Direito à privacidade

Tribunal dos Estados Unidos declara que Constituição estadual está acima da federal

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17 de dezembro de 2024, 11h51

Na audiência de sustentação oral do caso United States v. Skrmetti, os ministros conservadores-republicanos da Suprema Corte dos Estados Unidos indicaram que vão manter intacta uma lei de Tennessee que bane tratamentos de disforia de gênero para pacientes trans menores de 18 anos.

Dias depois, os ministros do Tribunal Superior de Montana — um estado tão conservador-republicano quanto o Tennessee — nadaram contra a corrente partidária: bloquearam uma lei semelhante do estado, com o argumento de que “as proteções aos direitos à privacidade, consagradas na Constituição estadual, excedem as fornecidas pela Constituição federal”.

Corte americana

Tribunal do estado de Montana bloqueou norma com o argumento de proteção ‘aos direitos à privacidade’

O “direito constitucional à privacidade” está no centro das discussões sobre as leis que banem tratamentos de disforia de gênero (ou de afirmação de gênero) de 26 dos 50 estados dos EUA. Curiosamente, a palavra “privacidade” não é explicitamente declarada na Constituição federal.

(Para os leigos: o artigo 5º, inciso X, da Constituição do Brasil declara explicitamente o direito do cidadão à privacidade, ao declarar que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.)

Mas o direito constitucional à privacidade passou a existir como um direito fundamental do cidadão, derivado de interpretações da Suprema Corte de algumas emendas da Constituição federal, como na decisão do caso Griswold v. Connecticut, que estabeleceu “uma zona de privacidade baseada em ‘penumbras’ de outras proteções constitucionais”.

São exemplos de cláusulas de proteção constitucional, que criam “zonas de privacidade”: a que proíbe buscas e apreensões não razoáveis (4ª Emenda); a que garante o devido processo (14ª Emenda); a que cria privilégio de não se autoincriminar (5ª Emenda); o livre exercício de religião (1ª Emenda); a proteção da residência contra demandas de ocupação militar (3ª Emenda); e outras cláusulas da Declaração dos Direitos.

Em resumo, o entendimento é o de que o cidadão tem o direito de ser deixado em paz, livre de intrusões governamentais não justificadas em sua vida pessoal — a não ser que o governo tenha uma razão irrefutável para fazê-lo, tal como em situações de segurança nacional.

Provavelmente inconstitucional

Na decisão que manteve a liminar bloqueando temporariamente (isto é, até que o mérito do caso seja julgado pelos tribunais inferiores), o Tribunal Superior de Montana concordou com a decisão de primeiro grau de que a lei estadual que bane tratamentos médicos a pessoas trans é provavelmente inconstitucional.

“O legislativo de Montana não tem uma razão irrefutável que justifique a interferência do governo na privacidade fundamental de um indivíduo de obter um procedimento médico legítimo de uma instituição de saúde”, diz a decisão, que explica que o direito à privacidade é explicitamente declarado na Constituição estadual, diferentemente da federal. “O direito à privacidade é expresso no Artigo II, Seção 10, da Constituição de Montana. Esse dispositivo garante que o direito à privacidade individual é essencial para o bem-estar de uma sociedade livre, que não deve ser violado sem a comprovação de um interesse convincente do estado.”

A decisão declara que “o direito de ser deixado em paz é o mais importante de todos os direitos”. Sobre o caso em si, a decisão afirma: “O direito constitucional à privacidade, em Montana, garante amplamente ao indivíduo o direito de tomar decisões médicas que afetem a integridade de seu corpo e de sua saúde, em parceria com a instituição de saúde que escolher e livre de interferência governamental”.

Além do direito à privacidade, os peticionários alegaram que a lei antitrans viola seu direito constitucional à igualdade perante a lei (por permitir a administração de bloqueadores da puberdade e terapia hormonal para paciente cis, mas não para transgêneros), bem como seus direitos de buscar tratamento e à dignidade.

Dois dos ministros argumentaram que a corte deveria também esclarecer que a discriminação baseada em identidade de gênero é uma forma de discriminação sexual, proibida pela cláusula da igualdade perante a lei na Constituição do estado.

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