Opinião

Rede Resolve: negociação e mediação para evitar mais uma jabuticaba

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10 de julho de 2024, 21h27

O fenômeno das leis que não vingam no Brasil é mais uma jabuticaba, fruta exclusivamente nacional. Com a forte cultura da judicialização brasileira, todo e qualquer diploma legal que trate dos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos nasce junto com a sombra e o receio de se tratar de mais uma regra que não sobrevive ao mundo real e se restringe à esfera do “dever-ser”, que nunca se transforma no “é”.

Rômulo Serpa/CNJ
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Após a publicação das regras previstas pela Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Código de Processo Civil de 2015, da Lei de Mediação (Lei nº 13.140, de 2015) e, para completar, da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133, de 2021), todas abordando e incentivando, de alguma forma, os métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, é permanente a preocupação de concretizar na prática um “sistema multiportas” em que se escolha o caminho verdadeiramente mais adequado para resolver disputas.

Foi nesse contexto que, na última quinta-feira, dia 4 de julho de 2024, a Presidência da República publicou o Decreto nº 12.091, que institui a Rede Federal de Mediação e Negociação, a Resolve.

A Resolve tem como objetivo criar um sistema para organizar, promover e aperfeiçoar o uso da autocomposição de conflitos na administração pública federal (direta, autárquica e fundacional). Isso significa que passará a existir, no âmbito da União, uma atuação estratégica na prevenção e gerenciamento de conflitos, em que se fomenta, a partir do conceito de adequação, a adoção de boas práticas e se incentiva a utilização de métodos consensuais de resolução de conflitos, especialmente a negociação e a mediação.

Para alcançar esses fins, a Resolve deverá priorizar e agilizará os procedimentos de mediação, estabelecendo-os como políticas institucionais prioritárias. Além disso, elaborará subsídios para fluxos de trabalho adequados à autocomposição, incentivará mecanismos de proteção à atuação do advogado público, gerenciará informações provenientes dos procedimentos para aprimorar políticas públicas e promoverá a capacitação e a disseminação de conhecimentos sobre métodos consensuais.

A estrutura organizacional da Resolve será composta por um órgão superior (Comitê Gestor), um órgão central (AGU), unidades setoriais de mediação (Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal — CCAF, já com histórico de soluções consensuais; câmaras especializadas e Comitês de Resolução de Disputas, os chamados “dispute boards”, que também foram incluídos), unidades setoriais de negociação (equipes responsáveis por transações e acordos vinculadas à procuradorias federais), além de pontos focais designados pelos órgãos, autarquias e fundações da administração pública federal.

Spacca

A concretização de um sistema para a busca de soluções consensuais reflete uma intenção de mudança de paradigma na gestão de conflitos na administração pública federal. Ao invés de simplesmente reagir a disputas, a administração pretende adotar uma postura proativa, antecipando e prevenindo conflitos sempre que possível. Quando inevitáveis, os conflitos deverão ser gerenciados de forma estratégica, buscando soluções consensuais que preservem os interesses da administração e das partes envolvidas.

Grande parte dos conflitos envolvendo a administração pública advém das licitações e dos contratos administrativos. Nesse sentido, o artigo 151 da nova lei que trata da matéria estabeleceu que as controvérsias decorrentes da execução de contratos administrativos poderão ser solucionadas por meio de arbitragem ou de outros meios consensuais de solução de conflitos, notadamente conciliação, medição e os chamados dispute boards.

Essa previsão legal vai ao encontro dos objetivos da Rede Resolve, que busca organizar, promover e aperfeiçoar o uso da autocomposição de conflitos envolvendo a União, com o objetivo, inclusive, de reduzir a litigiosidade e os contenciosos judicial e administrativo.

A implementação da Resolve representa, portanto, um marco importante na intenção de modernizar a gestão pública no Brasil. Ao consolidar o uso de métodos consensuais de resolução de conflitos como uma prática padrão na União, o sistema contribui para a pacificação social, promoção de acesso à justiça, ampliação da confiança no setor público, bem como para a concretização dos princípios do nosso ordenamento jurídico e cumprimento das nossas leis de modo evitar a criação de mais novas e ineficazes jabuticabas normativas.

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