Convenção da Haia sobre citação como mecanismo de cooperação jurídica internacional
13 de junho de 2024, 7h01
A cooperação jurídica internacional ganhou notável prestígio dentro do Código de Processo Civil de 2015. Nesse aspecto, a cooperação internacional ressona no princípio da cooperação, estabelecido pelo artigo 6º do CPC, que é alçado a norma fundamental do processo civil. E dentro da cooperação internacional, incluem-se os mecanismos de citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial (artigo 27, I, CPC). Dentro desse âmbito, um dos instrumentos mais proeminentes é a Convenção da Haia sobre citação.

A Convenção Relativa à Citação, Intimação e Notificação no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial (Convenção da Haia sobre Citação), assinada na Haia em 15 de novembro de 1965. A convenção teve seu texto aprovado pelo Congresso em 19 de dezembro de 2016 e foi promulgada no Brasil pelo Decreto 9.734 em 20 de março de 2019 — entrando em vigor em 1º de junho daquele ano.
Apesar da aprovação pelo Congresso em 2016, o instrumento de adesão do Brasil à Convenção da Haia sobre citação só foi depositado perante o Ministério dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos em 29 de novembro de 2018. A delonga pode ser atribuída tanto a outras prioridades na pauta do Congresso à época, quanto aos extensivos trâmites necessários à incorporação dos atos internacionais à legislação brasileira.
Dentre as 37 convenções decorrentes da Conferência da Haia, a Convenção da Haia sobre citação foi a sétima — e última — das convenções incorporadas pelo Brasil. A primeira convenção a que trata dos aspectos civis do sequestro internacional de crianças (Decreto 3.413/00) e a segunda mais recente, sobre a cobrança internacional de alimentos em benefício dos filhos e de outros membros da família e o respectivo protocolo sobre a lei aplicável (Decreto 9.176/17).
Nesse contexto, a promulgação do texto da Convenção da Haia sobre citação implica em avanço considerável para as relações internacionais do Brasil e se presta a fomentar a cooperação jurídica em matéria civil e comercial entre os países envolvidos, na medida em que não só implementa um mecanismo ágil e predeterminado, como também garante o direito de defesa do citado, intimado ou notificado perante a Justiça do Estado de origem.
Das citações, intimações e notificações no Brasil ante as premissas do Decreto 9.734/19
Antes da vigência do Decreto 9.734/19, as citações, intimações e notificações no Brasil se davam a partir da expedição de cartas rogatórias ou por ditames específicos estabelecidos nos acordos jurídicos bilaterais de cooperação jurídica internacional, sendo certo que os burocráticos trâmites e a numerosidade de desdobramentos a depender do país envolvido tornavam o procedimento não só árduo, como também demorado e dispendioso.
A promulgação do texto da Convenção da Haia sobre citação, portanto, buscou simplificar e facilitar tais pedidos, de modo a aperfeiçoar a cooperação jurídica internacional em matéria civil e comercial entre os mais de 80 estados que aderiram a ela, na medida em que prevê a adoção de um formulário padrão obrigatório e a tramitação direta entre as autoridades centrais de cada país, eliminando a necessidade de encaminhamento pela via diplomática.
No Brasil, o papel de Autoridade Central para a Convenção da Haia sobre Citação foi conferido ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, de modo que ficou dispensada a tramitação adicional pelo Ministério da Relações Exteriores. Já o formulário padrão foi adotado em versão trilíngue — português, inglês e francês — e contém todos os dados e informações necessários para ensejar o cumprimento do expediente pretendido.
Ante as estatísticas prévias — apontando que o não cumprimento de pedidos de cooperação jurídica internacional em matéria civil se deve, majoritariamente, por conta da indicação de endereços desatualizados, incompletos ou inexistentes —, a Convenção da Haia sobre citação prevê a necessidade de que o endereço completo e atualizado no exterior do destinatário da comunicação processual seja informado no referido formulário, de modo que não é possível enviar pedidos sem endereço certo para a comunicação do ato (artigo 1º da convenção).
Anexo à Convenção da Haia sobre citação, o formulário substitui, nesse aspecto, a carta rogatória e deve ser assinado pela autoridade judiciária competente, de modo que é precisamente o uso desse mesmo documento por todos os países signatários da convenção que torna o instrumento facilmente reconhecível e o procedimento ainda mais célere.
Além disso, a padronização dos termos constantes do formulário dispensa sua tradução, mas ainda acaba sendo necessário traduzir os pedidos feitos pelas autoridades judiciais brasileiras competentes, assim como dos documentos que os acompanham para o idioma do país rogado (artigo 5, §3º e artigo 7, §2º).
E o contrário também é válido para os pedidos recebidos pelo Brasil, na medida em que o Decreto 9.734/2019 estabelece que “os documentos que serão objeto serão objeto de citação, intimação e notificação transmitidos à autoridade central deverão ser acompanhados de tradução para a língua portuguesa” (artigo 2º da Convenção).
Inobstante a pretensão de uniformização, a Convenção da Haia sobre citação também privilegia a compatibilidade de seus dispositivos com outras normas de origem nacional ou convencional (artigos 19 e 25 da Convenção), porquanto preconiza que as partes podem se negar a aplicar algumas disposições. Diante disso, a adesão do Brasil se concretizou com reservas aos artigos 8 e 10, opondo-se o país ao uso dos métodos de transmissão de documentos judiciais e extrajudiciais previstos naqueles dispositivos.
Na prática, o Brasil se opôs ao estabelecimento de autonomia dos estados contratantes para mandarem proceder às citações, intimações ou notificações de documentos judiciais em território brasileiro por meio de seus representantes diplomáticos ou consulares, sem qualquer tipo de coação, exceto se destinadas a cidadão do Estado de origem dos documentos (artigo 8º da Convenção). E na condição de Estado destinatário, o Brasil também se opôs à:
“a) autonomia de remeter documentos judiciais, por via postal, diretamente a pessoas que se encontrem no estrangeiro;
b) autonomia de os agentes do judiciário, autoridades ou outras pessoas competentes do Estado de origem promoverem as citações, intimações ou notificações de documentos judiciais diretamente por meio de agente do judiciário, autoridades ou outras pessoas competentes do Estado de destino; e
c) autonomia de qualquer pessoa interessada em um processo promover as citações, intimações ou notificações de documentos judiciais diretamente por meio de agentes do judiciário, autoridades ou outras pessoas competentes do Estado de destino.”
O cecreto, portanto, implica avanço considerável para as relações internacionais do país, na medida em que os países que antes não aceitavam pedidos judiciais brasileiros por falta de base jurídica para a cooperação internacional, agora podem se utilizar do Decreto 9.734/19 para acatar a comunicação dos atos processuais oriundos da Justiça Brasileira.
Da conveniência da adoção das citações, intimações e notificações com base na Convenção da Haia sobre citação
De outro lado, veja-se para aqueles países com os quais está vigente mais de um tratado que permite a comunicação de atos processuais, pode-se adotar a alternativa mais conveniente para a situação concreta – e que, a bem da verdade, nem sempre consiste naquela constante da Convenção da Haia sobre citação. Apesar de o texto promulgado pelo Decreto 9.734/19 ter como premissa simplificar e padronizar os procedimentos para a tramitação dos pedidos de cooperação jurídica internacional, nem sempre isso se mostra mais vantajoso na prática.
Com efeito, há países que cobram pela tramitação dos pedidos relativos à citação, à intimação ou notificação de partes pela Convenção da Haia sobre Citação, mas dispensam a cobrança com base em outros tratados vigentes. É o caso dos Estados Unidos, que isentam o Estado estrangeiro de custos quando os pedidos são enviados por meio da Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias (Decreto 1.889/1996), nos formulários previstos no seu Protocolo Adicional (Decreto 2.022/1996).

Além disso, cumpre pontuar que a própria Convenção da Haia sobre citação estabelece que “se o documento se destinar a citação, intimação ou notificação nos termos do disposto no primeiro parágrafo deste artigo, a Autoridade Central poderá exigir que o documento seja redigido ou traduzido no idioma oficial ou em um dos idiomas oficiais do Estado requerido” (artigo 5º), contudo, os requisitos de tradução podem ser diferidos no âmbito dos acordos bilaterais.
A título exemplificativo, a Espanha dispensa a tradução dos documentos quando tramitados nos termos do artigo 4º do Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha (Decreto 166/1991), o que não é dispensado pela Convenção da Haia sobre citação. A rigor, o acordo bilateral prevê a utilização de formulário com campos nos idiomas oficiais de ambos os estados cooperantes para comunicação de atos processuais, desobrigando a tradução das informações inseridas e dos documentos anexados à solicitação.
Nos pedidos que envolvem a China, por sua vez, o artigo 9º do Tratado sobre Auxílio Judicial em Matéria Civil e Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China (Decreto 8.430/2015), estabelece que “a Autoridade Central de qualquer das Partes poderá usar seu idioma oficial acompanhado de tradução para a língua inglesa em suas comunicações escritas”, ao passo em que aqueles que tramitam sob a Convenção da Haia sobre citação necessariamente devem ser acompanhados dos documentos traduzidos para o mandarim ou para o português.
A possibilidade do uso do inglês, língua franca global, como ponto de convergência para os pedidos de cooperação jurídica entre os dois países, dispensando-se o uso dos idiomas oficiais, decerto vem a facilitar os trâmites relativos aos procedimentos de citação, intimação e notificação entre os países.
Conclusão
A promulgação do texto da Convenção da Haia sobre citação pelo Decreto 9.734/2019 tem como objetivo principal simplificar e facilitar a citação, intimação ou notificação no exterior, por exemplo, de partes processuais, testemunhas ou peritos entre os estados contratantes, eis que busca uniformizar os procedimentos relativos a tais pedidos e, com isso, difundir um mecanismo que venha a levar os documentos judiciais e extrajudiciais com esse propósito ao conhecimento do destinatário em tempo hábil.
Conquanto a Convenção da Haia sobre citação represente importante avanço aos pedidos de cooperação jurídica internacional, é também necessário pontuar que outros acordos bilaterais ou convenções que já estavam vigentes podem oferecer melhores condições para executar o mesmo objetivo, de modo que é importante verificar qual é o instrumento mais indicado para a comunicação de atos processuais com determinado país.
De todo modo, fato é que a Convenção da Haia sobre citação abriu caminhos para agilizar as citações, intimações e notificações de documentos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial no estrangeiro, mormente em relação àqueles países que antes não aceitavam os pedidos de cooperação jurídica internacional por falta de base jurídica, vindo a tornar muito mais célere os processos judiciais e a tramitação de documentos extrajudiciais na praxe jurídica.
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