Melhor interesse do credor é sinônimo de vale-tudo?
12 de julho de 2024, 19h35
No final de 2023, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) suspendeu uma decisão proferida no âmbito de execução fiscal. A decisão tomada pela primeira instância determinava, antes mesmo de ser efetivada a citação da parte devedora, o bloqueio de aproximadamente R$ 300 mil de suas contas bancárias. A história piora: a decisão foi tomada sem qualquer requerimento da União nesse sentido.

Para sustentar seu julgamento, o juiz de primeiro grau recorreu aos seguintes aspectos: presunção de veracidade da certidão de dívida ativa; predileção da Lei de Execuções Fiscais (LEF) pelo pagamento em dinheiro e idoneidade das medidas cautelares para garantir a efetividade da penhora — em outras palavras, uma maneira de evitar que o devedor, ao ser citado, esvazie suas contas.
Ao determinar o bloqueio online nas contas da parte devedora, o magistrado se valeu do poder geral de cautela por vislumbrar a presença dos requisitos que justificassem a medida, sendo eles a probabilidade do direito e o perigo na demora. No entanto, vale frisar novamente que isso foi feito antes mesmo de ser realizada — ou ao menos tentada — a devida citação da parte devedora.
Recurso e cancelamento
Por meio de recurso, a executada conseguiu que a indisponibilidade de bens fosse cancelada. O TRF-1 concluiu que a medida acautelatória se mostra, ao menos neste momento, equivocada. Isso porque não havia demonstração de risco de dano e perigo de demora que justificassem a resolução antes da citação do devedor.
Além disso, citando recente precedente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o TRF-1 também sustentou que “o perigo de dano não pode ser inferido a partir de mero temor subjetivo, devendo ser mostrado objetivamente”. Por fim, ainda dispôs que a medida acautelatória viola dispositivos da LEF e os artigos 829 e 830 do Código de Processo Civil (CPC).
É importante ressaltar que essa decisão ainda pode ser revista pelo TRF-1 em recurso da Fazenda Nacional ou, ainda, na análise do mérito do próprio recurso do devedor.
Questionamentos
O presente artigo busca abordar algumas questões relevantes envolvendo o caso. É possível a constrição de bens antes da citação do devedor? E ainda: será mesmo que o juiz pode determinar, a despeito de inexistir requerimento neste sentido pelo credor, o bloqueio de bens em caráter acautelatório?

Em relação à primeira proposição, admite-se, sim, em casos excepcionais, a adoção de medidas acautelatórias antes da citação do devedor para que seja preservado o crédito judicial. Para tanto, é preciso que, além de devidamente confirmados os requisitos legais (risco de dano e perigo de demora), se tenha evidenciado uma clara tentativa de ocultação por parte do executado com vistas a evitar a sua citação (incisos II e III, do artigo 7º da LEF).
Há também de ser levado em consideração que a eventual e indistinta constrição de bens, ainda mais em meio a um período pós-pandêmico com reflexos de uma severa crise global, pode prejudicar o cumprimento de uma série de obrigações do devedor.
A nosso ver, determinar a constrição de bens sem observar os requisitos legais e os outros aspectos que apontamos acima violaria o contraditório, além da sistemática dos artigos 7º, 8º e 10º da LEF e dos artigos 829 e 830 do CPC — pontos sobre os quais, inclusive, bem observou a decisão favorável ao devedor.
Quanto à segunda questão, entendemos não ser permitido ao juiz, sem pedido expresso do credor, determinar de ofício a efetivação de medidas cautelares. Em primeiro lugar, porque isso iria contra o princípio da congruência, que limita a decisão judicial ao pedido formulado pela parte autora — o juiz não pode, simplesmente, decidir fora dos limites dos pedidos por formulados (CPC, artigo 492).
Em segundo lugar, porque não se estaria diante de quaisquer das hipóteses em que é facultado ao magistrado decidir de ofício — isto é, sem o prévio requerimento das partes. E ainda que fosse este o caso, o artigo 10 do CPC estabelece que, mesmo nessas hipóteses, não é dado ao juiz o poder de decidir nada sem antes facultar às partes oportunidade de se manifestarem.
Rigor e cautela
Dessa maneira, podemos concluir que, antes da efetivação de qualquer medida acautelatória com possíveis impactos severos na vida negocial de quem está devendo, é preciso que seja bem analisada e verificada a presença dos requisitos legais para a sua concessão, bem como os demais aspectos que abordamos aqui.
Em especial, é preciso ter em mente que a aplicação de uma medida deste tipo poderá fulminar a atividade econômica do devedor — por isso, o rigor e a cautela são indispensáveis. As consequências podem ser drásticas.
Esperamos duas coisas: que a decisão do juiz da primeira instância, cujos efeitos foram por ora suspensos, não vire tendência. E que a suspensão prevaleça quando analisado o mérito do recurso do devedor. O melhor interesse do credor não pode significar o vale-tudo e a violação indistinta do direito daquele que deve. Há limites e rito impostos por lei que devem ser rigorosamente observados, não podendo ser flexibilizados ou superados de forma discricionária.
A decisão tomada no TRF-1 de suspender a constrição dos bens antes da citação do devedor reflete a importância de respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa. O equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor, especialmente em tempos de crise econômica, é essencial para garantir a justiça processual, evitando impactos severos e irreparáveis na vida do devedor e na economia como um todo.
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