Opinião

Julgamento do vínculo de emprego dos entregadores por aplicativos: o STF vai errar

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  • é juiz do Trabalho titular da 1ª Vara de Vitória da Conquista (BA) no TRT-5 mestre e doutor em Direito do Trabalho pela USP e professor da Faculdade de Direito da FGV-SP.

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7 de fevereiro de 2024, 6h04

Nesta quinta-feira (8/2), o Supremo Tribunal Federal errará em um julgamento grave e o fará por ao menos cinco motivos. Para análise do recurso na Reclamação Constitucional 64.018, a Procuradoria Geral da República contrariou as manifestações do próprio Ministério Público do Trabalho e deu parecer favorável à empresa. Errou. Agora, o STF errará, pelos motivos:

Primeiro: a análise da existência de vínculo de emprego entre dois contratantes revela-se nos fatos. É um “contrato-realidade”. Não valem os documentos escritos, as notas fiscais ou as promessas. A leitura dos fatos como aconteceram permitirá concluir se ocorreu ou não contrato de emprego. O STF não analisa fatos. Não pode e não tem mecanismos jurídicos para isso. Se o faz, vira uma instância inexistente no sistema judiciário.

O segundo: as decisões que a reclamação pretende tutelar reconhecem a constitucionalidade de diferentes formas do contrato de pessoas para o trabalho, o que não significa, em abstrato, que, sempre que adotadas, afastam o vínculo de emprego. A prática de fraude para mascarar o contrato de trabalho com a economia de impostos não é rara. Dizer, então, que é constitucional, não significa que no caso concreto (das tais provas de fato) a contratação seja lícita.

tomaskju/Pxhere

O terceiro: o tema diz respeito ao mundo do trabalho e o Judiciário brasileiro tem um órgão especializado nisso, a Justiça do Trabalho. O tribunal tende a afastar a competência do juiz especializado, porque o contrato não é de emprego. Ignora que desde a Emenda Constitucional 45 (2004), a JT resolve lides das relações de trabalho (gênero), não apenas das de emprego (espécie).

Com ou sem vínculo de emprego é contraditório e inconstitucional retirar do especializado para o juiz generalista.

O quarto: o debate sobre novas formas de trabalho subordinado na contemporaneidade, de que já se ocuparam os tribunais de vários países, é complexo e nunca foi enfrentado pelo Supremo. Trata-se aqui da subordinação algorítmica, método mediante o qual o aplicativo organiza e direciona os serviços, indo além de disponibilizá-los ao consumidor.

Os aplicativos dirigentes substituem a antiga figura do patrão, já os não dirigentes apenas conectam consumidor e fornecedor de serviços. Descobrir de qual APP se trata exige abrir o algoritmo, o que não ocorreu até esta quadra.

O quinto: a liberdade de contratação funciona contra o trabalhador, que tem menos poder de opção. A reforma de 2017 ousou identificar o trabalhador hipersuficiente, que tem diploma universitário e ganha mais do que R$ 15.500,00.

Nem essa figura tem liberdade de escolha, menos ainda os entregadores da Rappi, que estão longe dos 15 mil por mês. Liberdade de contratação é limitada pelo Direito do Trabalho, para não haver exagero na exploração do homem pelo Capital. No mundo civilizado, não há “liberdade” de trabalhar por menos do que o salário mínimo, sem limite de horário, sem proteção previdenciária. Ninguém é livre para optar pela própria degradação.

E ao errar, o Supremo enfraquecerá o arcabouço de proteção do Homem contra a exploração do Capital, atrasando a civilização do país ao século 18.

Autores

  • é professor do FGVLAW, da Faculdade de Direito da FGV-SP, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP e juiz do trabalho titular da 1ª vara de Vitória da Conquista (BA).

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