Por uma efetiva participação social na formação da agenda das políticas regulatórias
30 de julho de 2024, 12h16
No processo de construção das políticas regulatórias, vive-se um paradoxo: a participação social se faz mais presente no momento em que ela é menos efetiva.
O mecanismo de participação mais adotado por agências reguladoras é a consulta pública de minutas de atos normativos, obrigatória para todas as agências reguladoras por força do artigo 9º da Lei nº 13.848/24, a Lei Geral das Agências (LGA). Levantamento feito pelo projeto Regulação em Números revela que, de 1997 a 2023, agências reguladoras federais realizaram 4.596 consultas públicas com esse propósito.
Um número muito inferior de mecanismos de participação, durante o mesmo período e para as mesmas agências, foi realizado em fases iniciais dos processos regulatórios. Apenas 596 mecanismos de participação — incluindo consultas públicas pré-normativas, tomadas de subsídios e consultas públicas sobre agendas regulatórias — foram realizados no momento em que a agência ainda não havia tomado a decisão sobre “o que” e “como” regular.
A ausência de participação social na formação da agenda é um problema
O baixo índice de participação social na formação da agenda das políticas regulatórias é preocupante, já que está mais do que comprovado que agências tendem a não mudar substancialmente de opinião depois de já terem redigido sua proposta normativa. Quaisquer mudanças originárias de mecanismos de participação social realizados após essa fase tenderão a ser incrementais.
O uso de mecanismos de participação social em estágios tardios do processo regulatório não é uma prática exclusivamente brasileira. A OCDE reconhece e rechaça essa prática, comum entre a maioria dos seus países membros. Em parte, isso ocorre porque muitos países, incluindo o Brasil, têm mimetizado a solução institucional do Administrative Procedure Act (APA) norte-americana, que obriga agências a consultar a população apenas quando a norma já tiver sido elaborada.
Mecanismos de participação social apropriados para a formação da agenda
Pesquisadores e reguladores têm buscado soluções para esse problema. Vem crescendo, neste sentido, uma literatura que defende a importância da participação social na formação da agenda das políticas regulatórias, entendida aqui como a fase inicial do ciclo da política regulatória. É na fase de construção da agenda que se definem os problemas sociais que merecerão intervenção regulatória e os valores que deverão nortear a fase seguinte, de formulação propriamente dita da política.

Agências reguladoras também estão atentas a isso e vêm adotando mecanismos de participação mais flexíveis e menos procedimentalizados para esses estágios iniciais de formação das políticas regulatórias. Pesquisa atualmente em curso no âmbito do projeto Regulação em Números está produzindo um inventário dos mecanismos de participação usualmente adotados pelas agências reguladoras federais brasileiras para a formação da agenda das políticas regulatórias. A tomada de subsídios é o mecanismo de participação mais usual entre as agências nessa fase, seguido de outros como consultas setoriais, consultas dirigidas, diálogos setoriais, reuniões participativas, reuniões técnicas, reuniões públicas com interessados, para além dos órgãos de assessoramento e de aconselhamento obrigatórios previstos em algumas leis setoriais.
Cuidados a serem tomados para uma efetiva participação social na formação da agenda
Embora essas iniciativas sejam muito louváveis e meritórias, cuidados precisarão ser tomados para que esses mecanismos de participação ofereçam efetivas oportunidades de para todas as partes diretamente afetadas por propostas de intervenção regulatória.
Por um lado, mecanismos de participação adotados na fase de formação da agenda tendem a ser mais flexíveis e menos engessados, proporcionando, para muitos, oportunidades para uma participação social mais efetiva.
Por outro, corre-se o risco de que mecanismos de participação menos procedimentalizados beneficiem apenas grupos de interesse mais mobilizados e articulados, alijando do processo regulatório outros grupos que, embora afetados pela regulação, revelem-se incapazes de transitar por ambientes informais e pouco transparentes.
Reguladores devem, portanto, redobrar os cuidados ao se utilizarem de mecanismos de participação na fase de agenda das políticas regulatórias.
Prazos devem ser adequados para uma efetiva participação na formação da agenda
A LGA avançou ao instituir tempo mínimo de participação de 45 dias para as consultas públicas. O tempo médio de participação era menor antes da LGA, de modo que a nova lei ampliou oportunidades de participação para as consultas públicas.
A LGA, no entanto, só instituiu prazo mínimo de participação para as consultas públicas de minutas normativas, de modo que reguladores estão livres para instituir os prazos que quiserem para os demais mecanismos de participação. Por exemplo, o prazo mediano de duração de uma tomada de subsídios, mecanismo mais usual da fase de formação da agenda das políticas regulatórias, é de 33 dias, ou seja, 12 dias menor do que o prazo mínimo legal para as consultas públicas de atos normativos. Não raras vezes, são instituídas tomadas de subsídios para discutir análises de impacto regulatório com prazos flagrantemente exíguos, restringindo, assim, as oportunidades de participação nessa fase tão importante do processo regulatório.
Desse modo, é imperioso que os prazos conferidos para participação na etapa de formação da agenda regulatória sejam, no mínimo, equivalentes aos adotados nos mecanismos de participação das fases posteriores de formulação do processo regulatório.
Regras para convites a partes interessadas devem ser precisas e claras
Diferentemente das consultas públicas, mecanismos de participação adotados em fases iniciais do processo regulatório podem não ser dirigidos a toda a sociedade, mas sim a representantes das partes diretamente afetadas por determinada proposta regulatória. Várias agências, por exemplo, convidam agentes regulados específicos para coletar, por meio do que denominam de “tomada de subsídios”, dados, ideias e sugestões sobre determinado tema ou problema regulatório. Via de regra, as agências possuem discricionariedade para ampliar ou restringir a participação em tomadas de subsídios que podem, respectivamente, ser tanto abertas ao público como “restritas a convidados”.
O problema é que, frequentemente, as normas que regem mecanismos de participação estruturados em convites não estabelecem regras claras para as escolhas dos convidados. Normas regimentais muitas vezes conferem às agências discricionariedade para, “a seu critério”, escolher pessoas físicas e jurídicas para participar de tomadas de subsídios e mecanismos congêneres. O grande problema é que nunca se sabe, de antemão, que critérios são esses. Convites motivados por regras ad hoc e construídas a posteriori podem pavimentar o terreno para capturas regulatórias.
A transparência da participação social promovida na construção da agenda deve ser máxima
Agências reguladoras devem adotar procedimentos que assegurem uma ampla divulgação das oportunidades de participação, bem como estabelecer critérios de seleção baseados em princípios de equidade e representatividade. Além disso, é essencial garantir que todas as etapas do processo de participação sejam devidamente documentadas e publicamente disponíveis, permitindo assim um controle social efetivo e prevenindo riscos de captura regulatória. Só assim a participação social na formação da agenda regulatória será inclusiva, transparente e legítima, refletindo as necessidades e expectativas de todas as partes diretamente afetadas pela regulação.
Para garantir, portanto, uma participação social efetiva na formação da agenda das políticas regulatórias, é fundamental que os mecanismos utilizados sejam inclusivos, transparentes e bem-estruturados. Reguladores devem assegurar que todos as partes afetadas pela regulação estejam devidamente representadas nos estágios iniciais do processo regulatório, minimizando os riscos de captura regulatória. Estabelecer prazos adequados e critérios claros para convites é crucial para promover um ambiente mais equitativo e democrático. Sem medidas dessa natureza, não será possível promover uma efetiva participação social na formação da agenda das políticas regulatórias.
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