Retrospectiva 2024

2024 e as reviravoltas previdenciárias: o que há para ser comemorado?

Autor

  • é mestre em Direito Constitucional (FDSM) pós-graduado pela EPD-SP e PUC-SP professor de diversos cursos (graduação pós-graduação preparatórios e atualização jurídica) professor titular do Direito Unopar Itajubá coordenador acadêmico da pós-graduação em prática previdenciária da Escola Mineira de Direito (EMD) escritor com mais de 15 livros publicados em várias editoras integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB-MG advogado em Minas Gerais membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica tendo integrado a comitiva de pesquisadores brasileiros no 1º Congresso Internacional de Seguridade Social da Faculdade de Direito de Harvard (EUA) em agosto de 2019.

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19 de dezembro de 2024, 9h23

No findar de 2024, importante tecer reflexões sobre o cenário previdenciário nacional, com alguns dados, e criticamente projetar o ambiente vindouro, aparentemente desesperançoso.

O sistema previdenciário brasileiro, sabidamente, é um dos mais complexos do mundo, notadamente pela imensidão e profusão heterogênea das camadas e relações sociais, visivelmente diversificadas, aliás de visíveis desigualdades.

Também, associa-se tal fenômeno a um amplo sistema normativo existente, com normas de todos os tipos, lados e sentidos, aliás, que se alteram com frequência e de forma desenfreada.

A regulação de vários direitos é outro ponto de registro.

O catálogo das prestações previdenciárias, conforme o artigo 18 da Lei Federal 8.213/1991 e o artigo 25 do Decreto 3.048/1999 é destacadamente amplo, sendo para vários doutrinadores uma programação generosa de proteção de seus envolvidos.

Lado outro, a desinformação, a inexistência de uma sólida cultura previdenciária, bem como o caráter nitidamente político e econômico da recente onda reformista agravam sobremodo esse ambiente, dentre outros fatores existentes e que aqui demandariam um amplo debate.

Spacca

Assim têm sido os últimos anos da pauta previdenciária em solo pátrio, ou seja, de acentuadas ocorrências, polêmicas, discussões e de poucas soluções para os tristes e negativos dilemas existentes.

Destaques negativos

Por certo principiar a presente reflexão com a conhecida tese da Revisão da Vida Toda (RVT), alocada ainda no STF sob o Tema 1.102 e que, entre idas e vindas, até o presente momento não chegou em seu aguardado desfecho [1]. Curiosamente, apesar de validada pelos tribunais inferiores, dentre eles o STJ [2], o Tribunal Maior invocando premissas econômicas, notadamente, desvirtuou o aguardado debate técnico, preterindo o fundante princípio da existência de custeio em todos os casos, além do incontroverso fato de que é uma tese de exceção, com vários filtros, e também pelo fato de que beneficia pequeníssima parcela de aposentados.

Um outro importante aspecto vivido nos últimos tempos e que demanda profundas reflexões envolve a judicialização previdenciária, cada vez mais crescente no país, em larga escala e sem qualquer plano nacional e institucional para sua contenção.

Sem dúvida alguma, uma bomba-relógio ativa e pronta a explodir, de modo a confirmar a ineficiência do INSS e de toda gestão previdenciária governamental.

Em recente repercussão publicada pela ConJur, em reportagem datada de 2/12/2024, restou apurado que é o INSS responsável por mais de cinco milhões de processos judiciais em andamento, um recorde até então, provando a evidente falibilidade do órgão, há muito engessado, ultrapassado e deficitário.

Aqui, vale o registro da citada reportagem: “O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) superou a marca de cinco milhões de processos pendentes. Esse dado faz parte do painel Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, e corresponde às ações pendentes até 31 de outubro, quando o placar foi atualizado. Esse número diz respeito a todos os processos, de todos os anos” [3].

Associado a esse triste cenário, aliás, bem conhecido por toda sociedade brasileira, está o INSS em posição de destaque negativo com relação a atuação administrativa.

De fato, filas e filas, um volumoso quantitativo de postulações internas represadas e em todos os níveis administrativos, com uma morosidade gigante no setor de análises.

Estima-se um crescimento de mais de 30% somente nos últimos meses, com aproximadamente 1,8 milhão de pedidos realizados e sem análise [4].

Portanto, crises e mais crises do sistema.

Compensação e novos desafios

Inobstante as pequenas e paliativas medidas tomadas para tratar esse crítico setor, é bem verdade que o Judiciário, por meio da tese do dano moral, tem tentado compensar, restabelecer e corrigir rotas da atuação previdenciária, com condenações diversas em vários tribunais do país.

Precedentes como fraude em empréstimos indevidos [5]; suspensão indevida [6]; ineficiência e extravio de documentos [7]; dentre outros, são alguns dos vários casos de 2024 e que demonstram não somente a crise institucional previdenciária com evidente amplitude, bem como, de outro lado a relevância dessa emergente tese judicial ao triste momento vivido por todos.

De outro lado, intenta a política de gestão do INSS em alterar substancialmente o benefício de prestação continuada, conhecido como BPC/Loas [8]. De fato, vem por aí um pacote de restrições, inovações e de critérios rígidos na concessão e manutenção desse benefício que atende expressiva parcela de marginalizados da sociedade, sem renda alguma, com deficiências diversas e desamparados, cumprindo assim o constitucional papel do bem-estar; da dignidade humana e da justiça social.

Portanto, os desafios e polêmicas novidades não ficam por aqui e serão alvo de intensos debates e discussões na jornada vindoura, muitas vezes com um debate atécnico, apressado e com acentuado viés econômico.

Em suma, foi 2024 outra jornada de visíveis entraves, óbices e barreiras quanto ao exercício pleno das conquistas sociais previdenciárias firmadas na programação de 1988, sonhos esses ainda vivos, contudo e infelizmente, distantes da presente geração.

 


[1] https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-mantem-decisao-que-definiu-que-segurado-nao-pode-escolher-calculo-mais-benefico-para-aposentadoria/

[2] https://www.jusbrasil.com.br/artigos/stj-declara-o-direito-a-revisao-da-vida-toda-por-unanimidade/791752730

[3] https://www.conjur.com.br/2024-dez-02/inss-alcanca-a-marca-de-5-milhoes-de-processos-em-andamento-diz-cnj/

[4] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/fila-do-inss-cresce-mais-de-30-em-3-meses-e-passa-de-17-milhao-de-pedidos/

[5] https://web.trf3.jus.br/noticias/Noticiar/ExibirNoticia/434695-caixa-e-inss-devem-indenizar-aposentada-por-emprestimos

[6] https://www.conjur.com.br/2024-out-29/negligencia-do-inss-em-pagamento-de-pensao-gera-dever-de-indenizar-diz-trf-1/

[7] https://www.migalhas.com.br/quentes/408429/trf-3-mantem-indenizacao-a-segurada-por-extravio-de-ctps-pelo-inss

[8] https://previdenciarista.com/blog/regras-para-concessao-do-bpc-tornam-se-mais-rigidas-veja-o-que-muda/

Autores

  • é doutorando em Direitos Humanos pela PUC-SP, mestre em Direito Constitucional pela FDSM, pós-graduado em Direito Previdenciário pela EPD-SP e em Direito Processual Civil pela PUC-SP, professor universitário, escritor, pesquisador, advogado e integrante do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) Regional da OAB-MG, membro da Rede Internacional de Excelência Jurídica. Integrou a comitiva de professores brasileiros no 1º Congresso Internacional de Seguridade Social da Faculdade de Direito de Harvard (EUA), em agosto de 2019.

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