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Futuro das decisões administrativas: fim da doutrina Chevron e a Lindb

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14 de julho de 2024, 8h00

Em 28 de junho de 2024, a Suprema Corte dos Estados Unidos deixou de aplicar a conhecida doutrina Chevron ao decidir o caso “Loper Bright Enterprises. v. Raimondo”, entendendo que compete aos tribunais exercer seu próprio julgamento quanto à interpretação de leis, sem necessariamente deferir às interpretações conferidas pelas agências administrativas.

A doutrina Chevron, surgida em 1984 no caso “Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc.” impôs a regra da deferência judicial que orientava os tribunais americanos a seguirem as interpretações de leis feitas por agências administrativas, quando pertinentes a elas e de conteúdo ambíguo, desde que as interpretações fossem razoáveis. De outro modo, o que a doutrina Chevron afirmava era que se o Congresso não abordou diretamente determinada questão em uma lei ou se a lei é ambígua, o tribunal deveria deferir à interpretação da agência reguladora, observado um critério de razoabilidade.

Captura das agências e controle judicial

Certa preocupação com a doutrina Chevron era ventilada na possibilidade do fenômeno da captura das agências, no sentido de que ao permitir às agências um grau significativo de discricionariedade na interpretação de tais leis, acaso uma agência fosse capturada pelos interesses dos particulares que regulamenta, essa discricionariedade poderia ser usada como um mecanismo para criar regulamentos favoráveis a determinado segmento.

Logo, com a imposição de deferência do Poder Judiciário à interpretação formulada por agências administrativas, havia uma diminuição do controle judicial da atividade normativa das agências reguladoras, contudo, com a decisão proferida em 28 de junho de 2024, o Poder Judiciário estadunidense ganha papel mais ativo nas decisões envolvendo as atividades das agências reguladoras.

Contexto local

No Brasil, a busca por equilíbrio entre o Poder Judiciário e revisão de decisões administrativas encontrou seu caminho na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lindb), a qual sofreu, em 2018, alterações no sentido de combater decisões administrativas pautadas em valores vazios, prejudiciais à segurança jurídica. Por meio da edição da Lei nº 13.655/2018 foram introduzidos na Lindb artigos que buscam orientar a interpretação e aplicação das normas jurídicas, enfatizando a necessidade de que a atuação administrativa seja pautada pela segurança jurídica e previsibilidade.

No contexto da atuação administrativa, o artigo 20 introduzido determina que, não somente as decisões administrativas, mas assim como as decisões controladoras e judiciais que se baseiem em valores jurídicos abstratos devem considerar as consequências práticas da decisão. Essa regra é importante no sentido de garantir a deferência técnica em decisões que a exijam sem diminuir a prestação jurisdicional. No mesmo sentido, o parágrafo único do referido artigo 20 exige que a motivação da decisão demonstre necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

Ainda, o artigo 21 da Lindb demanda que as decisões, também nas esferas administrativa, controladora e judicial, ao decretarem a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverão indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas, e o artigo 23 determina que tais decisões, ao estabelecerem interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverão prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

Contribuição

Com relação à revogação da doutrina Chevron, a legislação brasileira, especialmente a Lindb, pode contribuir com os aspectos de independência do Poder Judiciário, segurança jurídica e controle sobre as decisões administrativas, isso porque tanto a recente decisão de revogação da doutrina Chevron quanto a Lindb enfatizam a importância de uma interpretação judicial independente e fundamentada.

Nos Estados Unidos, a revogação da Chevron remove a deferência automática às interpretações das agências, aumentando o papel dos juízes na interpretação das leis e, no Brasil, a Lei nº 13.655/2018 reforça a necessidade de fundamentação nas decisões, exigindo que os julgadores considerem as consequências práticas e a segurança jurídica, buscando, sob o ordenamento jurídico brasileiro, conferir previsibilidade às decisões administrativas e judiciais e para o ordenamento americano incentivar que as interpretações legais sejam consistentes e bem fundamentadas.

Ademais, ambos os marcos propõem balancear o poder da administração pública, encerrando, no caso americano, a liberdade plena de interpretação de leis ambíguas de seu interesse.

Transparência e previsibilidade

Por isso, ainda que seja muito cedo para traçar um efetivo diagnóstico das consequências da decisão proferida no caso “Loper Bright Enterprises v. Raimondo”, o Brasil pode emprestar a sua experiência com a Lei nº 13.655/2018 orientando que, a partir desse momento, os tribunais americanos busquem aumentar a responsabilidade e a fundamentação das decisões administrativas e judiciais, promovendo a segurança jurídica, como um reflexo de um movimento em direção a uma maior transparência e previsibilidade nas interpretações legais e administrativas, embora operem em contextos jurídicos e culturais diferentes.

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