Por uma reforma tributária discutida e estudada durante a graduação em Direito
15 de fevereiro de 2024, 9h16
Uma das coisas mais belas do bacharelado em Direito é a multiplicidade de áreas e temas sobre os quais os discentes do curso têm acesso, inclusive por força de determinação educacional por parte do Ministério da Educação (MEC) [1]. Tais discentes possuem um perfil cada vez mais abrangente [2], com diferentes raízes que desembarcam, por exemplo, no estudo do Direito Constitucional, do Direito Empresarial e, não menos importante, no estudo do Direito Tributário.
A reforma tributária
Essa última área, por sinal, perpassa por mudanças profundas que devem ser discutidas e estudadas na graduação. Diz-se isso em razão da promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, popularmente conhecida como reforma tributária. Oficialmente, ela decorre da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019, a qual dispõe em sua justificativa [3]:
“O modelo proposto busca simplificar radicalmente o sistema tributário brasileiro, sem, no entanto, reduzir a autonomia dos Estados e Municípios, que manteriam o poder de gerir suas receitas através da alteração da alíquota do IBS (…) Os efeitos esperados da mudança proposta são extremamente relevantes, caracterizando-se não apenas por uma grande simplificação do sistema tributário brasileiro – com a consequente redução do contencioso tributário e do custo burocrático de recolhimento dos tributos –, mas também, e principalmente, por um significativo aumento da produtividade e do PIB potencial do Brasil.”
Com sua promulgação, fica estabelecido que o Brasil deixará de ter o:
- Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS);
- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
- Imposto sobre Serviços (ISS);
- Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS); e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Tais tributos serão substituídos pelos seguintes:
- Contribuição sobre Bens, Direitos e Serviços (CBS);
- Imposto sobre Bens, Direitos e Serviços (IBS);
- Imposto Seletivo (IS);
- Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide-ZFM/ALC); e
- Contribuição Estadual sobre Produtos Primários e Semielaborados (Cepps).
Para além da alteração sobre quais tributos (o que importa também na definição do respectivo fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito ativo e passivo e outras questões técnicas que fogem do presente artigo), deve-se destacar que o atual sistema e o novo terão um período de transição de décadas. Apenas para fins de exemplo, em 2026, haverá a instituição da CBS à alíquota de 0,9% e o IBS à alíquota estadual de 0,1%, sem prejuízo dos tributos já existentes conviverem com estas.
Estudar a reforma
Em vistas do regime de transição previsto, mostra-se imperioso que, de uma forma ou de outra, as mais de 1.800 faculdades de Direito do Brasil [4] incorporem na grade curricular aulas para estudo da EC nº 132/2023 (sem prejuízo de eventos, seminários, congressos, abertura de edital de bolsas de pesquisas e afins), sob pena de graves prejuízos ao processo educacional, na qualidade de futuros profissionais e na ciência jurídica, o que já é perceptível em diferentes estabelecimentos de ensino [5]
Afinal, sobre o aspecto da ciência jurídica, alterações no Sistema Tributário Nacional importam em alterar a dinâmica de geração e permanência de empregos, de distribuição de renda, de manutenção do pacto federativo, de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), de financiamento da cultura, em suma, das multifaces que a liberdade humana tem o condão de criar.

Sem o aspecto da ciência jurídica, o processo educacional adoce e os profissionais que dele nascem são afligidos em todas as estirpes do Direito.
Não há em se falar em Direito a Saúde sem compreender que tributos sobre o consumo, mediante o repasse de receitas entre os entes da federação, quando de sua arrecadação, financiam o SUS [6].
Não há Direito do Trabalho robusto sem refletir que o sistema tributário, vigente ou futuro, atrai ou afasta a contratação de trabalhadores sobre o regime empregatício da Consolidação das Leis do Trabalho, tal como também a geração e manutenção de empresas ou investimentos estrangeiros [7].
Não há Direito ao Meio Ambiente consolidado sem considerar que o ecossistema tributário, com benefícios fiscais ou regimes específicos de tributação a poluidores, traduz na permanência de uma matriz energética e cadeia de suprimentos emissora de gases de efeito estufa que condenam as próximas gerações a sobreviver em ambientes danosos a fauna e flora [8].
Conclusão
Em suma, a EC nº 132/2023 tem o condão de aprofundar as crises pelo qual o Brasil passa nas últimas décadas, da mesma forma que tem a oportunidade de alterar a vida dos brasileiros, começando pelos operadores do Direito, sejam os presentes e os futuros. Que sua implementação passe pelos corredores do ensino superior e, assim, se progrida para uma reforma que atinja seus nobres objetivos.
[1] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução Nº 5/2018, Art. 5, inciso II. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2018-pdf/104111-rces005-18/file. Acesso em: 11 de Fev. 2024
[2] Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil publicou estudo importante em parceria com a Fundação Getúlio Vargas sobre o Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira. Nesse sentido: Ordem dos Advogados do Brasil. OAB divulga dados inéditos sobre o perfil da advocacia brasileira. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/61715/oab-divulga-dados-ineditos-sobre-o-perfil-da-advocacia-brasileira. Acesso em: 11 de Fev. 2024.
[3] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda Constitucional Nº 2019. Págs. 23 – 24. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1728369. Acesso em 11 de Fev. 2024.
[4] Ordem dos Advogados do Brasil. Brasil tem 1 advogado a cada 164 habitantes; CFOAB se preocupa com qualidade dos cursos jurídicos. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa-com-qualidade-dos-cursos-juridicos. Acesso em: 11 de Fev. 2024.
[5] FOLHA DE SÃO PAULO. Enade: 33% dos cursos privados de direito têm nota baixa. Disponível: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2023/10/um-terco-dos-cursos-privados-de-direito-tem-nota-baixa-em-avaliacao-federal.shtml#. Acesso em: 11 de Fev. 2024.
[6] Instituto de Pesquisa Econômica Avançada. FINANCIAMENTO PÚBLICO DA SAÚDE: UMA HISTÓRIA À PROCURA DE RUMO. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1580/1/TD_1846.pdf. Acesso em 11 de Fev. 2024.
[7] Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Resultados da Consulta Pública do Custo-Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2023/setembro/mdic-define-oito-eixos-de-atuacao-para-reduzir-custo-brasil/resultados_cp_custo-brasil.pdf. Acesso em 11 de Fev. 2024.
[8] Instituto de Pesquisa Econômica Avançada. Política tributária e incentivo a tecnologias sustentáveis: o Brasil na contramão? Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/309-politica-tributaria-e-incentivo-a-tecnologias-sustentaveis-o-brasil-na-contramao#. Acesso em 11 de Fev. 2024.
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