ALIMENTAR X ALIMENTÍCIO

Decisão do STJ contra penhora de salário para honorários se baseia em distinção contestada

Autor

6 de junho de 2024, 18h16

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta quarta-feira (5/6), em julgamento de recursos repetitivos, que o pagamento de honorários de sucumbência não justifica a penhora de salário do devedor. No entanto, parte dos processualistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre essa decisão entende que o STJ se baseou em uma distinção equivocada entre os conceitos de verba alimentar e prestação alimentícia.

Para maioria do STJ, honorários de sucumbência são verba alimentar, mas não são prestação alimentícia

Os honorários de sucumbência são aqueles devidos pela parte perdedora de um processo aos advogados da parte vencedora. Ao inviabilizar a possibilidade automática de penhora do salário de alguém para pagamento desses honorários, a Corte Especial confirmou sua própria posição, estabelecida em 2020.

Por princípio, salários não podem ser penhorados. No entanto, o parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil autoriza a penhora de salário para pagamento de “prestação alimentícia”. E os ministros da Corte Especial do STJ entenderam que os honorários de sucumbência não se enquadram nesse conceito.

O colegiado reconheceu que os honorários são verbas de natureza alimentar (ou seja, destinadas a prover o sustento do advogado), mas não configuram prestação alimentícia. Na interpretação dos magistrados, tais conceitos são diferentes, pois a prestação alimentícia se restringe a alimentos decorrentes de vínculo familiar, como a pensão alimentícia.

Como o parágrafo 2º do artigo 833 do CPC fala em prestações alimentícias, e não em verbas alimentares, o STJ decidiu que a exceção não vale para os honorários sucumbenciais.

Jogo de palavras

O advogado José Rogério Cruz e Tucci, professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), afirma que essa distinção feita pelo STJ não passa de um “jogo de palavras” e de uma justificativa “artificial”.

Em 2020, quando a Corte Especial analisou a questão pela primeira vez, Tucci criticou o posicionamento do colegiado em texto na sua coluna na ConJur.

Na ocasião, ele explicou que o CPC “não faz qualquer distinção quanto à natureza da prestação ou verba alimentar que viabiliza a constrição sobre salários”. Para ele, o STJ não poderia ter feito uma distinção que não está na lei.

Com isso, em sua visão, a corte decidiu que os honorários são “de segunda classe” e violou a Súmula Vinculante 47 do Supremo Tribunal Federal — segundo a qual todos os honorários são “verba de natureza alimentar”.

Embora isso tenha se mantido na decisão mais recente e Tucci não esteja de acordo com o entendimento dos ministros, ele ressalta que a fundamentação do colegiado “melhorou” em comparação com a anterior e agora “tem razoabilidade”, já que a discussão foi levada para “um plano ético”.

No julgamento desta quarta, os ministros mencionaram, por exemplo, que permitir a penhora de salário para pagar honorários seria equivalente a resolver o problema criando outro.

Não faz sentido

Outro ponto levantado foi que a eventual abertura dessa exceção aos advogados precisaria ser estendida a outros profissionais liberais, como médicos, dentistas, engenheiros e contadores.

De acordo com o advogado Rogerio Licastro Torres de Mello, professor de Direito Processual Civil da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), o STJ fez a distinção como se “verba de natureza alimentar” fosse um conceito mais amplo, justamente para excluir os honorários do conceito mais restrito de “prestação alimentícia”.

Na sua opinião, essa distinção “não faz sentido” porque prestação alimentícia significa “qualquer espécie de pagamento remuneratório que tem a ver com a subsistência do credor” — o que inclui não só pensões alimentícias, mas também honorários advocatícios e salários.

Para Licastro, é preciso “retirar essa impressão de que todo profissional liberal necessariamente é um autônomo extremamente bem-remunerado, com grande potencial financeiro”.

Na percepção do advogado, o Judiciário enxerga profissionais do tipo sempre como “sobejamente ricos” e “abastados”, o que “não é o caso”.

Pressuposto equivocado

O advogado José Miguel Garcia Medina, doutor e mestre em Direito Processual Civil, diz que “não se pode partir do pressuposto de que os honorários sucumbenciais são sempre quantias vultosas devidas a grandes bancas de advocacia”.

Segundo ele, em boa parte dos casos, os honorários “têm efetiva natureza alimentar”, pois o advogado os recebe “para a sua subsistência”.

Medina teme que os advogados não consigam receber honorários sucumbenciais, por exemplo, de R$ 5 mil contra um devedor que tenha remuneração alta ou mais de 40 salários mínimos aplicados em poupança.

Por outro lado, Tiago Asfor Rocha Lima, doutor em Direito Processual pela USP, afirma que a distinção feita pelo STJ, embora não esteja prevista na lei, é “doutrinária”.

Segundo essa linha de pensamento, a prestação alimentícia é a única ou principal remuneração de subsistência da pessoa ou de sua família. Já a verba alimentar também tem essa função, mas se soma a outras verbas.

Ele reconhece que a distinção existe, embora ressalte que, em alguns casos, a prestação alimentícia pode ser alta e até mesmo superior a uma verba alimentar.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!