TI não serve como indicador de corrupção; combate é política pública
12 de julho de 2024, 7h01
Atribui-se a William Deming, guru da melhoria dos processos produtivos e da gestão da qualidade, a repetida frase “não se gerencia o que não se mede”. Independentemente da correção de sua autoria, a expressão encerra importante conceito em matéria de planejamento e obtenção de resultados: toda ação precisa de monitoramento e controle que garantam o atingimento dos objetivos almejados.

Na gestão pública não é diferente. A partir de um problema de interesse público a ser resolvido, identificam-se as alternativas que possam endereçar a questão, elabora-se uma estratégia de enfrentamento do problema, um plano de execução e adotam-se os instrumentos de controle dos resultados. Não por outro motivo o chamado Plano Plurianual (PPA), previsto no artigo 165 da Constituição, estabelece as diretrizes, objetivos e metas da administração pública.
De forma resumida, o ciclo das políticas públicas conta com três fases bem definidas: o planejamento, a execução e o controle. No planejamento, evidencia-se o problema a ser incluído na agenda pública, suas causas e consequências, identificam-se as alternativas de endereçamento com base em evidências, desenha-se a política pública e estabelece-se a sua estrutura de governança e gestão.
A fase de execução, responsável pela implantação da política pública, deve contar com plano de ação que contenha as iniciativas a serem desenvolvidas, os responsáveis, os recursos necessários, as fontes de financiamento, as metas e os indicadores de desempenho.
O controle tem como objetivo assegurar que a execução da política seja eficiente e alcance os objetivos definidos no planejamento. Nessa fase, avaliações periódicas para monitoramento dos resultados são essenciais para eventuais correções de rumo e ajustes na estratégia e na execução. Aí, ganha importância a definição dos indicadores de desempenho, para medir os resultados e avaliar se a política pública está alcançando os objetivos desejados.
A organização governamental conta com instituições e agentes responsáveis pelo controle. Auditorias, controladorias e Tribunais de Contas fazem parte dessa estrutura. Mas é imprescindível que a própria instância a quem compete a execução da política pública conte com instrumentos de monitoramento e avaliação. Isso não é novo.
Os artigos 13 e 14 do Decreto-Lei 200, de 1967, estabelecem que o controle deve ser exercido em todos os níveis e órgãos, inclusive pelos responsáveis pela execução das ações governamentais, observada a abordagem de risco para evitar-se a instituição de controles meramente formais.
E o enfrentamento da corrupção?
Deve ser caracterizado como política pública? É claro que sim. Trata-se de fenômeno que inquieta a sociedade brasileira pelos seus efeitos nocivos no ambiente de negócios e na qualidade da prestação de serviços públicos.

Partindo-se dessa premissa, de que o combate à corrupção é política pública, deve-se pensar em instrumentos de planejamento, execução e controle que enderecem esse problema. É de se reconhecer os avanços alcançados pelo país, não só pelo aprimoramento legislativo e dos instrumentos de controle, mas também pela excelência da atuação de órgãos como a Controladoria-Geral da União, por exemplo.
Por sua resiliência e complexidade, a corrupção e seu enfrentamento deveriam ser tratados como agenda transversal do planejamento governamental. O PPA 2024-2027 tratou da transparência, integridade e combate à corrupção de forma periférica, infelizmente.
De qualquer forma, exatamente por sua natureza complexa, é extremamente difícil estabelecer-se métricas confiáveis que demonstrem a eficiência e efetividade das ações governamentais de enfrentamento da corrupção.
Nos últimos anos, ganhou relevância na mídia o chamado Índice de Percepção da Corrupção (IPC), apurado pela Transparência Internacional, como termômetro desse fenômeno no país. O relatório de 2023, por exemplo, destaca que o Brasil caiu 10 posições no ranking dos 180 países avaliados, apontando, sem evidências empíricas, as possíveis causas desse retrocesso.
Os problemas metodológicos para apuração do IPC já foram objeto de várias análises que apontaram sua fragilidade. Por outro lado, eventual perda de posição no ranking, sempre alardeada pela Transparência Internacional e veículos de imprensa, não é o grande problema.
A questão é que o Brasil nunca foi bem avaliado nesse índice. Desde 1995, ano de início do IPC, o país recebe pontuações baixas, sempre aparecendo na parte inferior da tabela. Nossa maior nota (43 pontos num total de 100) foi obtida em 2012 e 2014.
Recentemente a Controladoria-Geral da União divulgou a contratação de especialista para estudos e pesquisas sobre principais indicadores internacionais que medem a corrupção. A iniciativa é válida, mas, como política pública, o enfrentamento da corrupção precisa de indicadores de desempenho próprios, que possam ser apurados com metodologia transparente e confiável e que observem as características nacionais.
A gestão pública brasileira conta com experiência e informações suficientes para construí-los. Cito, como exemplo, o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), instituído por nós em abril de 2016 e hoje institucionalizado como conselho no âmbito do Ministério do Planejamento. O CMAP deveria adotar o enfrentamento da corrupção como uma das políticas públicas a serem monitoradas de forma contínua.
O certo é que o Índice de Percepção da Corrupção não serve como indicador de desempenho para avaliação da política de enfrentamento da corrupção no Brasil. É um erro enorme adotá-lo como critério de comparação com outros países. Da mesma forma, não se deve esperar que esse índice seja aprimorado ou que sua apuração se torne transparente, uma vez que não temos qualquer governança sobre o indicador.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!