O § 6º do artigo 1.003 do CPC, na sua redação originária, assim dispunha: “o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”. Em caso de dúvida, deveria o relator determinar ao recorrente que juntasse a comprovação da tempestividade do recurso (CPC, artigo 932, parágrafo único).
Cabe ao recorrente comprovar a existência de feriado local no ato da interposição do recurso. Nesse caso, deveria ser possível a comprovação posterior, se o recorrente alegasse o feriado e afirmasse não ter tido condições de obter sua comprovação a tempo.
O parágrafo único do artigo 932 do CPC concretiza o princípio da primazia do julgamento do mérito (CPC, artigo 4º) e o da cooperação (CPC, artigo 6º). De acordo com tal dispositivo, o relator, antes de considerar inadmissível o recurso, concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. Trata-se da consagração de um dever geral de prevenção: o recurso defeituoso não pode deixar de ser conhecido, sem que antes seja determinada a correção do defeito. Desse parágrafo decorre o direito do recorrente à emenda do recurso.
O STJ, porém, considerou inaplicável o parágrafo único do artigo 932 do CPC, no caso de o recorrente não ter comprovado a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, nos termos do artigo 1.003, § 6º, do CPC; para o STJ, a partir do CPC-2015, não mais é possível a regularização posterior [1].
A Lei 14.939, de 30 de julho de 2024, alterou a redação do § 6º do artigo 1.003 do CPC, que passou assim a dispor: “O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, e, se não o fizer, o tribunal determinará a correção do vício formal, ou poderá desconsiderá-lo caso a informação já conste do processo eletrônico”.
A mudança legislativa, que já está em vigor, impacta diretamente no entendimento do STJ, ocorrendo o fenômeno chamado overriding: a mudança de orientação jurisprudencial a partir da mudança legislativa; o legislador atuou para alterar entendimento jurisprudencial.
A partir de agora, se o recorrente alegar a existência de feriado, mas não comprová-lo, o órgão julgador deve determinar sua intimação para corrigir o vício e apresentar a comprovação da ocorrência do feriado.
Tal mudança deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso.
Admissibilidade de recurso
É antiga a orientação segundo a qual “a lei em vigor ao ser proferida a decisão regulará o recurso” [2]. A admissibilidade do recurso rege-se pela lei em vigor ao tempo da decisão. Se a lei nova tratar do cabimento ou da admissibilidade do recurso, ela somente incide ao processo pendente se a decisão recorrida ainda não tiver sido proferida. Se já publicada pelo Juízo de primeira instância ou se, no tribunal, já anunciado o julgamento, aplica-se a lei antiga [3].
Por isso, a doutrina sustenta não ser possível aplicar a lei nova para convalidar ato consumado sem algum dos requisitos exigidos pela lei vigente à época da sua prática [4].
Tal discussão rigorosamente não se aplica aqui. É que o dispositivo não criou novo requisito de admissibilidade, nem eliminou exigência para a prática de ato processual. O que ele estabelece é a oportunidade para correção de vícios, evitando a inadmissibilidade do recurso.
As regras que permitem a correção de vícios hão de ser aplicadas imediatamente, pois não atingem ato jurídico perfeito, nem direito adquirido. Aliás, a correção do ato evita, muitas vezes, a extinção do processo ou a inadmissibilidade do recurso. O órgão julgador, ao decidir, já aplica a nova lei, permitindo que sejam corrigidos os vícios verificados em atos anteriormente praticados.
É exatamente por isso que o enunciado 574 do Fórum Permanente de Processualistas Civis assim orienta: “A identificação de vício processual após a entrada em vigor do CPC de 2015 gera para o juiz o dever de oportunizar a regularização do vício, ainda que ele seja anterior”. De igual modo, assim orienta o enunciado 424 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os parágrafos do art. 319 devem ser aplicados imediatamente, inclusive para as petições iniciais apresentadas na vigência do CPC-1973″.
Enfim, a mudança legislativa, que já está em vigor, aplica-se imediatamente aos processos em curso, a permitir que os tribunais intimem os recorrentes para que comprovem a ocorrência de feriados locais, a fim de se aferir a tempestividade dos recursos.
[1] STJ, 3ª Turma, AgInt no AREsp 1.011.031/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 5.5.2017; STJ, Corte Especial, AREsp 957.821/MS, rel. Min. Raul Araújo, rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 20.11.2017.
A Corte Especial do STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 1.813.684/SP, confirmou seu entendimento segundo o qual, a partir do CPC-2015, não se admite intimação da parte para comprovar posteriormente à interposição do recurso a ocorrência de feriado local. Em tal julgado, o STJ, porém, resolveu, corretamente, modular os efeitos para admitir essa possibilidade a casos anteriores à definição desse entendimento, pois sua orientação até então era de admitir a complementação do recurso para comprovação posterior do feriado. Assim, esse entendimento restritivo do STJ somente se aplica aos casos posteriores à sua fixação. Ainda segundo o STJ, “o dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da paixão e, também, o dia de Corpus Christi não são feriados nacionais, em razão de não haver previsão em lei federal, de modo que o dever da parte de comprovar a suspensão do expediente forense quando da interposição do recurso, por documento idôneo, não é elidido” (STJ, 3ª Turma, AgInt nos EDcl no REsp 2.006.859/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 15.2.2023).
[2] VALLADÃO, Haroldo. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974, v. 13, n. 24, p. 91.
[3] LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense, 1974, pp. 67-72. No mesmo sentido: ARMELIN, Donaldo. Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela Lei 9.756/98. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 9.756/98. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. NERY JR., Nelson (coords.). São Paulo: RT, 1999, p. 216; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª edição. São Paulo: RT, 2006, pp. 616-634.
[4] AMARAL, Guilherme Rizzo. Estudos de direito intertemporal e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, n. 2.2, p. 19-20.