Opinião

40 anos da reforma do Código Penal de 1984... E continuamos errando

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  • é advogado mestre em Direito e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas desde 2008.

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30 de junho de 2024, 17h25

“A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime…”

Essa citação consta do item 5 da exposição de motivos da última reforma do Código Penal, Lei 7209, de 11/07/1984, que, embora tenha sido redigida há 40 anos, poderia ser facilmente utilizada hoje em um artigo, estudo ou texto técnico. Fato é que os mesmos temores e problemas relacionados ao crime assombram há décadas a sociedade brasileira.

Onde estamos errando?

Em 1984, o Brasil registrava 258.505 presos para uma população de 134 milhões de habitantes, o que representa uma taxa de encarceramento (número de presos para cada 100 mil habitantes) de 193,07. Quarenta anos depois chegamos a 203 milhões de habitantes, população carcerária de 852.010 pessoas e taxa de encarceramento de 419,70. O crescimento no índice de presos por 100 mil habitantes, como se vê, cresceu 117%, sem que as taxas de criminalidade arrefecessem.

Os números demonstram, portanto, que prender mais e por mais tempo não é a solução.

Naquela época, os membros da comissão da reforma do Código Penal alertaram sobre a ineficácia da prisão como forma de proteger a sociedade, conforme constou do item 26 da exposição de motivos: “Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere”. Convém notar que em 1984 o crime ainda não havia atingido o grau de organização que possui hoje. O PCC, por exemplo, só nasceria quase uma década depois, em 1993.

Antonio Cruz/Agência Brasil

Nesse período, a sociedade brasileira se deixou levar por um populismo penal que defende a prisão como a solução para a criminalidade, com a inclusão de agravantes, como fake news e radicalismos ideológicos. Um dos exemplos mais cruéis desse cenário e que ignora o fato de o direito ser uma ciência é o que pretende sujeitar uma mulher que pratica aborto à mesma pena daquele que comete um homicídio.

Nesse ponto convém relembrar o “Príncipe dos Penalistas”, Nelson Hungria, para quem o homicídio é “o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”.

A sociedade brasileira precisa escolher entre dois caminhos, aquele apontado quatro décadas atrás pela Comissão de Reforma, de que é necessário desenvolver mecanismos mais eficientes para combater a criminalidade, ou aquele que estamos trilhando sem sucesso desde então. Podemos começar refletindo se é sábio castigar 96% dos presos que saem temporariamente da prisão e têm comportamento exemplar, provando estarem aptos ao retorno à vida em sociedade, em razão do comportamento dos 4% que não voltam.

Seremos julgados no futuro por nossas escolhas e decisões, espero que não sejamos condenados por termos conscientemente insistido nos mesmos erros.

Autores

  • é advogado, mestre em Direito e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas desde 2008.

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