Improcedência liminar do pedido no processo administrativo tributário
4 de junho de 2024, 20h57
A improcedência liminar do pedido é uma técnica prevista no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que foi estabelecida pelo legislador federal, com o fito de efetivar a rápida prestação jurisdicional e diminuir a quantidade de processos que tramitam perante o Poder Judiciário.
Neste contexto, quando a demanda tratar de questão de direito (e dispensar fase instrutória), o artigo 332, do CPC, determina ao magistrado julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar “enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência ou enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local, bem como quando se tratar de prescrição ou decadência”.
Não obstante a citada lei instrumental instituir um conjunto de atos, que serão praticados por meio de procedimentos específicos, tendentes a alcançar a sentença (os quais prolongam a duração do processo), a lide poderá ser resolvida de forma rápida e eficaz, quando a questão debatida dispensar a fase probatória e se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no aludido artigo 332, do CPC.
Assim, vale ilustrar que o pedido será liminarmente julgado improcedente pelo magistrado, quando, v.g., o promitente-comprador de imóvel residencial transcrito em nome de autarquia (que desfrute de imunidade tributária) pretenda se escusar — perante o Poder Judiciário — de pagar o imposto predial territorial urbano, já que esse desiderato contraria o enunciado da Súmula 583, do STF e se enquadra em um dos enunciados que constam no Codex.
Aplicação no âmbito do processo administrativo tributário
A questão agora é saber se essa técnica de julgamento liminar de improcedência do pedido, vertida pelo CPC, poderá ser utilizada no curso do processo administrativo tributário, em prejuízo do sujeito ativo (fisco) ou do sujeito passivo (contribuinte), quando os seus pedidos esbarrarem em alguma das proibições encartadas no artigo 332, do CPC?
Vejamos!
O primeiro ponto a ser destacado é que o Código de Processo Civil tem aplicação supletiva (para completar) e subsidiária (acessória) ao processo administrativo tributário, por força do preceito que consta no seu artigo 15, in litteris: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Porém, adverte-se, que a leitura despercebida deste artigo poderá levar à conclusão — um tanto precipitada — de que seria possível aplicar todas as regas do CPC no âmbito do processo administrativo tributário. Mas não é bem assim!
Torna-se mister observar, que o processo administrativo tem como objeto o Direito Tributário, o qual, por força do artigo 146, III, da CF/88, deverá ser regulado por lei complementar. Neste espeque, sobressai que o CPC foi instituído por lei ordinária, a qual difere da lei complementar, já que esta depende de quórum qualificado para ser aprovada, enquanto aquela de maioria simples – conforme preceituam os artigos 69 e 47, da Constituição de 1988.
Acrescente-se outro impeditivo capaz de inibir a “livre e indistinta aplicação do CPC a todo e qualquer processo administrativo tributário”, especialmente quando forem instituídos pelos demais entes federados: os estados, o Distrito Federal e os municípios. É que estes podem dispor sobre as suas próprias “normas de direito tributário processual”, por força da repartição de competência, estabelecida pelos artigos 24, I, §§ 1º a 4º, e 146, III, ambos da CF/88.
Pois bem! Pontuadas as aludidas premissas, resta apontar que as normas erigidas pelo Código de Processo Civil podem ser utilizadas, supletiva e subsidiariamente, para colmatar as eventuais lacunas existentes na lei federal que regula o processo administrativo, neste caso o Decreto 70.235/1972, já que ambas as legislações possuem status de lei ordinária federal e são aplicáveis à União, suas autarquias e fundações públicas.
Entendimento do Carf
Neste diapasão, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vem se posicionando pela aplicação subsidiária do CPC, no âmbito do processo administrativo tributário federal, conforme consta no Acórdão nº 1002-002.798, publicado no dia 11/05/2023, cuja ementa destaca ser do contribuinte o ônus de provar as suas alegações. Vejamos:
“ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO Ano-calendário: 2013 PER/DCOMP. SALDO NEGATIVO DE IRPJ/CSLL. “O ônus probatório do fato constitutivo do alegado direito creditório é do contribuinte, conforme art. 373, I, do CPC/2015, de aplicação subsidiária ao processo administrativo fiscal”.
Na mesma linha, o Acórdão nº 2402-011.129 do Carf, de 23/3/2023, donde se extrai a aplicação subsidiária do CPC, para validar recurso interposto antes da intimação e declarar a decadência do crédito tributário, vejamos: (1) “ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL (ITR) Exercício: 2008. RECURSO PREMATURO. ADMISSIBILIDADE. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS. […] “para dar provimento ao recurso voluntário interposto, reconhecendo que o crédito controvertido foi atingido pela decadência, com base no art. 173, inciso I, do CTN.”
Conclusão
Portanto, tratando-se de processo administrativo tributário que tramite no âmbito federal, sob a égide das normas encartadas no Decreto 70.235/72, nada obsta que o julgador aplique a técnica do julgamento improcedente liminar do pedido formulado por qualquer dos sujeitos, quando ele esbarrar nas hipóteses previstas no artigo 332, do CPC, utilizando, como fundamento, o artigo 15, do CPC, já que essa hipótese não está regulada pelo referido decreto, notadamente para conferir celeridade e efetividade às soluções dos conflitos existentes no âmbito administrativo federal, o que resultará na diminuição da quantidade de processos e economia para a União.
Referências
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