Opinião

Relatório de provisões e sua importância para governança corporativa

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10 de julho de 2024, 9h27

Um dos serviços mais relevantes (e mal compreendidos) que os escritórios de advocacia prestam à governança das empresas é o de relatórios de provisões.

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A propósito, não raro os advogados encarregados da sua elaboração e os jurídicos internos dos clientes não estão alinhados sobre a compreensão e interpretação das regras do Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 25, que trata de Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, nem de suas consequências para a governança da empresa, o que pode gerar ruído na relação entre ambos e, no limite, acarretar desencontros indesejados de informações.

A causa disso pode ser, infelizmente, os cursos de graduação e pós-graduação em Direito que, geralmente, não proporcionam uma disciplina de contabilidade na qual os profissionais em formação tomem contato com o CPC 25, mesmo aqueles direcionados para a formação de profissionais voltados ao direito empresarial e ao mundo corporativo.

Por isso, os profissionais interessados em atuar no mundo corporativo, seja em escritórios de advocacia, seja nos jurídicos internos, devem se familiarizar com o CPC 25, cujos conceitos mais relevantes são o de “Provisão”, que “é um passivo de prazo ou de valor incertos”, enquanto que “Passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da entidade (…)”.

Já o “Passivo contingente é: (a) uma obrigação possível que resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controle da entidade; ou (b) uma obrigação presente que resulta de eventos passados, mas que não é reconhecida porque: (i) não é provável que uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos seja exigida para liquidar a obrigação (…)”.

Nessas circunstâncias, o principal papel dos profissionais do direito envolvidos na elaboração do relatório é, portanto, classificar o risco de perda de um processo, de modo a concluir que uma obrigação presente deve ser provisionada ou se pode ser classificada com passivo contingente.

A esse respeito, o CPC 25 estabelece que “(a) quando for mais provável que sim do que não que existe uma obrigação presente na data do balanço, a entidade deve reconhecer a provisão (se os critérios de reconhecimento forem satisfeitos); e (b) quando for mais provável que não existe uma obrigação presente na data do balanço, a entidade divulga um passivo contingente, a menos que seja remota a possibilidade de uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos”.

E, ainda, “uma saída de recursos ou outro evento é considerado como provável se o evento for mais provável que sim do que não de ocorrer, isto é, se a probabilidade de que o evento ocorrerá for maior do que a probabilidade de isso não acontecer”. “Quando não for provável que exista uma obrigação presente, a entidade divulga um passivo contingente, a menos que a possibilidade de saída de recursos que incorporam benefícios econômicos seja remota.”

Probabilidade de perdas

Uma leitura menos atenta do texto do CP C25 poderia até levar à conclusão de que a decisão quanto à probabilidade de risco de uma perda de um processo seja algo simples de ser feito. Mas a experiência mostra que não é. Afinal, identificar quais seriam os critérios para se definir se há maior ou menor probabilidade de perda depende do conhecimento da matéria sob julgamento, das provas produzidas no processo, das decisões já proferidas no processo e, da jurisprudência predominante.

Assim sendo, é absolutamente necessário que os escritórios e os jurídicos internos das empresas clientes estejam alinhados quanto aos critérios de classificação da probabilidade de risco de perda dos processos, os quais variam significativamente e dependem também do histórico da própria empresa, do seu local de atuação, do ramo em que atua, do nível de governança, dentre outros fatores não propriamente jurídicos.

Afinal, ambientes e contextos diferentes nos quais o direito é aplicado proporcionam resultados distintos e, portanto, parece razoável que as empresas estejam sujeitas a riscos diferentes entre si. Logo, um fato que pode gerar uma obrigação presente de maior probabilidade de ocorrer para uma empresa, pode ser menos provável para outra.

Por exemplo, em processos oriundos da fiscalização conduzida pelos mais variados órgãos do poder executivo, a probabilidade de perda depende necessariamente da capacidade da empresa produzir provas que desconstituam a presunção de veracidade dos atos administrativos. Ou seja, antes mesmo da judicialização, isto é, durante a tramitação dos processos administrativos sancionadores, já é possível ao profissional avaliar essa probabilidade.

Por outro lado, em processos judiciais de reparação de danos, a probabilidade de perda só é mais bem avaliada após uma sentença em primeira instância, a qual pode ser analisada à luz dos precedentes dos tribunais em casos semelhantes, por exemplo. E há ainda aquelas situações em que o risco pode vir a ser reavaliado, diante de uma nova decisão judicial dos tribunais superiores, proferida em regime de recursos repetitivos. Aliás, há alguns exemplos recentes disso no direito tributário.

Por isso, é essencial que tanto os escritórios de advocacia, quanto os jurídicos internos das empresas proporcionem treinamentos e capacitações complementares para os seus membros, de modo que conheçam melhor e compreendam como aplicar apropriadamente o CPC 25 em seus respectivos relatórios, independentemente dos alinhamentos periódicos sobre os parâmetros e critérios de risco e de probabilidade de perda adotados.

Afinal, as provisões e os passivos contingentes influenciam diretamente nos resultados das demonstrações financeiras, que são fundamentais para os stakeholders das empresas, uma vez que influenciam na decisão de investidores interessados na geração de caixa da empresa, como também na sua capacidade de pagamento das dívidas que tomam junto às instituições financeiras, ou ainda nos prêmios de seguros que podem ser cobrados para que determinadas coberturas sejam oferecidas e, isso influencia até mesmo nos resultados sobre os quais os bônus e a remuneração variável de gestores são calculados.

Ou seja, são muitos e variados os interesses juridicamente protegidos que dependem do provisionamento que os relatórios de escritório de advocacia elaboram e, portanto, os critérios devem ser robustos e firmemente lastreados nas regras do CPC 25.

Por isso, a principal preocupação dos escritórios e do jurídico interno deve ser evitar uma classificação de risco equivocada, seja por culpa, seja por dolo, pois caso haja um equívoco culposo ou doloso na classificação e os resultados das demonstrações financeiras induzirem terceiros em erro, os profissionais envolvidos na elaboração dos relatórios podem vir a ser responsabilizados.

Afinal, o Código de Ética da Advocacia preceitua, em seu artigo 8º, que o “advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda”.

No entanto, é preciso deixar bem claro que a decisão final de provisionar, seja em consonância ou não com o diagnóstico dos relatórios dos escritórios de advocacia encarregados dos processos ou de outros experts que vierem a ser consultados, é sempre dos órgãos internos de administração da empresa, pois apesar do dever ético do advogado de informar os risco de forma clara e inequívoca, o artigo 195 da Lei das SAs não deixa margem de dúvida a respeito, incumbindo expressamente a assembleia geral de acionistas de tomar essa decisão a partir de proposta dos órgãos de administração.

Enfim, a contribuição que os escritórios de advocacia podem oferecer à governança de seus clientes começa necessariamente pelos relatórios de provisões.

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