O agravo interno e algumas variáveis enfrentadas pelo STJ
30 de julho de 2024, 7h02
Neste texto, pretendo analisar algumas situações importantes ligadas ao recurso de agravo interno previsto no artigo 1.021, do CPC, tendo como referência a interpretação do Superior Tribunal de Justiça.

Como premissas para as reflexões que serão aqui apresentadas, vale apontar as duas finalidades do agravo interno: permitir a apreciação colegiada de decisões unipessoais de membros de tribunais; exaurir a instância ordinária, com o objetivo de inaugurar a recorribilidade para tribunal superior e superar o óbice previsto na Súmula 281/STF.
Em relação ao primeiro ponto, como é de conhecimento geral, este apelo apenas é cabível em face de decisão unipessoal, a fim de provocar a análise do órgão colegiado e atender ao requisito obrigatório visando o posterior manejo de recursos aos tribunais superiores. No tema: ARE no AgInt no AREsp 2.510.644 — 4ª T/STJ — relator ministro Raul Araújo — J. 24/06/2024 — DJe 27/06/2024; AgInt no REsp 2.056.158 — 2ª T/STJ — relator ministro Afrânio Vilela — J. 24/06/2024 – DJe 26/06/2024.
Em relação ao segundo aspecto e como consequência, é obrigatória a interposição deste recurso liminar, nos casos previstos na lei de regência, sob pena de incidência da Súmula 281/STF, tendo em vista que é não é admissível o recurso excepcional sacado diretamente de pronunciamento unipessoal do relator na Corte local, bem como é incabível a interposição de agravo interno em face de decisão colegiada – afastando-se o princípio da fungibilidade (AgInt no REsp 2.056.158 – 2ª T/STJ – J. 24/06/2024 -DJe 26/06/2024).
Aliás, considerando que a interposição de Agravo interno é obrigatória, o Tema 434/STJ, apreciado ainda na vigência do CPC/73, afastou a incidência de multa (artigo 1.021, §4º, do CPC). Esta foi a tese nele fixada:
“O agravo interposto contra decisão monocrática do tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, o que torna inaplicável a multa prevista no artigo 557, § 2º, do Código de Processo Civil.”

É imperioso destacar que, como desdobramento do Tema 434/STJ, a Corte Especial do STJ afetou novos recursos especiais para definição de uma situação específica, a saber: quando o agravo interno é interposto em face de decisão que aplicou precedente obrigatório. Estas são as questões submetidas a julgamento no Tema 1.201/STJ:
“1) Aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC); 2) Possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.”
Ainda não foi fixada a tese, mas vale fazer a ressalva de que se trata de importante variável acerca da incidência da multa prevista no artigo 1.021, §4º, do CPC, levando em conta a aplicação de padrão decisório obrigatório na decisão agravada e os fundamentos suscitados no recurso visando à distinção, superação, incorreta aplicação, etc.
Embargos de declaração contra recurso
Ainda apreciando este momento processual (interposição de agravo interno visando o exaurimento de instância ordinária), é relevante apresentar mais uma ressalva: se acaso o interessado opuser embargos de declaração em face do pronunciamento unipessoal que apreciou a apelação ou o agravo de instrumento (artigo 1.015, do CPC), e não agravo interno, eventualmente este aclaratórios podem ser apreciados por órgão colegiado.
Neste caso, por mais estranho que possa parecer, deve a parte interpor agravo interno contra o acórdão visando atender ao requisito do exaurimento de instância, sob pena do recurso ao tribunal superior incidir no óbice contido na Súmula 281/STF (AgInt no AREsp nº 1.344.777 — MA 2ª Turma — relator ministro Francisco Falcão — j. em 16/11/2020; DJe 18/11/2020; AgInt no AREsp 1.876.811 / RJ — relator ministro Francisco Falcão — 2ª Turma — j. em 19/10/2021 — DJe 25/10/2021) [1].
Esta situação específica acaba funcionando como um exceção ao regramento de que apenas é cabível o interno interposto em face de decisão unipessoal e deve ensejar análise com muito cuidado na prática forense.
Outro aspecto relevante refere-se à fungibilidade entre o agravo interno e embargos de declaração. A legislação processual, prestigiando a boa-fé, a primazia de mérito, a cooperação e a fungibilidade recursal, consagrou expressamente a fungibilidade entre os embargos e o interno, com a necessária ressalva que de que o primeiro se trata de recurso integrativo; enquanto o segundo objetiva a reforma ou anulação do pronunciamento unipessoal pelo órgão colegiado competente. A interpretação do artigo 1.024, §3º, do CPC/15, leva a um só caminho: se de um lado é permitida a fungibilidade recursal, de outro, o embargante deve ser intimado para complementar suas razões.
Não há, portanto, o que se falar em erro grosseiro na oposição de embargos de declaração no caso em comento. Contudo, se acaso o relator entender que, ao invés de integralizar a decisão, o embargante pretende a sua reforma ou invalidação, deve intimá-lo, atendendo à fungibilidade e à cooperação, visando a complementação das razões recursais.
Ora, se de um lado resta superado o entendimento de que seriam incabíveis os aclaratórios em face de decisão unipessoal, pela própria redação do artigo 1.025, do CPC, o seu recebimento como agravo interno não deve ser automático, em razão dos objetivos específicos de cada um desses recursos e da previsão expressa contida no §3º, do artigo 1.024 do CPC.
E a recíproca é verdadeira? É possível o recebimento do agravo interno como embargos de declaração? Duas ressalvas devem ser feitas: o agravo permite o exercício do juízo de retratação pelo próprio relator (artigo 1.021, §2º, do CPC/15) o que, pelo menos em tese, pode atender ao interesse recursal do agravante; não pode ocorrer o aproveitamento recursal se for interposto o agravo após o prazo para manejo dos aclaratórios.
Aliás, em relação a este último aspecto, a falta de oposição do recurso integrativo não poderá ser sanada pela interposição, em prazo mais dilatado, do agravo interno, inclusive em razão de objetivos processuais absolutamente diferentes (AgInt nos EDcl no AREsp 937.037 / PR — relator Marco Auréllio Bellizze — 3ª Turma — J. em 11/11/2020 — DJe DJe 16/11/2020) [2].
Logo, é possível concluir que a fungibilidade é apenas de mão única (embargos de declaração para agravo interno), quer pelos objetivos específicos, quer pelo prazo diferenciado [3].
Reconsideração e agravo interno
Ainda no tema fungibilidade, situação que também merece enfrentamento neste ensaio, é a apresentação de pedido de reconsideração e seu recebimento como agravo interno.
Como é sabido, este pedido não tem natureza recursal, pelo que não possui efeitos devolutivo, suspensivo, interruptivo etc. Há, portanto, sempre um risco de preclusão ou trânsito em julgado da decisão, mesmo com a apresentação de pedido de reconsideração.
Contudo, o STJ consagra a excepcional possibilidade de seu recebimento como agravo interno, desde que atendido ao respectivo prazo recursal (RCD na PET nos EAREsp nº 1.369.585/DF, relator ministro Jorge Mussi — CE/STJ — J. 11/10/2022 — DJe 29/11/2022; PET no HC 855.090 — 4ª T/STJ — relator ministro Antonio Carlos Ferreira — J. 29/04/2024 — DJe 02/05/2024).
Aliás, em recente julgado, a 2ª Turma do STJ ratificou o entendimento prevalecente da Corte, no que respeita ao não cabimento de pedido de reconsideração em face de decisão colegiada, como se observa na seguinte passagem:
“1. Admite-se, excepcionalmente, à luz do princípio da fungibilidade recursal, e desde que respeitado o prazo recursal, o recebimento do pedido de reconsideração como Agravo Interno contra decisão monocrática. 2. A jurisprudência do STJ, no entanto, considera incabível pedido de reconsideração de decisões colegiadas. Precedentes do STJ”. RCD nos EDcl no AgInt no REsp 1942993 / DF – 2a T/STJ – Rel. Min. Herman Benjamin – J. 14/05/2024 – DJe 04/06/2024.
De outro prisma, sempre é bom afirmar que o cotidiano forense provoca grandes desafios aos intérpretes, visando à compreensão da natureza da decisão e do recurso eventualmente cabível. Um dos maiores, sem dúvida, se refere à recorribilidade do pronunciamento judicial previsto no artigo 1.030, do CPC.
Este assunto já mereceu tratamento específico em outro ensaio [4]. Resumidamente, as variáveis contidas no artigo 1.030, do CPC, podem ser assim resumidas: a) a decisão da Presidência ou Vice-Presidência da Corte local que nega seguimento ao recurso excepcional, desafia a interposição de agravo interno (artigo 1.030, I, a e b c/c § 2º, do CPC); b) em caso de negativa de admissão ou inadmissão, o recurso cabível é o agravo em recurso especial ou extraordinário (artigo 1.030, V, § 1º c/c artigo 1.042, do CPC); c) a parte deve interpor os dois agravos em caso de capítulos decisórios com fundamentação diferenciada, sendo primeiramente apreciado o recurso local para, dependendo de seu resultado, a remessa dos autos ao tribunal superior.
É nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“De acordo com a jurisprudência desta Corte, “para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais” (AgInt no REsp n. 1.920.307/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª TURMA, julgado em 13/12/2021, DJe de 15/12/2021)”. AgInt no AREsp 2.423.540 – 4ª T/STJ – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – J. 26/02/2024 – DJe 29/02/2024.
Necessidade de dupla recorribilidade
Esta é mais uma situação muito delicada a ser enfrentada na prática forense. Aliás, o Enunciado 77/CJF também consagra a necessidade da dupla recorribilidade, constituindo erro grosseiro a interposição de um agravo em caso de cabimento de outro (AgInt no AREsp 2208841 — 3ª T/STJ — relator ministro Humberto Martins — J. 13/05/2024 — DJe 15/05/2024; AgInt no AREsp 2.246.228 — 1ª T/STJ — relator ministro Gurgel de Faria — J. 04/09/2023 — Dje 06/09/2023).
Ainda quanto ao tema, é elogiável e dialoga diretamente com a cooperação, a ressalva que vem sendo feita pela Vice-Presidência do STJ ao negar seguimento a recurso extraordinário sacado após o pronunciamento da Corte da Cidadania, como se pode observar nesta passagem:
“Ante o exposto, com fundamento no artigo 1.030, I, a, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso extraordinário.
Anoto que contra decisões que negam seguimento a recurso extraordinário não é cabível agravo em recurso extraordinário (previsto no artigo 1.042 do CPC e adequado para impugnação das decisões de inadmissão), conforme previsão do § 2º do artigo 1.030 do CPC”. RE no EAREsp 2221911- relator ministro OG Fernandes — J. em 22/07/2024 — DJe 24/07/2024.
No mesmo sentido, outras recentes decisões: RE nos EDcl no AgRg no AREsp 2.508.983 (relator ministro OG Fernandes — DJe 23/07/2024); RE nos EAREsp 2.503.642 (relator ministro Og Fernandes — DJe 23/07/2024) e RE no AREsp 2.484.004 (relator ministro OG Fernandes — DJe 23/07/2024).
Outra questão importante em relação ao agravo interno parte da seguinte afirmação: é irrecorrível a decisão que determina o sobrestamento do recurso ou mesmo o retorno para o exercício do juízo de conformação (artigos 1.037, II e 1.040, II, do CPC).
Não há espaço editorial para maior detalhamento das variáveis que podem existir no cotejo do recurso interposto no caso concreto e sua relação com o circuito da repercussão geral ou dos recursos repetitivos. Contudo, a assertiva a ser feita é uma só: não é cabível agravo interno em face da determinação de sobrestamento ou mesmo de retorno do feito à instância de origem para o exercício do juízo de conformação.
No ponto, a decisão do relator do caso concreto é irrecorrível, nos termos do entendimento reiterado do STJ (AgInt no AREsp 1.870.732/SP. relator ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 27/10/2022; AgInt no AREsp 1.535.800 — 2ª T/ STJ — relator ministro Teodoro Silva Santos — J. 29/04/2024 — DJe 07/05/2024; AgInt nos EDcl no REsp 2093710 — 2ª T/STJ — relator ministro Herman Benjamin — J. 18/03/2024 — DJe 19/04/2024).
Um derradeiro aspecto a ser suscitado refere-se à incidência de honorários recursais em caso de não conhecimento ou improvimento do agravo interno. Em que pese a possibilidade de incidência da multa prevista no artigo 1.024, §4º, do CPC, a Corte da Cidadania afirma que não está sujeita à majoração de honorários em caso de recursos lineares, incluindo os embargos de declaração e agravo interno, tendo em vista que não houve provocação de nova instância do Sistema de Justiça (EDcl no AgInt no AREsp 250.7117 — 4a T/STJ — relator ministro Raul Araújo — J. 24/06/2024 — DJe 27/06/2024; EDcl no AgInt no AREsp 2.445.513 — 2ª T/STJ — relator ministro Francisco Falcão — J. 24/06/2024 – DJe 26/06/2024).
Estas são algumas variáveis importantes envolvendo o agravo interno e o entendimento jurisprudencial do STJ.
[1] Em texto específico, foram enfrentadas duas situações que podem ocorrer na prática forense: a) apreciação colegiada de embargos de declaração opostos em face de decisão unipessoal; b) julgamento monocrático de embargos declaratórios opostos contra decisão colegiada. ARAÚJO, José Henrique Mouta e NERY, Rodrigo. Duas armadilhas envolvendo embargos de declaração e agravo interno. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-nov-13/araujoe-nery-cuidados-exaurimento-instancias-ordinarias/. Acesso em 24.07.2024. Quanto ao último caso, ver AgInt no RMS 56.751/AM, Rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma/STJ, J. em 28/6/2021, DJe 30/6/2021.
[2] Vale a leitura do AgInt no REsp 1625192-PE/STJ (2ª T/STJ – Rel. Min. OG Fernandes – J. 05.03.2020).
[3] Isso sem falar na competência para julgamento de EDs contra decisão unipessoal (que é do próprio Relator) e do Agravo Interno (que é do Órgão Colegiado, sem prejuízo do juízo de retratação).
[4] ARAÚJO, José Henrique Mouta. Se a reclamação não é admitida, como recorrer de decisão sobre precedente qualificado? Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jun-11/artx-jose-mouta-mandado-seguranca-reclamacao-instrumentos-visando-aplicacao-precedentes-qualificados/ Acesso em 24.07.2024.
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