Opinião

Como a iluminação pública tem ressignificado contratos de PPP nos municípios

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  • é advogado na área de infraestrutura do Spalding Sertori Advogados doutorando em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Público pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

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24 de junho de 2024, 7h07

Informações divulgadas pelo Fórum Nacional de Iluminação Pública mostram que até o mês de agosto de 2023 já haviam sido assinados 111 contratos de parceria público-privada de iluminação pública no Brasil [1]. Em larga medida, esses arranjos tratam de projetos que comportam soluções tecnológicas que vão além da substituição do parque luminoso das cidades por lâmpadas de LED, fornecendo recursos de grande sofisticação tecnológica, como centro de controle operacional e telegestão dos ativos com tecnologia de internet das coisas.

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Energia elétrica, iluminação pública, cidade iluminada à noite

Constata-se um aumento exponencial desses arranjos quando se visualiza, por exemplo, que em 2019 eram apenas 17 contratos de PPP de iluminação publicada celebrados por municípios brasileiros [2]. Mas esse contexto não surge sem condições institucionais precedentes. Em 2010, a Resolução Aneel nº 414 provocou significativas mudanças estruturais no setor de iluminação pública ao determinar a transferência desses sistemas, registrados como ativo imobilizado em serviço, às pessoas jurídicas de direito público competente.

Pela norma de seu artigo 218, § 1º, uma vez que a iluminação pública se trata de serviço de operação essencialmente urbana, com inarredável interesse local, a resolução na prática levou à transferência do dever pela sua prestação, que até então cabia às empresas responsáveis pela distribuição de energia elétrica, aos próprios entes municipais. Essa prescrição também podia ser verificada na norma artigo 21, caput, daquela resolução, que impôs a elaboração de projeto, a implementação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública ao ente municipal, ou de quem dele tenha recebido a delegação para a prestação dos serviços.

Desse modo, a Resolução Aneel nº 414/2010 encerrou eventuais dúvidas que ainda persistiam acerca da competência pelos serviços relativos à iluminação pública urbana, cabendo, portanto, aos municípios a sua organização e prestação, seja por via direta ou por contrato de delegação ou prestação de serviços.

Posteriormente, a Resolução Aneel nº 414/2010 foi revogada pela Resolução Aneel nº 1.000/2021, que estabelece as regras para prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica, dispondo sobre direitos e deveres do consumidor, além de dedicar um capítulo próprio aos serviços de iluminação pública. Todavia, no mesmo sentido da norma revogada, a Resolução Aneel nº 1.000/2021 reafirmou a iluminação pública como serviço de titularidade dos municípios, o que, cabe salientar, encontra guarida na definição das competências materiais aos municípios expressa pela Constituição.

Nesse cenário, as resoluções da Aneel apenas disciplinaram e tornaram mais objetivo um comando que tem origem na própria Constituição, tendo em vista a natureza local dos serviços de iluminação pública. Isso se tornou ainda mais notório desde a Emenda Constitucional nº 39/2002, que incluiu expressamente no texto constitucional a possibilidade, aos municípios e ao Distrito Federal, de instituição de contribuição para o custeio da iluminação pública, a partir da inclusão da norma do artigo 149-A, recentemente reformada pela emenda constitucional da reforma tributária.

Prioridade e PPPs

Fato é que, diante desta conjuntura, os municípios passaram a ser pressionados a posicionar a iluminação pública como agenda prioritária da política pública local, o que patrocinou a busca por arranjos sofisticados e eficientes de contratação público-privada desses serviços.

Sob o ponto de vista fático, um marco na prestação dos serviços de iluminação pública foi a chegada e alcance e a redução dos preços de mercado da tecnologia LED às lâmpadas que guarnecem os parques de iluminação urbana. Tecnologia que oferece uma prestação muito mais eficiente e sustentável dos serviços de iluminação pública e ainda pode ser compatível com tecnologias de Internet das Coisas (IoT), que permite o controle remoto dos ativos (telegestão).

Esse movimento demonstrou que em muitos casos seria vantajoso, para os municípios, a modernização imediata de todo o parque de iluminação sob sua gestão, com vistas à imediata maximização dos ganhos em eficiência e sustentabilidade na prestação dos serviços. Tal ação, todavia, demandaria arranjos contratuais sofisticados, que acobertassem metas de operação, indicadores de desempenho e, sobretudo, acomodassem num mesmo ajuste a modernização, a gestão e a operação do parque luminotécnico. Daí surgiram as primeiras parcerias público-privadas (PPPs) de iluminação pública no Brasil, na segunda metade da última década, edificadas sob o regime da concessão administrativa.

Entre as capitais brasileiras, Belo Horizonte foi a primeira a modernizar seu parque de iluminação pública com o emprego da tecnologia LED, tendo celebrado, em 13 de julho de 2016, o contrato de parceria público-privada visando a substituição das luminárias de vapor de sódio da cidade por lâmpadas de LED em um período de três anos [3].

De lá para cá houve um aumento vertiginoso de projetos estruturados de PPPs iluminação pública que, em grande maioria, não previa em seu escopo apenas a substituição das lâmpadas de vapor de sódio pela tecnologia LED, mas soluções de cidades inteligentes como telegestão do parque e possibilidades pelo emprego de tecnologia de IoT sobre a infraestrutura operacional dos serviços.

Vantagens

Além do incremento da eficiência sobre os serviços de iluminação pública prestados pelos municípios, outros fatores têm sido decisivos para a identificação da PPP como melhor modelo para prestação dos serviços. Um elemento significativo para isso é que em boa parte dos projetos a sustentabilidade econômico-financeira da parceria é garantida pelo recolhimento da contribuição para o custeio da iluminação pública, instituída no artigo 149-A da Constituição, que diminui os riscos de investimento privado nestes ativos, gerando grande atratividade aos potenciais parceiros privados.

Mais recentemente, as potencialidades das parcerias público-privadas municipais para modernização e gestão dos parques de iluminação pública têm sido reconhecidas como elementos aglutinadores de outras soluções de cidades inteligentes, como infraestruturas de telecomunicações, câmeras de segurança pública e até usinas de geração de energia fotovoltaica. Não à toa, alguns projetos vêm sendo batizados como “PPP de Cidade Inteligente” por conformar, além da modernização e gestão do parque de iluminação pública com emprego de tecnologia LED e IoT, serviços como infraestrutura de telecomunicações e usinas fotovoltaicas.

Além dos benefícios gerados pela modernização do parque de iluminação pública, tal como o aumento da percepção de segurança pública nas vias urbanas das cidades e a significativa diminuição do consumo de energia elétrica pelos municípios para provisão dos serviços de iluminação urbana, o crescimento desses contratos nas cidades brasileiras também traz vantagens institucionais.

Em boa parte desses projetos, a PPP de iluminação pública foi o primeiro contrato de parceria público-privada celebrada pelo município contratante, razão pela qual esses serviços têm fomentado a adoção de soluções mais sofisticadas e eficientes nas relações entre poder público e setor privado para viabilização de financiamentos para prestação de serviços públicos urbanos que vão além da própria iluminação, reverberando novos horizontes contratuais para a provisão de infraestrutura adequada pelos municípios brasileiros.

 


[1] V. ABCIP. Associação Brasileira de Concessionárias de Iluminação Pública. Contratos e projetos – atualização até agosto/2023 para o Fórum Nacional de Iluminação Pública. Disponível em: <https://www.associacaoabcip.com.br/_files/ugd/9d5550_a3a06a0902044754a565f4e112d894e5.pdf>.

[2] Cf. ABCIP. Associação Brasileira de Concessionárias de Iluminação Pública. Contratos e projetos – atualização até agosto/2023 para o Fórum Nacional de Iluminação Pública. Disponível em: <https://www.associacaoabcip.com.br/_files/ugd/9d5550_a3a06a0902044754a565f4e112d894e5.pdf>.

[3] V. ABDIB. Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base. Guia de boas práticas em PPP de Iluminação Pública. Disponível em: < https://www.abdib.org.br/wp-content/uploads/2019/06/guia_IP_A4_junho.pdf>.

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