqueles que não usufruem, embora contribuam igualmente, matéria já superada pela jurisprudência, mas de difícil aceitação.

Contribuição para sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros

A mesma desigualdade ocorrerá, já se sabe, em relação a contar com “sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos”. Todos contribuirão, mas nem todos irão usufruir dessas comodidades/serviços. Muito provavelmente, uma pequena parcela da população terá o privilégio de contar com esse monitoramento.

Já se pode antever, outrossim e naturalmente – dada à pródiga criatividade do legislador – que haverá interpretações que considerarão a criação de uma contribuição para preservação de logradouros públicos, desvinculada da implantação de sistemas de monitoramento, entendendo haver, no dispositivo, a possibilidade de três contribuições com bases imponíveis distintas [8].

Enfim, em conclusão, parece-nos que há uma tendência para a adoção de um novo modelo de custeio das utilidades, comodidades e serviços fruíveis, agora também na esfera da competência municipal e podemos esperar novas discussões a respeito de cada uma das leis que serão editadas pelas Câmaras Municipais.

Aguardemos, pois, os próximos capítulos.


Referências bibliográficas

AGUILLAR, FERNANDO. Econômico vs. Tributário – Se individualizado, serviço poderá ser cobrado. CONJUR, 2010. Disponível em https://www.conjur.com.br/2010-jul-17/servico-publico-individualizado-incidir-taxa/. Acesso em: 24/04/2024.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 662

COELHO, SACHA CALMON NAVARRO. Contribuições no direito brasileiro: seus problemas e soluções. Senado Federal. Disponível em https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas/do-sistema-tributario-nacional-contribuicoes-no-direito-brasileiro-seus-problemas-e-solucoes. Acesso em 24/04/2024.

[1] Ressalvada, evidentemente, a contribuição de melhoria, espécie tributária bem distinta das contribuições.

[2] Nesse sentido, SACHA CALMON NAVARRO COELHO: “Outra vez no art. 195, o Constituinte preconiza uma Seguridade Social Solidária, por isso a existência de Impostos afetados a esse fim, embora com o nome de contribuições: PIS, COFINS, CPMF, CSLL, para atender aos mais necessitados às expensas de pagantes que contribuem sem receber em retorno algum especial benefício, em exceção expressa do art. 167, IV, da CF/88, que proíbe a afetação de impostos a órgão, fundo ou programa, por razões políticas e práticas (preservação da autonomia do Poder Executivo para administrar)”. Disponível em https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas/do-sistema-tributario-nacional-contribuicoes-no-direito-brasileiro-seus-problemas-e-solucoes, cit.. ROQUE ANTONIO CARRAZA, igualmente, qualificou o tributo como imposto em seu Curso de Direito Constitucional Tributário, cit.

[3] São mais de duas dezenas de contribuições federais com as mais variadas hipóteses de incidência e que representam, conjuntamente, entre contribuições previdenciárias, interventivas e sociais gerais, metade ou até da metade de todo o montante arrecadado pela União Federal. Considere-se também que a arrecadação de contribuições não é distribuída aos demais entes federativos, o que naturalmente engorda o caixa da União Federal, com alguma e rara exceção.

[4] Por todos, no CONJUR, artigo de FERNANDO AGUILLAR, disponível em https://www.conjur.com.br/2010-jul-17/servico-publico-individualizado-incidir-taxa/

[5] Emenda Constitucional nº 39, de 19 de dezembro de 2002.

[6] Foram afastadas a Lei distrital 1.732/1997, que instituiu a taxa, e o Decreto 19.972/1998, que a regulamentou.

[7] Há notícias de ações de improbidade e até de ajuizada pelo Ministério Público para interromper a cobrança, exatamente em função de não estar havendo a destinação correta do produto da arrecadação. Por exemplo: Ação de Improbidade Administrativa 0024500-06.2016.8.08.0024 (TJ/SC), Ação Direta de Inconstitucionalidade 1408150-19.2016.8.12.0000 (TJ/MS),

[8] Cuja leitura do dispositivo constitucional seria: “Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição (…) para o custeio, a expansão e a melhoria:

(i) do serviço de iluminação pública; e

(ii) de sistemas de monitoramento para segurança; e

(iii) preservação de logradouros públicos (…).

 

 

 

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