Cabimento do IDPJ em execução fiscal
23 de fevereiro de 2024, 6h06
Este brevíssimo escrito tem por objeto tecer algumas considerações a respeito da admissibilidade, ou não, do IDPJ (incidente de desconsideração da personalidade jurídica) em sede de execução fiscal, para fomentar o debate a respeito, principalmente por conta de estar a matéria sendo debatida no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), afetada ao rito dos recursos repetitivos.
Considerando que avizinha-se, assim, a formação de tese vinculante sobre a questão, faz-se necessário o debate da comunidade jurídica, inclusive para que aqueles que participarem do feito onde a tese está sendo discutida, possam debater em contraditório amplo e com representatividade adequada, para a melhor tomada de decisão.
Não obstante os valiosos posicionamentos em contrário, este artigo defende a compatibilidade. Com efeito, nos parece perfeitamente compatível a aplicação do incidente de desconsideração de personalidade jurídica na execução fiscal.
Razões para admissão da compatibilidade
É certo que o STJ não tem posição uníssona sobre a matéria. Enquanto a 1ª Turma entende haver compatibilidade, a 2ª Turma afasta tal compatibilização, como se vê no AgInt nos EDcl no REsp 1.861.880/SE.
A argumentação no sentido da incompatibilidade repousa no argumento de que a execução fiscal segue procedimento específico, onde a defesa do devedor exige a prévia garantia do juízo.
A nosso juízo, tal não representa a melhor solução. Inicialmente porque o terceiro não é devedor na execução, já que não figura no título executivo para apresentação de embargos. Tecnicamente poder-se-ia cogitar da utilização da exceção de pré-executividade, mas o âmbito de cognição da mesma é restrito, não se prestando, na maior parte das vezes, à dilação probatória necessária.
Compelir assim o terceiro, que não figura no título executivo, a se submeter à constrição patrimonial, para só então discutir se no caso concreto se afiguram presentes as hipóteses de responsabilização, fere o direito de defesa e o direito de oitiva prévia.

Não se trata apenas da constrição patrimonial, mas do fato de se incluir na execução fiscal, como sujeito passivo, aquele que não figurando no título executivo, não é devedor.
Essa ampliação do polo passivo, assim, deve observar estritamente a apuração, no caso concreto, da presença das hipóteses de responsabilização, seja pela disregard em específico (grupos econômicos, cisão societária), seja pela imputação de responsabilidade em decorrência da lei tributária (artigos 134 e 135 do CTN).
O argumento de incompatibilidade do IDPJ, inclusive como via de incidente de responsabilização, não se sustenta a uma análise mais acurada.
Não há, por exemplo, que se falar aqui em necessidade de previsão em lei complementar, já que se há execução fiscal em andamento, a matéria rege-se pelas normas processuais.
Não apenas a própria LEF faz previsão de aplicação das normas do CPC, ainda que de forma subsidiária, como também a execução fiscal é modalidade de execução por título extrajudicial, donde inserida no art. 134 do Código de Processo Civil.
O IDPJ, assim, será o espaço adequado para que sejam apuradas as mais diversas situações de redirecionamento da execução, como, por exemplo:
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Nos casos de grupo econômico e cisão societária, para a verificação da presença dos requisitos do art. 50 do CC, em especial no que concerne a confusão patrimonial.
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No caso do art. 134, VII do CTN, para que o sócio tenha a oportunidade de demonstrar que a pessoa jurídica tem patrimônio suficiente para a satisfação do crédito
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Nos casos do art. 135 do CTN, para que o terceiro tenha condições de demonstrar que não laborou com excesso de poderes, ou que não ofendeu a lei ou o contrato.
Pode-se até reconhecer que quando a questão envolve aplicação de desconsideração de personalidade jurídica em sentido estrito, como nos casos da letra a acima, o ônus de demonstrar a presença dos requisitos para a imputação da responsabilidade a terceiros é do credor. Já quando a imputação da responsabilidade decorre de previsão legal, o ônus da prova seria do devedor.
De todos conhecida a orientação jurisprudencial firmada na súmula 435 do STJ:
Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.
Todavia, de todos sabido que a atualização dos dados cadastrais das empresas nos órgãos públicos não reflete necessariamente o que constou na CDA.
Por vezes a alteração foi realizada no interregno da constituição da CDA e a diligência na execução fiscal. Agride o direito de defesa do terceiro ser incluído no polo passivo de processo executivo, sofrendo constrição patrimonial, sem a oportunidade de demonstrar que a pessoa jurídica não de dissolveu, mas está simplesmente operando em outro endereço.
Lembre-se que além da constrição patrimonial, o fato de figurar no polo passivo de execução fiscal pode acarretar sérias limitações, inclusive vedação de participar de procedimento concorrencial.
Diante disto é que temos que o IDPJ é compatível com a execução fiscal, e mais do que isso, é necessário para garantia do devido processo legal, não havendo que se falar em acarretar à Fazenda risco de frustrar seu direito, eis que conforme as circunstâncias do caso concreto, ao instaurar o incidente, poderá o julgador deferir medida assecuratória em favor do credor.
Inobstante a doutrina se posicionar no sentido favorável à necessidade do IDPJ, a 1ª Turma do STJ, ainda que reconheça a compatibilidade do incidente com o procedimento da execução fiscal, apenas a admite nos casos típicos de aplicação da disregard, afastando sua necessidade quando a questão repousa na imputação de responsabilidade decorrente dos artigo 134 ou 135 do CTN, como julgado no Agravo Interno no Recurso Especial 2020/0058972-1
Não obstante tal orientação, nos parece que o fato da imputação da responsabilidade decorrer da previsão legal do CTN, a apuração da presença dos elementos previstos nos artigos 134 e 135 do referido diploma legal devem se dar em sede de incidente onde se garanta ao terceiro direito a contraditório prévio e ampla defesa, para fins de permitir-se ao mesmo demonstrar que o caso concreto não autoriza o reconhecimento da responsabilidade do terceiro.
Neste sentido importante passo foi dado pelo TRF-3, que, julgando o IRDR 0017610-97.2016.4.03.0000, definiu a seguinte tese:
Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN, sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados [1]
Inobstante nos parecer que em relação ao artigo 134 do CTN não deveria haver o afastamento do IDPJ, tal precedente demonstra importante evolução jurisprudencial, que deve servir de paradigma para a compatibilização do redirecionamento da execução fiscal a terceiro com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório material.
À guisa de conclusão
A matéria, porém, continua dividindo os Tribunais, tanto que, no encontra-se afetada para fixação de tese pelo STJ, sob o tema 1.209, cuja tese em discussão é justamente a seguinte:
Definição acerca da (in)compatibilidade do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, previsto no artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da execução fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório.
Ficam expostas aqui as razões pelas quais, neste momento e na brevíssima visão desta articulista, devem ser considerados na discussão do tema os argumentos referentes à garantia do contraditório pela via do IDPJ.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2014.
BARROS, Alisson Victor Rodrigues. Personalidade jurídica e responsabilidade civil do microempreendedor individual. Revista Jurídica do Banco do Nordeste. Volume 01, Nº 4, Julho – Dezembro/ 2016.
GIANNICO NETO, Francisco Etore. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2019.
PEREIRA, Lucas Lobo. Responsabilidade Tributária e desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. São Paulo: Almedina. 2019.
[1] http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/7877737
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