Gravações de Alberto Youssef estavam escondidas na 13ª Vara de Curitiba e parte foi apagada
18 de julho de 2024, 12h29
O HD com o conteúdo do grampo ilegal instalado na cela do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da “lava jato”, estava escondido na 13ª Vara Federal de Curitiba e cerca de um terço do material foi excluído. A defesa de Youssef descobriu o paradeiro do documento e soube da eliminação apenas nesta quarta-feira (17/7), quando pôde ter acesso ao grampo.

Alberto Youssef foi preso em 2014 e grampos começaram no dia da prisão
No começo do mês, o juiz Guilherme Roman Borges, substituto na 13ª Vara Federal, deu à defesa de Youssef acesso às escutas clandestinas. Na decisão, ele oficiou o Ministério Público Federal — que, descobriu-se, tinha desde 2017 uma cópia do grampo — e a PF para que entregassem todo o material envolvendo a escuta ilegal.
Quando era titular da 13ª Vara, o juiz Eduardo Appio também já havia oficiado a PF em Brasília por diversas vezes requisitando as gravações. Ele, no entanto, nunca foi informado sobre o fato de o HD estar na própria 13ª Vara, nem sobre a cópia que estava com o MPF. Pelo contrário, os servidores mais antigos da vara afirmavam que o único HD com as informações estava com a PF, ao passo que esta e o MPF nunca enviaram o conteúdo das escutas.
A defesa só tomou conhecimento de que o grampo estava na 13ª Vara após o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, cobrar providências sobre o material e o juiz substituto ordenar que PF e MPF liberassem as escutas para a defesa de Youssef.
Os advogados, então, tiveram acesso ao material e constataram que 26 dos 64 áudios gravados clandestinamente foram apagados. A exclusão consta em perícia da própria PF. Um pendrive com informações também teve seu conteúdo totalmente excluído.
As gravações na cela de Youssef começaram já no dia da sua prisão, em 17 de março de 2014, e só pararam no mês seguinte, quando o próprio doleiro encontrou o grampo ilegal, segundo apurou a revista eletrônica Consultor Jurídico.
Defesa irá ao CNJ e ao STF
A defesa de Youssef irá ao Conselho Nacional de Justiça já nesta quinta-feira (18/7) para informar sobre a exclusão do material e sobre o fato de que o HD com os áudios estava escondido na 13ª Vara, sem o conhecimento dos juízes que assumiram o posto após a saída de Sergio Moro e de Luiz Antonio Bonat.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, relator do pedido para anular a delação premiada de Youssef, também será informado. A defesa do doleiro é feita pelo advogado Gustavo Rodrigues Flores.
“Com relação aos áudios apagados, isso demonstra que houve manipulação. Não se sabe o motivo de terem sido apagados e como foram usados. Agora é esperar as perícias. As informações serão encaminhadas ao ministro Salomão, para que se saiba o que foi sonegado da defesa por todos esses anos, e também ao ministro Toffoli”, disse Flores.
Preocupação da ‘lava jato’
Como mostrou a ConJur em maio, integrantes da “lava jato” se mostraram, já em 2015, preocupados com a possibilidade de atos da autodenominada força-tarefa serem anulados após a revelação de métodos “pouco ortodoxos” adotados nas investigações.
Em conversas entre eles, os procuradores lavajatistas se referiram justamente às escutas encontradas por Youssef. Em um diálogo, eles torcem para que a perícia feita em um computador de delegados envolvidos no grampo não encontre nada.
“Sai na segunda a entrevista do Marco Aurélio (então ministro do STF, hoje aposentado) dizendo que as escutas podem anular a ‘lava jato’”, diz Deltan em um trecho do diálogo. A conversa é de 4 de julho de 2015 e é reproduzida em sua grafia original.
Em seguida, o coordenador da “lava jato” sugere se antecipar para que a tese de nulidade não ganhe corpo. A ideia era ouvir Youssef formalmente e pedir para o doleiro dizer que nunca foi confrontado com elementos obtidos nas escutas.
“O que acham de ouvir Y (Youssef) formalmente (…) preventivamente, antes que eles desenvolvam a tese de nulidade? Arriscado?”
Um procurador identificado como “Orlando”, possivelmente Orlando Martello, diz que não adiantava ouvir o doleiro, porque eventual nulidade decorreria das informações obtidas ilegalmente por meio da escuta clandestina. Em seguida, diz que o que resta é torcer para “não ter nada” no computador periciado.
“É melhor não mexer e torcer para não ter nada naquele computador. Apreenderam os computadores dos dps também!”, fala o procurador.
Deltan responde: “Ich… Tomara que não achem os vazamentos dos DPs kkkk”. Os diálogos não indicam de que tipo de vazamento os procuradores estão falando.
Na conversa, um procurador identificado apenas como “Diogo”, possivelmente Diogo Castor, afirma que eventual anulação da “lava jato” levaria a uma “revolução”.
“Quero ver ser macho para anular a ‘lava jato’. Se fizer isto vai ter revolução.”
“Quero ver ser macho pra devolver mais de R$ 500 milhões para réus confessos”, completa Deltan.
Arquivamento
Três anos depois, em 2018, o MPF de Curitiba pediu o arquivamento de uma sindicância que apurava o grampo instalado na cela de Youssef sem autorização judicial.
Em parecer assinado pelos procuradores Januário Paludo e Antonio Carlos Welter, o MPF diz que não era possível concluir que conversas de Youssef foram grampeadas e que os áudios do doleiro poderiam ter sido feitos por celulares que “existiriam” dentro da cela.
A defesa de Youssef afirma que o MPF inventou a informação de que haveria celulares na cela para se manifestar pelo arquivamento da sindicância e que nunca teriam sido apreendidos aparelhos com o doleiro.
“Dessa forma (…) não é possível concluir de maneira segura, diante das diligências realizadas, que os áudios foram captados pelo equipamento já existente no forro da cela, uma vez que tais áudios poderiam ter sua origem justamente nas conversas capturadas nesses telefones celulares”, diz trecho do parecer.
Em maio de 2019, Bonat, sucessor de Moro na 13ª Vara, arquivou a sindicância citando o argumento do MPF de que as gravações poderiam ter sido feitas por celulares apreendidos na cela de Youssef.
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