Cessão de ativos judiciais trabalhistas e preservação da natureza dos créditos
2 de julho de 2024, 16h18
A cessão de créditos judiciais trabalhistas é uma prática que levanta importantes questões jurídicas, particularmente em relação à manutenção da natureza desses créditos após a cessão. A natureza trabalhista dos créditos é fundamental porque garante privilégios específicos, como a prioridade no pagamento e a proteção contra penhoras. Este artigo explora a preservação da natureza e da competência nos créditos trabalhistas cedidos, com base na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os créditos trabalhistas são reconhecidos como direitos de natureza alimentar, destinados a garantir a subsistência dos trabalhadores e suas famílias. Essa natureza confere privilégios importantes, como, por exemplo, a prioridade no pagamento em casos de falência ou recuperação judicial do empregador.
A cessão de crédito, por sua vez, refere-se à transferência de um crédito de uma pessoa (cedente) para outra (cessionário). No contexto dos créditos trabalhistas, essa prática pode levantar dúvidas sobre a continuidade dos privilégios associados ao crédito, uma vez que o novo titular não é o trabalhador original.
O TST e os Tribunais Regionais têm reiterado que a cessão de créditos trabalhistas não modifica sua natureza de direito alimentar. A seguir, analisamos algumas decisões emblemáticas.
“CESSÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. POSSIBILIDADE. Não provado qualquer vício na cessão de crédito realizada pelo exequente, resta transferida ao cessionário a titularidade do direito, nos termos do art. 286 do Código Civil e § 4º do art. 83 da Lei n. 11.101/2005, a quem compete daí por diante a persecução do respectivo recebimento, e não ao cedente, o qual não tem direito ao prosseguimento da execução trabalhista em relação ao crédito cedido”. (TRT-23 – AP: 00000859220155230131 MT, Relator: AGUIMAR PEIXOTO, Gab. Des. Roberto Benatar, Data de Publicação: 18/06/2021)
“CESSÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. POSSIBILIDADE E COMPETÊNCIA PARA EXECUÇÃO. MANUTENÇÃO DA NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO. PRECEDENTES DO STF. A cessão de crédito do crédito trabalhista é possível, desde que cumpridos os requisitos do negócio jurídico, matéria a ser decidida meritoriamente, perante a Justiça do Trabalho, que mantém a competência para execução do valor devido ao cessionário. A natureza alimentar da dívida cedida prevalece, mas seus efeitos em relação aos responsáveis pela dívida deve ser analisada com observância do devido processo legal. Precedentes do STJ e STF. Agravo de petição a que se dá provimento”. (TRT-2 – AP: 01384003319965020008, Relator: BIANCA BASTOS, 9ª Turma)
Essas decisões reforçam o entendimento de que a natureza do crédito se transfere junto com a cessão, protegendo os privilégios associados ao crédito original. O TST considerou que:
” RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL ANTERIOR À VIGÊNCIA LEI 13.467/2017. NULIDADE DO ACÓRDÃO. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. Hipótese em que o Tribunal de origem manifestou-se a contento acerca das questões fáticas necessárias ao deslinde da controvérsia. Não se reconhece, pois, a nulidade suscitada. Recurso de revista não conhecido, no tema. 2. AÇÃO ANULATÓRIA DE ADJUDICAÇÃO. CESSÃO DE CRÉDITO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO DA NATUREZA ALIMENTAR DA PARCELA. TEMA 361 DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. 2.1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgamento do 631.537/RS, de Relatoria do e. Ministro Marco Aurélio, examinou o Tema 361 de repercussão geral, concernente à “Transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado”. Na decisão, que transitou em julgado em 19.06.2020, foi firmada a tese de que “A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza”. 2.2. No caso dos autos, em que efetivada a cessão de crédito de honorários advocatícios, deverá ser mantida a sua natureza alimentar em relação ao novo credor da parcela cedida. Recurso de revista conhecido e provido, no tema. (TST – RR: 0002064-21.2014.5.02.0063, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 06/12/2023, 1ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023)
A decisão destaca, inclusive, importante precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à manutenção da natureza do crédito alimentar após a sua cessão, em julgamento de tema de repercussão geral,
O STJ tem adotado uma abordagem semelhante à do Tribunal Superior do Trabalho, reforçando a manutenção da natureza dos créditos trabalhistas após a cessão.
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ART. 128, §§ 4º E 5º DA LEI N. 8.213/1991. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE OFENSA A DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF. CESSÃO DE CRÉDITO INSCRITO EM PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. ART. 100, §§ 13 E 14, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 114 DA LEI N. 8.213/1991. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DO BENEFÍCIO PER SE QUE NÃO OBSTA A CESSÃO DE CRÉDITO ORIUNDO DE AÇÃO PREVIDENCIÁRIA INSCRITO EM PRECATÓRIO. VIABILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL EX OFFICIO DO NEGÓCIO JURÍDICO DE TRANSMISSÃO CREDITÍCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 168, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, no caso, o Código de Processo Civil de 2015.II – A jurisprudência deste Tribunal Superior considera que quando a arguição de ofensa ao dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se, por analogia, o entendimento da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal.III – A cessão de créditos inscritos em precatórios, autorizada pelo art. 100, §§ 13 e 14, da Constituição da Republica, permite ao credor, mediante negociações entabuladas com eventuais interessados na aquisição do direito creditício com deságio, a percepção imediata de valores que somente seriam obtidos quando da quitação da dívida pelo Poder Público, cujo notório inadimplemento fomenta a instituição de mercado dos respectivos títulos, abrangendo, inclusive, as parcelas de natureza alimentar.IV – Conquanto o princípio da intangibilidade das prestações da Previdência Social, estampado no art. 114 da Lei n. 8.213/1991, vede a cessão dos benefícios per se, obstando, por conseguinte, a alienação ou transmissão irrestrita de direitos personalíssimos e indisponíveis, ao titular de crédito inscrito em precatório, inclusive o oriundo de ação previdenciária, faculta-se a transferência creditícia do título representativo a terceiros, porquanto direito patrimonial disponível passível de livre negociação.V – A possibilidade de cessão de precatórios decorrentes de ações previdenciárias não impede o juiz de controlar ex officio a validade de sua transmissão, negando a produção de efeitos a negócios jurídicos eivados de nulidade, independentemente de ajuizamento de ação própria, como dispõe o art. 168, parágrafo único, do Código Civil.VI – Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.” (STJ – REsp: 1896515 RS 2020/0126714-5, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 11/04/2023, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/04/2023)
O Tribunal destacou que a cessão de créditos deve respeitar a essência e os privilégios inerentes ao crédito trabalhista, assegurando a integridade do direito de natureza alimentar.
Além disso, de acordo com entendimento do Tribunal Regional da 8ª Região pelo relator desembargador Francisco Sergio Silva Rocha, a competência da justiça do trabalho não sofre quaisquer alterações pelo ingresso de um cessionário na demanda, já que a competência é determinada pelo momento que a ação é proposta.
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RELEVÂNCIA É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA – IAC. TEMA : “Incumbe à Justiça do Trabalho a competência para conhecer e julgar a pretensão executiva (ou de cobrança) de crédito trabalhista reconhecido em sentença, independentemente de sua cessão a terceiro (TRT: 0002088-61.2023.5.08.0000 Relator: Francisco Sergio Silva Rocha, Data de Julgamento: 04/03/2024)
As decisões do TST e do STJ refletem uma abordagem consistente no sentido de que a cessão de créditos trabalhistas não altera sua natureza alimentar. Vários pontos se destacam na análise dessas decisões:
- Proteção ao trabalhador: as decisões buscam proteger os direitos dos trabalhadores, garantindo que a natureza alimentar dos créditos seja preservada mesmo após a cessão. Isso evita que trabalhadores sejam prejudicados por cessões que poderiam, de outra forma, enfraquecer os privilégios de seus créditos.
- Segurança jurídica: a manutenção da natureza do crédito proporciona segurança jurídica aos cessionários, que podem contar com os mesmos privilégios que seriam atribuídos ao trabalhador original. Isso é essencial para a confiança nas operações de cessão de crédito trabalhista.
- Privilégios processuais: os créditos trabalhistas, uma vez cedidos, continuam a desfrutar dos privilégios processuais, como prioridade no pagamento e proteção contra penhora, conforme estabelecido pela legislação e reiterado pela jurisprudência.
- Conformidade com a legislação: as decisões dos Tribunais estão em conformidade com o Novo Código de Processo Civil e a Lei de Falências e Recuperação Judicial, que protegem a natureza dos créditos alimentares em situações de cessão.
- Competência da Justiça do Trabalho: as decisões dos Tribunais garantem a permanência da competência da Justiça do Trabalho,
A jurisprudência consolidada dos Tribunais garante que a cessão de créditos judiciais trabalhistas não compromete a sua natureza alimentar e nem a competência da Justiça do Trabalho. Essa preservação é fundamental para proteger os direitos dos trabalhadores e assegurar a continuidade dos privilégios associados aos créditos trabalhistas. A manutenção da natureza dos créditos após a cessão promove uma maior segurança jurídica e estabilidade nas operações envolvendo créditos trabalhistas, beneficiando tanto os trabalhadores quanto os cessionários.

Uma questão importantíssima sobre a manutenção da competência, tem relação que por vezes a cessão é parcial, somente dos honorários ou/e com previsão de pagamento de earn-out (pagamento adicional ao final do processo). Isso ocorre dado ao fato de que o direito não é uma ciência exata, e pode ocorrer do valor vir maior do que o considerado quando da época da cessão.
Assim, para que seja um negócio justo, é corriqueiro que as cessões relacionadas a processos trabalhistas contenham previsão desse pagamento adicional e garantindo proteção ao trabalhador e seu advogado. Ocorrendo a mudança na competência ou natureza, o trabalhador e advogado ficariam desamparados e teriam prejuízos no prazo e no valor que deveriam de fato receber.
Desta maneira, torna-se imprescindível que os Tribunais, em sua integralidade, sigam essa linha de entendimento para garantia e preservação e segurança jurídica dos direitos dos trabalhadores, bem como se espera que ocorra uma regulamentação para que tanto a natureza, quanto a competência da justiça do trabalho permaneçam inalteradas, trazendo uma maior segurança para advogados e credores com processos e precatórios de natureza trabalhista, dando acesso a uma alternativa de crédito sem precisar recorrer a empréstimos bancários com juros altíssimos.
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