Tribunal não pode escolher julgar IRDR sem caso concreto vinculado
6 de junho de 2024, 14h31
No incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), a regra é a participação das partes dos processos selecionados como representativos da controvérsia. Logo, o tribunal não pode escolher determinadas questões de direito para definir tese de forma desvinculada.

Para Herman Benjamin, IRDR não pode dar origem a uma “Justiça de cidadãos sem rosto e sem fala”
Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou o julgamento e a fixação de uma tese pelo Tribunal de Justiça do Amapá relacionada a adicional de insalubridade para servidores estaduais.
A lógica aplicada pelo STJ foi a mesma que levou a anular o julgamento que fixou indenização por danos morais de R$ 2,3 mil para as vítimas do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), que tiveram problemas com fornecimento de água.
Em ambos os casos, os tribunais que julgaram o IRDR deliberadamente fixaram tese sem resolver casos concretos, em procedimento chamado de causa-modelo.
Esse incidente, criado pelo Código de Processo Civil de 2015 para permitir às cortes de segunda instância a uniformização de questões locais, adota o sistema da causa-piloto: o tribunal seleciona processos paradigmáticos e define uma posição, que será replicada aos demais processos.
Relator do recurso especial na 2ª Turma, o ministro Herman Benjamin destacou que adoção da sistemática da causa-modelo não é de livre escolha do tribunal. Ela só é permitida em duas hipóteses:
1) Quando houver desistência das partes que tiveram seus processos selecionados como representativos da controvérsia (artigo 976, parágrafo 1º do CPC);
2) Quando se tratar de pedido de revisão da tese jurídica fixada no IRDR, o qual equivaleria ao pedido de instauração do incidente (artigo 986 do CPC).
“A participação dos autores das ações repetitivas constitui o núcleo duro do princípio do contraditório no julgamento do IRDR. É o mínimo que se deve exigir para garantir a observância ao devido processo legal, sem prejuízo da participação de outros atores relevantes, como o Ministério Público e os amici curiae”, disse.
Para ele, esse ponto é ainda mais importante no IRDR do que nas ações coletivas, já que, nestas, o julgamento de improcedência não prejudica todos os possíveis beneficiários. No IRDR, por outro lado, a decisão desfavorável será a todos aplicada.
Segundo o ministro Herman Benjamin, a lei impõe a efetiva participação, no mínimo, daqueles que tiveram seus processos indicados como causas representativas da controvérsia. “O IRDR não pode ser interpretado de forma a dar origem a uma espécie de “Justiça de cidadãos sem rosto e sem fala”.
Admissibilidade do recurso
Para julgar o recurso especial e anular a decisão do TJ-AP, a 2ª Turma do STJ precisou fazer um distinguishing — uma distinção, para não aplicar um precedente — em relação a como o tema vem sendo tratado pela Corte Especial do tribunal.
Em 2022, ficou definido que não cabe recurso especial contra o IRDR que fixa tese jurídica em abstrato em julgamento de IRDR, por ausência do requisito constitucional de cabimento de “causa decidida”.
Aquele precedente tratou dos casos em que o tribunal admite um IRDR com causas-piloto, mas decide julgar a tese em abstrato porque houve desistência das partes.
Já no recurso especial julgado pela 2ª Turma, o recorrente não atacou a tese fixada pelo IRDR do TJ-AP, mas, sim, a própria admissibilidade e a aplicação das regras processuais que envolvem o instituto do IRDR.
“Não haverá outra oportunidade para que as alegações da parte recorrente cheguem ao STJ. Publicada a tese, os casos concretos serão solucionados de acordo com ela, sem possibilidade de novo debate acerca da higidez da decisão do IRDR, que já terá transitado em julgado”, avaliou o relator ao admitir o recurso especial.
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REsp 2.023.892
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