Opinião

Imposto Seletivo: forma e substância de uma novidade 'made in Brazil'

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  • é pesquisador do Observatório do Poder Legislativo do IDP e monitor das matérias de Organização do Estado e Direito Administrativo.

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21 de julho de 2024, 6h09

Em meu último artigo nesta revista eletrônica ConJur, em vez de recorrer ao patrimônio frutícola brasileiro para condenar a singularidade do Comitê Gestor, preferi destacá-lo como um notável exercício de criatividade institucional.

Spacca

O imaginário institucional brasileiro sofre encurralado entre as críticas à falta de originalidade em nossa organização juspolítica, tirando-nos por reles imitadores de outros modelos de Estado, e as reprimendas a qualquer feitura intrinsecamente nacional, quando passamos de imitadores a artistas no cultivo da jabuticaba, no reinvento da roda, incapazes de toda a criatividade e ânimo nacional para a engenharia de arranjos autóctones, elaborado por e para brasileiros conforme as características que nos particularizam.

Para comentar o Imposto Seletivo (IS), como em meu último artigo, deter-me-ei a esta novidade “made in Brazil” em sua forma e substância, em que pese a ascendência das suas premissas, a partir dos contornos apresentados pelo substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados há uma semana.

Ressalvados fundamentos que conduzem sua extrafiscalidade (a defesa da saúde e do meio ambiente), sua incorporação à rede tributária interna se deu sob parâmetros e critérios inauditos nas nações que aderiram a exações congêneres. Apesar da grandiloquência dos seus demiurgos, as virtudes do Imposto Seletivo são tragicamente embotadas por faltas que vão desde o seu design tributário até a sua materialidade, ainda mais problemática, neste quesito, após a aprovação do substitutivo pela Casa Iniciadora.

Partindo dos vícios que se estendem desde o seu embrião, temos a decisão do constituinte derivado reformador por uma espécie tributária cujo destino do produto arrecadado não pode ser fixada senão por ele mesmo, isto é, no Texto Constitucional.

Aplicação, metas e avaliação de impacto

Diferentemente das proposições legislativas anteriores ao PLP nº 68/2024 que ensaiavam Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico com o mesmo desiderato do IS e traziam transparência e previsibilidade quanto à aplicação dos recursos arrecadados, jamais saberemos se o produto arrecadado pelo Imposto Seletivo foi ou não aplicado em políticas públicas relacionadas à saúde ou ao meio ambiente.

Descendo para a instância regulamentar do Imposto Seletivo em que nos encontramos, a obscuridade dos parâmetros ex-ante do IS é agravada quando o legislador complementar não fixa metas a serem logradas por meio da exação em comento, tampouco discorre sobre a metodologia mais judiciosa para fazê-lo por meio do mecanismo fiscal em análise.

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Quanto aos elementos ex-post, o legislador complementar estende ao IS o mesmo sistema de avaliação de impacto aplicável ao IBS e a CBS (artigo 466) — tributos fundamentalmente distintos por finalidade e natureza.  A bem da razão, é um despropósito que um mecanismo tributário com a finalidade do IS tenha seu impacto avaliado apenas a cada cinco anos.

Vedação à incidência sobre exportações

Quanto à materialidade, que assume as vezes de um carbon tax para gravar bens minerais extraídos [1], o temor comungado pelos observadores da reforma tributária se realizou com a exportação de tais bens resolutamente gravada à revelia da prometida desoneração das exportações e do coro unânime pela inconstitucionalidade de tal hipótese.

O Poder Executivo, que se julga socorrido pela licença vertida na locução “independentemente da destinação” (artigo 153, § 6º,VII), ignora que a generalidade desse dispositivo é derrotada pela especialidade do disposto no artigo 153, § 6º, I, que expressamente veda a incidência sobre exportações. Se tal hipótese não soçobrar durante regulamentação, certamente o fará quando sua inconstitucionalidade for impugnada perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, é digna de nota a solução apresentada pelo professor Fernando Facury Scaff nesta ConJur.

Fatos geradores

Não obstante, o substitutivo trouxe inovações valorosas e discutíveis quanto aos fatos geradores do Imposto Seletivo. Temos como promissora a inclusão de concursos de prognósticos e fantasy games, que, apesar do que pressagiava este autor em março na ConJur, não integravam o texto inicial proposto pelo Poder Executivo.

É, porém, discutível a inclusão de carros elétricos entre os bens tributáveis pelo IS pela sua própria vocação constitucional. O argumento oficial, convenientemente omitido no mérito do parecer, foi exteriorizado pelo deputado Hildo Rocha (MDB/BA), se refere às adversidades inerentes à reciclagem das baterias dos carros elétricos. No entanto, como ponderou a procuradora Melissa Guimarães Castello, também na ConJur, “atualmente, as baterias dos carros ainda estão dentro de sua vida útil, de modo que o problema ainda não apareceu”.

O fundamento extraoficial, por seu turno, foi informado pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), que respaldou a tributação de carros elétricos com a proteção do mercado automobilístico interno e os empregos a ele relativos, o que não se comunica, em nenhuma medida, com os vetores extrafiscais do Imposto Seletivo, quais sejam: a defesa da saúde e do meio ambiente.

Caberá à Casa Revisora decidir se o mecanismo fiscal de defesa da saúde e do meio ambiente perfilhado pela reforma tributária, já debilitado pelos limitadores que o acompanham desde o seu embrião, terá os vícios em evidência oportunamente sanados ou se o manicômio tributário será renovado por meio de um encosto abalizado por boas intenções.

 


Referências

CASTELLO, Melissa Guimarães. Imposto Seletivo sobre carros elétricos está na contramão do mundo. Consultor Jurídico, 2024

CONGRESSO NACIONAL. Emenda Constitucional nº 132. Brasília, 2023.

PODER EXECUTIVO. Projeto de Lei Complementar nº 68. Brasília, 2024.

SCAFF, Fernando Facury. Incidência do imposto seletivo sobre bens minerais e sua exportação. Consultor Jurídico, 2024.

 


[1] O que por si só é suficientemente problemático, quer pela lógica do imposto seletivo, quer pela insegurança metodológica adotada pelo legislador complementar.

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