Lei 14.879 é muito oportuna para coibir eleições aleatórias de foro
18 de junho de 2024, 17h21
Imaginem a seguinte situação: uma pessoa natural, residente e domiciliada na capital paulista, resolve alugar um imóvel por temporada situado em Búzios (RJ), de outra pessoa natural, residente e domiciliada, por sua vez, em Brasília. Esse negócio jurídico, sem qualquer vício formal ou de consentimento, estabelece que o foro adequado para dirimir qualquer situação decorrente dessa locação é o da Justiça Cível Comum de Porto Velho, em Rondônia. Aos olhos de qualquer leitor minimamente atento, essa estapafúrdia cláusula contratual soaria non sense.

Contudo, como o sistema jurídico permite até que clubes que não disputaram campeonatos de futebol sejam reconhecidos como campeões (contém ironia e na torcida para que os amigos de Pernambuco não estejam entre os leitores deste ensaio), devo alertá-los de que o Código de Processo Civil permitia até pouquíssimo tempo o exemplo acima.
Digo “pouquíssimo tempo” justamente porque a Lei nº 14.879/24, publicada em 4 de junho de 2024, com vigência imediata, reformou o Código de Processo Civil no sentido de criar limitações ao uso abusivo de cláusula de foro, impedindo que “contratantes” pudessem escolher um determinado juízo de maneira absolutamente aleatória e sem qualquer relação fática com o potencial objeto litigioso ou até mesmo a residência e o domicílio judicial das partes.
Sejamos justos, julgados recentes tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça já buscavam uma interpretação mais racional do artigo 63 do Código de Processo Civil e até abrandavam a incidência do verbete de Súmula 335 do STF, que dispõe que “é válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato”, para permitir que, em casos de abusividade, a eleição de foro em completa desatenção aos elementos básicos da demanda pudesse ser mitigada. Afinal de contas, o negócio jurídico processual abraçado pelo Código de Processo Civil não pode ser desvirtuado para burlar o princípio constitucional do juiz natural.
Pertinência

A Lei nº 14.879/24 introduziu, como parágrafo primeiro do artigo 63 do Código de Processo Civil, norma expressa afirmando que “a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor”.
Já o parágrafo quinto do artigo 63 do CPC, após a recente reforma, permite o acolhimento de ofício da abusividade da cláusula de foro, sem que haja necessidade de alegação pelas partes envolvidas no processo. Resta confirmado que “o ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício”.
Em tempo de juízo 100% digital e por conta da cada vez menos exigida presencialidade em atos processuais, a Lei 14.879/2024 é muito oportuna para coibir eleições aleatórias de foro de julgamento, que, numa análise macro, poderiam minar a logística do atendimento do Poder Judiciário aos jurisdicionados.
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