A convalidação dos atos no licenciamento ambiental por vício de incompetência pode acontecer quando, após o início dos procedimentos, verifica-se que o nível federativo de competência é outro, devendo o processo administrativo ser encaminhado ao órgão originalmente competente. É o caso de um licenciamento ambiental iniciado no município ou no Estado que depois é repassado à União porque se constatou ali alguma das hipóteses de competência licenciatória federal previstas no inciso XIV do artigo 7º da Lei Complementar 140/2011 [1].
Nada impede que o órgão ambiental originalmente competente convalide o licenciamento ambiental que tramitou em outro órgão, seja essa convalidação no todo ou em parte. Para isso, no entanto, aquele deverá manifestar a concordância com os atos administrativos praticados por este, o que pode ser feito tanto de forma expressa quanto tácita.
Se a legislação foi devidamente observada, o princípio da eficiência aponta para a inexistência de razões para se exigir que o empreendedor se submeta de novo a todos os procedimentos já realizados com sucesso perante outro órgão ambiental. Afinal, cuida-se da confirmação ou ratificação do ato ou processo administrativo até então considerado nulo por vício de competência, situação que encontra abrigo expresso na Lei 9.784/1990 (Lei de Processo Administrativo da Administração Pública Federal):
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
São, portanto, dois requisitos para a aplicação do instituto: ausência de lesão ao interesse público e inexistência de prejuízo a terceiros. Na prática, em se cuidando do licenciamento ambiental, o que precisa ser levado em conta é se a legislação ambiental e o rito processual administrativo foram cumpridos.
A finalidade é sanear o vício meramente formal que não comprometa o mérito do ato administrativo, evitando, assim, burocracia desnecessária e promovendo maior celeridade, economia e eficiência. Não teria mesmo sentido submeter as pessoas e a própria Administração Pública à repetição de procedimentos onerosos, demorados e complexos — a não ser, é claro, que isso se demonstre indispensável ao atingimento do objetivo do licenciamento ambiental, o que só poderá ser verificado no caso concreto.
Ao possibilitar o aproveitamento de atos e até do processo administrativo como um todo, o mecanismo ajuda a promover a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais, podendo ser de grande serventia para o cidadão comum, as empresas e o Poder Público. Por ser essencialmente técnico, duradouro e sujeito a muitos procedimentos, etapas e exigências particulares, é possível afirmar que no licenciamento ambiental a convalidação assume uma relevância ainda maior se comparado à maioria dos demais processos administrativos.
Faz-se necessário que o órgão ambiental competente motive por que está ou não está ratificando o licenciamento ambiental, ou parte dele, uma vez que a Administração Pública tem a obrigação de motivar os seus atos. De toda sorte, poderá ocorrer a convalidação tácita caso o órgão competente assuma o processo e simplesmente dê sequência a ele, sem dizer expressamente que o convalidou.
Já a negativa da convalidação, seja integral ou parcial, deve ser sempre expressamente motivada, pois assim determina a Lei 9.784/1990, uma vez que se está restringindo um direito da parte interessada naquela processo [2]. Em outras palavras, a convalidação deve ser a regra, e a não convalidação a exceção, que será sempre motivada.
Naturalmente, a ideia de convalidar o licenciamento ambiental pressupõe que o órgão ambiental competente analise e não identifique irregularidades no processo, de forma a assegurar a qualidade do controle ambiental. Com efeito, não se pode acatar o que foi feito por outro órgão ambiental sem se verificar a legalidade e a regularidade do procedimento.
Na hipótese de evidência de irregularidade, o órgão ambiental competente não apenas não poderá convalidar o ato, mas tem a obrigação de denunciá-lo. Por essa razão, é muito improvável que a convalidação se torne uma prática rotineira nos órgãos ambientais.
Ao convalidar o licenciamento ambiental feito de maneira adequada, o órgão ambiental competente poupa recursos humanos e materiais, podendo se dedicar mais e melhor aos seus demais processos e responsabilidades. Tal possibilidade acaba contribuindo para a otimização da atuação dos órgãos ambientais, ajudando na missão fim deles de proteger o meio ambiente.
Todo o conteúdo do processo administrativo pode ser objeto da convalidação, incluindo análises jurídicas, análises técnicas, juntada de documentação e a própria licença ambiental concedida, caso aquela etapa do licenciamento ambiental tenha chegado ao final. Isso significa que é possível convalidar um ato administrativo, um conjunto de atos administrativos ou mesmo o processo administrativo inteiro, o que incluiria, evidentemente, a licença ambiental concedida.
A realização da audiência pública e a própria aprovação do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental poderão ser convalidados, visto que nenhum procedimento do licenciamento ambiental estaria isento disso [3]. Logo, não obstante a atividade ser considerada significativamente poluidora, tendo um impacto ambiental efetivo e/ou potencial maior, a convalidação deverá ocorrer (e, provavelmente, ocorra com muito mais razão, visto que essa modalidade de licenciamento ambiental é mais cara, mais complexa e mais longa).
Padrões e exigências
Não existe um licenciamento federal, um estadual e outro municipal, visto que a finalidade, as etapas e as regras do procedimento devem ser as mesmas. É preciso seguir, portanto, as mesmas exigências e padrões de qualidade, independentemente de qual seja o órgão responsável pela sua condução, o que reforça o papel da convalidação enquanto instrumento de promoção de desburocratização, eficiência e economicidade na chamada Administração Pública ambiental.
Isso implica dizer que não é apenas possível, como também recomendável, o aproveitamento dos atos praticados pelo órgão ambiental incompetente. A exceção, vale lembrar, seria a hipótese de identificação de um procedimento tecnicamente errado ou ilegal, ocasião em que o órgão ambiental competente deve motivar expressamente o porquê da não convalidação.
É claro que se trata de uma excepcionalidade, pois não é comum que um órgão ambiental deixe tramitar em sua estrutura o processo de licenciamento ambiental de competência de outro nível federativo. Importante não confundir a convalidação com a delegação de competência, que é quando, por comum entendimento, o órgão ambiental originalmente competente repassa a sua atribuição a outro órgão ambiental [4].
Sendo assim, a convalidação no licenciamento ambiental por vício de incompetência é um mecanismo que, no caso concreto, pode ajudar a promover a eficiência e a segurança jurídica do processo administrativo, permitindo a correção da falha sem necessariamente comprometer a continuidade das atividades nem a proteção ambiental. Com respaldo legal, a convalidação contribui para a estabilidade das decisões administrativas e a efetividade da política ambiental, demonstrando ser uma ferramenta interessante tanto para a Administração Pública quanto para os empreendedores e a sociedade em geral [5].
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[1] Art. 7º. São ações administrativas da União: (…) XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento (…).
[2] Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recursos administrativos; VI – decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1º. A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2º. Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3º. A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.
[3] A Resolução 237/1997 do Conama dispõe sobre os procedimentos do licenciamento ambiental: Art. 10. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas: I – Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida; II – Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida publicidade; III – Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do Sisnama , dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de vistorias técnicas, quando necessárias; IV – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente integrante do Sisnama, uma única vez, em decorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; V – Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente; VI – Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não tenham sido satisfatórios; VII – Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico; VIII – Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida publicidade. § 1º. No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar, obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para supressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes. § 2º. No caso de empreendimentos e atividades sujeitos ao estudo de impacto ambiental — EIA, se verificada a necessidade de nova complementação em decorrência de esclarecimentos já prestados, conforme incisos IV e VI, o órgão ambiental competente, mediante decisão motivada e com a participação do empreendedor, poderá formular novo pedido de complementação.
[4] A respeito da delegação da competência licenciatória: https://www.conjur.com.br/2020-jun-27/ambiente-juridico-delegacao-competencia-licenciatoria/.
[5] A quem quiser se aprofundar no tema eis as seguintes indicações de leitura: BIM, Eduardo Fortunato. Licenciamento ambiental. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2024; FARIAS, Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2024; NIEBURH, Pedro de Menezes. Processo administrativo ambiental. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2024; e ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.