Opinião

A ADC nº 49 e o navio de Teseu

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  • é advogado Tributarista da Moacyr Oliveira Advogados mestre em direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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23 de janeiro de 2024, 19h12

O paradoxo do navio de Teseu é um dilema filosófico que questiona a identidade e a continuidade de um objeto ao longo do tempo, explorando a natureza da mudança e da preservação. A história é sobre o herói grego Teseu, que possui um navio que ao longo dos anos tem todas as suas peças substituídas em razão do desgaste do tempo. Assim, o referido paradoxo questiona se todas as peças originais do navio forem gradualmente trocadas, ele ainda permanece sendo o mesmo?

Assim como o navio de Teseu, o tema da incidência de ICMS sobre as operações de transferências também substituiu suas “peças” ao longo do tempo, ainda que permaneçam com os mesmos objetivos e procedimentos, incluindo os mesmos problemas!

Embora o julgamento da ADC nº 49 pelo Supremo Tribunal Federal confirmasse o entendimento majoritário do Poder Judiciário, o qual “não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”. (Tema 1.099 do STF), sua aplicação trouxe incertezas sobre quais serão os novos procedimentos a serem adotados pelos estados.

Com efeito, lembramos que o presidente da República vetou parte do Projeto de Lei nº 116/2023 [1], que deu origem à Lei Complementar nº 204/2023 [2], publicada no dia 29 de dezembro de 2023, que estabelecia que o contribuinte teria a “opção” (faculdade) de equiparar a operação como se fosse sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto, sob o pretexto de que a proposição legislativa tornaria mais difícil a fiscalização tributária e elevaria a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão.

Nesse mesmo sentido, o Convênio ICMS nº 178/2023 [3] do Confaz prevê a obrigatoriedade da transferência do crédito de ICMS para o estabelecimento de destino, com o consequente destaque do imposto na nota fiscal que acobertará essa remessa.

O Confaz publicou o Convênio ICMS nº 228, de 29 de dezembro de 2023 [4], que permitiu que os contribuintes continuem aplicando os mesmos procedimentos de emissão de documentos fiscais, vigentes em 31 de dezembro de 2023, em relação às transferências interestaduais de mercadoria entre estabelecimentos de mesma titularidade, bem como já havia sido publicado, no dia 26 de dezembro de 2023, o Convênio ICMS nº 225/2023 [5], que dispõe sobre os regimes de substituição tributária e de antecipação de recolhimento do ICMS nas referidas operações, com o encerramento da tributação.

Sendo assim, antigos e novos questionamentos surgem:

  • Inexistindo incidência de ICMS nas transferências, é permitido a cobrança do ICMS-ST?
  • Em razão da obrigatoriedade no destaque da nota fiscal com a alíquota de ICMS de destino, os estabelecimentos que possuem isenção na entrada da mercadoria podem não destacar o referido imposto?
  • As mesmas regras se aplicam para os bens de uso e consumo e ativo imobilizado?
  • Aquisição interna com diferimento (sem crédito) na cadeia anterior, o contribuinte poderá transferir crédito do saldo credor para o estabelecimento do destino?

O professor Humberto Ávila ensina que só existe segurança jurídica quando o direito for compreensível, estável e previsível, o que, todavia, foram retirados do navio das transferências [6].

Diante da declaração de inconstitucionalidade dos artigos que, por mais de 25 anos, regulamentavam as operações de transferência, os estados enfrentarão novas e importantes discussões sobre o ICMS, apesar da recente aprovação da reforma tributária que prevê a extinção desse imposto.


[1] – PLP 116/2023 – Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2363309>

[2] – LEI COMPLEMENTAR Nº 204, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2023 – Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp204.htm>

[3] – CONVÊNIO ICMS Nº 178, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2023 – Disponível em <https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2023/CV178_23>

[4] – CONVÊNIO ICMS Nº 228, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2023 – Disponível em <https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2023/CV228_23>

[5] – CONVÊNIO ICMS Nº 225, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2023- Disponível em <https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2023/CV225_23>

[6] – ÁVILA, HUMBERTO. TEORIA DA SEGURANÇA JURÍDICA. 5 ED. SÃO PAULO: MALHEIROS, 2019.

Autores

  • é advogado Tributarista da Moacyr Oliveira Advogados, mestre em direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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