Opinião

Indeferimento de autorregularização por descumprir obrigações acessórias está contramão

Autor

  • é advogado sócio da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-conselheiro do Carf.

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28 de julho de 2024, 6h04

Recentemente, diversos contribuintes têm sido surpreendidos pela Receita Federal com o indeferimento dos seus pedidos de autorregularização de débitos tributários. O motivo alegado é a ausência de retificação das declarações relativas ao período objeto do benefício, mesmo que os contribuintes tenham declarado adequadamente o valor do débito no pedido de adesão à autorregularização. Essa exigência é questionável em termos de legalidade.

O artigo 2º, §3º, da Lei nº 14.740/2023 determina que os tributos não constituídos incluídos pelo sujeito passivo na autorregularização serão confessados por meio da retificação das correspondentes declarações e escriturações.

No entanto, a Instrução Normativa RFB nº 2.168/2023, ao regulamentar o programa, criou uma redação dúbia quanto à necessidade de constituição:

Art. 3º Podem ser incluídos na autorregularização incentivada de que trata esta Instrução Normativa os seguintes tributos:

I – que não tenham sido constituídos até 30 de novembro de 2023, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização; e
II – constituídos no período entre 30 de novembro de 2023 até 1º de abril de 2024.

(…)

§ 2º A inclusão dos tributos a que se refere o inciso II do caput na autorregularização incentivada fica condicionada à confissão da dívida pelo devedor mediante entrega ou retificação das declarações correspondentes ou, excepcionalmente, mediante cadastramento do débito apenas nas situações a que se aplica.

De acordo com o dispositivo mencionado, a exigência de retificação das correspondentes declarações seria aplicável somente no caso do inciso II, ou seja, em relação aos débitos constituídos entre 30 de novembro de 2023 e 1º de abril de 2024.

Retificação não seria obrigatória para regularização

Em relação à hipótese do inciso I, que trata dos débitos não constituídos até 30 de novembro de 2023, é possível defender que a retificação não seria condição para a autorregularização, principalmente porque a própria redação do artigo 5º da citada IN não estabelece a retificação das obrigações acessórias como requisito para a formalização do requerimento.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Independentemente disso, ainda que se defenda a necessidade de constituição do débito mediante retificação das declarações, é razoável considerar que tal exigência se trata de mero formalismo que não pode obstar a permanência do contribuinte no programa.

Ambas as turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) adotam entendimento pacífico quanto à aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade diante da exigência de requisitos para permanência em programas especiais de parcelamento (5026689-61.2021.4.04.7000, 1ª Turma, julgado em 17/4/2024; 5007123-16.2023.4.04.7208, 2ª Turma, julgado em 17/4/2024). As demais cortes regionais seguem a mesma orientação.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, não possui orientação firmada sobre essa matéria, considerando que a discussão sobre a proporcionalidade desse requisito não é cabível pela via do recurso especial por envolver a reanálise de fatos, de acordo com a Súmula 7/STJ (EDcl no AgInt nos EDcl no REsp 1/932/247).

É sempre recomendável aos optantes pela autorregularização que promovam a retificação das suas correspondentes obrigações acessórias. Contudo, isso nem sempre é possível devido a uma série de dificuldades práticas que envolvem a recomposição da escrita contábil e fiscal, especialmente para os grandes contribuintes.

Nesse cenário, os contribuintes afetados pelo indeferimento da autorregularização pela omissão do dever de retificação das suas declarações devem considerar a relevante probabilidade de reversão dessa decisão administrativa mediante questionamento ao Poder Judiciário.

Autores

  • é advogado do Menezes Niebuhr Advogados Associados, doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pelo Instituto Brasileiro Direito Tributário (IBDT), especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autor e coautor de livros e de artigos publicados em revistas especializadas e ex-conselheiro do Carf.

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