PODERES SEPARADOS

Constituição não proíbe parentes nas chefias de Executivo e Legislativo, diz STF

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5 de junho de 2024, 18h54

O Judiciário não pode atuar como poder constituinte, limitando direitos fundamentais de candidatos a cargos eletivos e criando novas hipóteses de inelegibilidade.

Maioria acompanhou o voto da ministra Cármen Lúcia, relatora do caso

Esse entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que nesta quarta-feira (5/6) rejeitou um pedido para proibir que parentes de até segundo grau ocupem, simultaneamente, as chefias dos Poderes Legislativo e Executivo de uma unidade federativa.

Prevaleceu o voto da relatora da matéria, ministra Cármen Lúcia. Ela foi acompanhada pelos ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. A divergência aberta pelo ministro Flávio Dino foi seguida pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin e Dias Toffoli.

A ação analisada foi proposta pelo PSB. Segundo a legenda, é cada vez mais comum, em especial nos municípios, que familiares chefiem ao mesmo tempo o Executivo e o Legislativo, o que violaria o princípio da separação dos poderes.

Voto da relatora

Segundo Cármen Lúcia, os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral são no sentido de que não pode haver inelegibilidade em situações não previstas pela legislação. E o próprio STF já decidiu, em 2006, que as normas sobre inelegibilidade “são de natureza estrita, não cabendo interpretá-las a ponto de apanhar situações jurídicas nelas não contidas”. A ideia é que, em caso de dúvida, deve sempre prevalecer a interpretação que menos restrinja o direito fundamental em debate — no caso, a elegibilidade.

“As normas que versam sobre a inelegibilidade são de natureza estrita, não cabendo interpretá-las a ponto de apanhar situações jurídicas nelas não contidas. O partido autor pleiteia estender-se a restrição posta no dispositivo constitucional a situações não previstas pelo constituinte originário, o que, pelas razões antes expostas, não pode ser acolhido”, disse a relatora em seu voto.

Ainda segundo ela, embora a Constituição, em seu artigo 14, parágrafo 7º, estabeleça hipóteses de inelegibilidade por parentesco, não há a proibição de que parentes ocupem simultaneamente as chefias do Executivo e do Legislativo.

“O que pretende o autor é a fixação por este Supremo Tribunal de tese abstrata que importaria em estatuição de novos requisitos para um parlamentar poder assumir a presidência de Casa Legislativa. Mais que atuar como legislador, o que se pleiteia é que avance o Judiciário como poder constituinte, limitando direitos fundamentais de eventuais candidatos aos cargos eletivos descritos”, prosseguiu a relatora.

A ministra, no entanto, incluiu no seu voto sugestão feita pelo ministro Cristiano Zanin de que, se demonstradas irregularidades envolvendo a atuação de familiares nos cargos de chefia, o Judiciário pode ser provocado e analisar, caso a caso, eventuais impedimentos.

Divergência

Flávio Dino divergiu da relatora. Para ele, permitir que parentes chefiem simultaneamente o Executivo e o Legislativo pode levar à criação e à permanência de oligarquias políticas. Segundo ele, esse tipo de “poder familiar” fere a Constituição.

Flávio Dino abriu divergência no julgamento, mas ficou vencido

“Considero que é nítida a determinação do constituinte de que não haja a formação de oligarquias familiares no país. O exercício concomitante, por parentes, na chefia do Executivo e Legislativo conduz a que tenhamos, na minha visão, uma vulneração do princípio da independência.”

Ainda segundo o ministro, embora as casas legislativas sejam colegiadas, o poder do chefe do Legislativo é grande e, em alguns casos, monocrático. “O fato de haver um colegiado não significa haver o fechamento de espaço a eventuais abusos.”

O ministro propôs a seguinte tese: “O cônjuge, companheiro e os parentes consanguíneos e afins, até o segundo grau por adoção, do chefe do Poder Executivo, ficam impedidos de ocupar o cargo de chefe do Poder Legislativo do mesmo ente federativo em respeito ao princípio da separação de poderes.”

A ação

O PSB questionou o parentesco no Legislativo e no Executivo via arguição de descumprimento de preceito fundamental. Segundo a legenda, tem sido cada vez mais comum, especialmente nos municípios, que pai e filho ocupem, ao mesmo tempo, a presidência da casa legislativa e o comando do Executivo local.

A ideia do partido era evitar, por exemplo, que o presidente de uma Câmara Municipal seja filho do prefeito da cidade, ou que o presidente de uma Assembleia Legislativa seja cônjuge do governador.

A agremiação mencionou até mesmo a situação hipotética de um parente próximo do presidente da República se tornar presidente da Câmara ou do Senado (e vice-versa).

O pedido se baseou no parágrafo 7º do artigo 14 da Constituição, que prevê a chamada “inelegibilidade por parentesco”. Conforme o dispositivo, o cônjuge e os parentes próximos (inclusive por adoção) do presidente da República, do governador e do prefeito são inelegíveis no respectivo território de jurisdição, a menos que já sejam titulares de mandatos eletivos e candidatos à reeleição.

Ou seja, uma pessoa não pode se candidatar se seu cônjuge ou parente próximo (até o segundo grau, na lógica do Código Civil) ocupar o cargo de chefe do Executivo.

A intenção do PSB era aplicar essa regra também para impedir cônjuges, companheiros e parentes próximos do chefe do Executivo de disputar a presidência do Legislativo do mesmo ente federativo.

De acordo com a sigla, o domínio de uma família em dois poderes compromete a moralidade e a impessoalidade da administração pública e afeta a fiscalização das ações e das contas do Executivo. “É inimaginável que o filho aceitaria um pedido de impeachment contra o próprio pai”, exemplificou.

O partido também pediu que o STF concedesse liminar para suspender as eleições dos presidentes da Assembleia Legislativa de Tocantins e das Câmaras Municipais de Cornélio Procópio (PR) e Ji-Paraná (RO) no período entre 2025 e 2026.

ADPF 1.089

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