2025: o ano para a 'refundação democrática' do interesse público
30 de dezembro de 2024, 11h12
Com o avanço das demandas por um Estado mais eficiente, inspirado em ideias como as apresentadas por Cass Sunstein em Simpler [1]: The Future of Government, o ano de 2025 apresenta-se como uma oportunidade para uma redefinição jurídica e regulatória.
A premissa da simplicidade como pilar da efetividade judicial, regulatória e governamental pode ser adotada no Brasil, beneficiando tanto o Poder Judiciário quanto a Administração Pública. Essa visão reforça a importância da eliminação de complexidades desnecessárias, garantindo aos cidadãos o acesso facilitado a direitos e à justiça.
Refundação democrática da coisa pública e do interesse público
A reconstrução da “coisa pública” e do “interesse público” — elementos essenciais da ideia republicana — deve incluir também um processo de transformação no 3º Setor. Esse segmento, frequentemente marginalizado entre o público e o privado, enfrenta desafios estruturais semelhantes aos do Estado, incluindo a dificuldade de alinhar seus objetivos de forma genuína e de evitar associações prejudiciais tanto com o Estado quanto com o mercado.
A crise do Estado Constitucional Moderno e do Direito, observada em todo o mundo, aponta para a necessidade de reimaginar a organização estatal. Novas configurações, como o “regionalismo funcional”, sugerem a transição para estruturas transnacionais e formas de governança mais localizadas, como as autonomias regionais e municipais. Essas transformações questionam a capacidade do Estado Constitucional Moderno de continuar como guardião territorial com integridade e relevância teórica.
Para superar essa crise, é crucial não apenas identificar as raízes dos problemas no modelo estatal atual, mas também revitalizar a conexão da sociedade com um modelo estatal que atenda suas complexas e dinâmicas demandas. A negligência dos governos em relação ao meio ambiente e à qualidade de vida, muitas vezes acompanhada de cumplicidade, exige que o meio ambiente se torne uma prioridade central em qualquer debate sobre o futuro do Estado. Essa abordagem deve ser guiada pela interdisciplinaridade e uma análise cuidadosa dos múltiplos contextos envolvidos.
Historicamente, o Estado Constitucional enfrentou mudanças significativas, como a crise de 1929 e o surgimento do Estado do bem-estar, ambos marcados por tensões econômicas e sociais que desafiaram sua funcionalidade. No contexto atual de globalização e crescente interdependência, é evidente que a forma tradicional do Estado já não responde de forma eficaz aos desafios contemporâneos, criando a necessidade de um novo modelo estatal, capaz de conciliar eficiência interna e relevância global.
A revisão dos debates em torno desse espaço relegado a segundo plano entre o público e o privado deixa entrever que ele está sujeito aos mesmos vícios atribuídos ao Estado, ainda que se considere que possa superá-los com mais facilidade. O debate sobre a localização estrutural desse espaço entre o público e o privado mostrou a dificuldade que ele enfrenta para conferir um caráter genuíno aos seus objetivos, assim como sua propensão à promiscuidade com o Estado e com o mercado.
A crise do Estado Constitucional Moderno e do Direito Moderno, em todo o mundo, permite conjecturar um futuro do que se convencionou chamar de “regionalismo funcional”, ou seja, uma superação da atual estrutura estatal por organismos transnacionais e por autonomias regionais e municipais infranacionais. Assim, resulta que esse Estado Constitucional Moderno, ameaçado em suas bases teóricas, parece subsistir realmente como uma débil reserva de integridade meramente territorial, mas sem muito futuro.
Parece inadequado buscar as raízes da atual crise de civilização no Estado Constitucional Moderno ou na Sociedade sua criadora. E há que se tentar a recuperação dessa Sociedade. O Estado Constitucional Moderno está em crise porque suas versões reformadas são incapazes de responder, satisfatoriamente, às solicitações da sociedade e, inclusive, quando intervém para atendê-la, produz, normalmente, outros problemas novos.
A Sociedade atual mostra um crescente e perpétuo dinamismo e complexidade que brotam de cada um dos subsistemas que a compreendem e que não sintonizam com o Estado Constitucional Moderno. A isso se acrescenta a negligência dos aparelhos estatais na deterioração e depredação da natureza e do meio ambiente, que são imprescindíveis para a qualidade de vida da Sociedade e das pessoas que a integram.
Aliás, convém ressaltar, desde logo, que qualquer pauta para discutir o futuro do Estado neste século está se mantendo desvirtuada, como foi no século passado e deve conter como prioridade o Meio Ambiente, sempre sob a perspectiva da interdisciplinaridade.
O Estado Constitucional Moderno é, atualmente, uma forma esvaziada e, permanece um vazio permanece, acompanhado de um grande esforço para construir algo novo. A opinião pública nos países democráticos demonstra inquietação diante da degradação da segurança interna [2], apoiando, em sua maioria, o fortalecimento da ação pública.
O consenso é de que o Estado Constitucional Moderno deve recentralizar suas competências principais, abandonando atividades que o setor privado desempenha melhor — em suma, fazer menos, mas fazer bem. Contudo, para que essa defesa do papel do Estado seja convincente, é essencial que, nas áreas consideradas de sua competência, sua legitimidade seja indiscutível e livre de concorrência.
O Poder Público, desse modo, se diversificou e a democracia foi transformada numa espécie de ‘poliarquia’, pois a sociedade está em crise de representatividade: não sabe mais a quem exigir responsabilidade nem como exercer o controle sobre os poderes públicos. [3]
Além disso, as estruturas democráticas tradicionais não são consideradas idôneas para controlar o poder econômico e os meios de comunicação se tornaram transnacionais. Tudo isso requer, com certeza, novos parâmetros para a Democracia, inclusive com o repensar de seu conceito tradicional adstrito à circunstância da condição de regime político/método de “composição de órgãos dirigentes do Estado”.
Para que a Democracia possa enfrentar os desafios impostos pela diversificação do poder público e a transnacionalização de influências econômicas e midiáticas, é necessário redefinir suas bases teóricas. Isso inclui avançar para um modelo que não apenas organize o Estado, mas também promova a solidariedade social e assegure mecanismos claros de responsabilidade e controle. Apenas assim será possível reconquistar a confiança da sociedade e firmar o Estado brasileiro como um sistema capaz de responder às demandas contemporâneas.
Cooperação entre público e privado
Inspirando-se nos modelos apresentados em Simpler, a colaboração público-privada emerge como solução para problemas crônicos. Medidas conjuntas, como a redução da burocracia em contratos administrativos e parcerias para programas sociais, podem gerar economia de recursos e maior efetividade no atendimento às necessidades sociais.
Essa abordagem requer um Judiciário mais proativo na promoção do diálogo entre agentes econômicos e sociais, buscando soluções que equilibrem os interesses coletivos e individuais. A previsibilidade regulatória é chave para a promoção de investimentos e a segurança jurídica.
2025 o ano da transformação
A agenda para 2025 no Poder Judiciário e no Governo deve ser guiada pela simplicidade. Nesse novo cenário, a organização política não deve ser centralizada; em vez disso, deve emergir como uma rede descentralizada de organizações e fluxos heterogêneos.
Políticas públicas desenhadas sob a simplicidade sugerida por Sunstein têm o potencial de transformar a relação entre o Estado e os cidadãos, garantindo que direitos sejam efetivamente exercidos e que as instituições públicas operem de maneira transparente e responsiva.
O Estado Constitucional Moderno, que antes coordenava como um centro imaginado, já não consegue se opor ao mercado ou vice-versa, pois ambos falham de maneira semelhante ao perder sua capacidade de integração e funcionalidade.
Essa nova realidade exige uma transformação estrutural que permita ao Estado atuar como um espaço público inclusivo, onde forças democráticas possam enfrentar as tendências autoritárias e reforçar valores redistributivos e solidários.
A democracia deve avançar para além de seu modelo tradicional, promovendo a solidariedade social e promoção do controle efetivo dos poderes econômicos e midiáticos transnacionais. Somente assim será possível restaurar a confiança da sociedade e responder aos desafios complexos do mundo contemporâneo.
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[1] O autor é propositivo ao afirmar que os governantes devem “fazer as coisas mais simples”. MUNIZ, Veyzon Campos. RECENSÃO – SUNSTEIN, Cass R. Simpler: the future of government. New York: Simon & Schuster, 2013. 232 Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, nº2, 2015 p315-319.
[2] GUÉHENNO, Jean Marie. El porvenir de la libertad: la democratización en la época de la globalización. Barcelona: Paidós, 2000, p.43.
[3] OLLER I SALA, M. Dolors. Un futuro para la democracia: una democracia para la gobernabilidad mundial. Barcelona: Cristianisme I Justícia, 2002, p. 8.
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