Advertido pelo STJ, TJ-SP critica 'lógica do tudo ou nada' dos precedentes
23 de junho de 2024, 15h49
Para a Seção criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a formação de um sistema brasileiro de precedentes não pode padronizar decisões judiciais e, de forma indevida, submetê-las à lógica do tudo ou nada.

TJ-SP desobedeceu tese e violou jurisprudência do STJ no mesmo acórdão
A crítica foi feita em nota do presidente da seção, desembargador Camargo Aranha Filho, depois de uma advertência ao tribunal feita em decisão monocrática no Superior Tribunal de Justiça pelo desembargador convocado, Jesuíno Rissato.
Camargo Aranha Filho diz na nota que, não raras vezes, as situações do processo penal demandam soluções especialmente adequadas para cada caso concreto e defendeu o respeito à liberdade para cada magistrado de decidir conforme sua livre convicção motivada.
“Não se pode perder de vista que a formação de um sistema brasileiro de precedentes não pode pretender padronizar decisões judiciais e, indevidamente, submetê-las à lógica do tudo ou nada”, disse.
“O necessário e crescente aperfeiçoamento de um sistema de precedentes não pode servir, em absoluto, ao confisco da atividade hermenêutico-concretizadora jurisdicional”, acrescentou o presidente da Seção de Direito Criminal do TJ-SP.
Jurisprudência
A advertência foi feita no HC 913.210, em que o desembargador convocado Jesuíno Rissato concedeu a ordem para aplicar o redutor de pena do tráfico privilegiado a um homem condenado por tráfico de drogas.
O benefício, previsto no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Drogas, foi refutado em acórdão do TJ-SP porque o réu respondia a outra ação por tráfico e devido à elevada quantidade de drogas que trazia consigo.
Ambas as justificativas do tribunal paulista confrontam com a jurisprudência do STJ. A corte superior tem tese vinculante, no Tema 1.139, que veda a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do redutor de pena.
Também tem posição firme no sentido de que a quantidade de drogas apreendida só serve para modular a fração de redução da pena na terceira fase da dosimetria, desde que não tenham sido considerada para aumentar a pena-base.
Rissato, que é desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, incluiu no último parágrafo: “advirto ao Tribunal estadual que os citados precedentes qualificados e jurisprudência do STJ – principalmente o Tema 1139 – estão sendo descumpridos”.
A postura, segundo o magistrado, “prejudica a prestação jurisdicional, que deve ser justa e igual para todos os jurisdicionados”.
De novo
Essa é apenas mais uma nota de resposta às diversas advertências públicas feitas por integrantes do STJ à seção criminal do TJ-SP. A última delas ocorreu em fevereiro de 2023.
Maior tribunal do país, no estado com o maior número de processos, o TJ-SP tem um histórico de desrespeito à jurisprudência vinculante das cortes superiores.
A renitência é tamanha que, em setembro de 2020, a mesma 6ª Turma do STJ, em acórdão relatado pelo ministro Schietti, concedeu Habeas Corpus coletivo com a determinação de proibir o TJ-SP de fixar regime inicial fechado para pequenos traficantes – aqueles agraciados com o redutor de pena do artigo 33, parágrafo 4º da Lei de Drogas.
A ordem foi depois suspensa por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião do julgamento, a 6ª Turma foi marcado por críticas à atuação da corte paulista e reverberou outra manifestação da presidência da Seção Criminal do TJ-SP.
Foi o artigo Ainda há juízes em São Paulo, do desembargador Guilherme Strenger, publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico como resposta às críticas feitas por ministros da 6ª Turma do STJ em agosto de 2020. Naquele mesmo ano, o ministro Rogerio Schietti apontou que a corte paulista tentava “medir forças” com tribunais superiores.
E em 2018, o então presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, repreendeu publicamente o TJ-SP pelo fato de a corte paulista desrespeitar sistematicamente súmulas do STJ e não conceder Habeas Corpus. A bronca ocorreu em evento organizado pela ConJur para debater os 30 anos da Constituição.
Leia na íntegra a nota do TJ-SP
Nota da Presidência da Seção de Direito Criminal.
À vista da observação recentemente lançada pelo Eminente Ministro Jesuíno Rissato, Desembargador convocado, por ocasião de decisão monocrática no Habeas Corpus 913210-SP, proferida no último dia 10 de junho, nos advertindo que os precedentes qualificados e a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça estão sendo descumpridos por este Egrégio Tribunal de Justiça, a Presidência desta Seção de Direito Criminal, respeitosamente, discorda dessa constatação que deve ser examinada com cautela.
À evidência, não se ignora a necessidade de observância às posições jurisprudenciais consolidadas, em atenção aos princípios da isonomia e da segurança jurídica, importantíssimas ferramentas de nosso Estado Democrático de Direito, como tem sido reconhecido no plano constitucional, desde a Emenda 45/2004, com a criação das súmulas vinculantes, bem como na esfera legislativa, com significativas alterações na legislação processual, com o escopo de reduzir os níveis de uma indesejada insegurança jurídica.
Entretanto, não se pode perder de vista que a formação de um sistema brasileiro de precedentes não pode pretender padronizar decisões judiciais e, indevidamente, submetê-las à lógica do tudo ou nada, porque não raras as vezes, as multifacetadas situações do processo demandam soluções especialmente adequadas às vicissitudes fático-jurídicas de cada caso.
A intangibilidade do espaço de liberdade atribuído a cada Magistrado de decidir de acordo com sua livre convicção motivada a partir dos elementos circundantes do caso deve ser observada, não apenas como garantia de sua independência funcional, mas sobretudo como valioso instrumento de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais.
O necessário e crescente aperfeiçoamento de um sistema de precedentes não pode servir, em absoluto, ao confisco da atividade hermenêutico-concretizadora jurisdicional.
ADALBERTO JOSÉ QUEIROZ TELLES DE CAMARGO ARANHA FILHO
Presidente da Seção de Direito Criminal
Clique aqui para ler a decisão monocrática
HC 913.210
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