Em licitação eletrônica os atos devem estar no sistema
13 de dezembro de 2024, 15h13
Um tema atualizado
Em abril de 2022, este autor publicou nesta ConJur artigo intitulado “Processo não tramita por e-mails“, abordando a impossibilidade de tramitações contratuais ocorrerem extra autos. Na oportunidade, destacou a ilicitude de decisões, simplesmente, dentro de texto de e-mail ou mensagem via telefone celular, sem documentação nos autos do processo, o que ainda ocorre em alguns casos entre fiscal, gestor de contrato e representante de empresa.
Neste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) trouxe novo alerta que se aproveita na matéria, mas com foco na necessidade de realização dos atos da licitação dentro do sistema compras.gov.br. Na verdade, o racional se aplica a qualquer sistema de licitação.
O Acórdão nº 489/2024-TCU-Plenário, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz, trata do dever de publicizar todos os atos no sistema da licitação, mantendo integralidade e publicidade. Termos do julgado são claros: “…deficiência na publicização dos atos relativos à análise de propostas e ao processo de habilitação dos licitantes, acarretada pela adoção de meios, como somente a verificação da documentação no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), e submissão de documentos via correio eletrônico, em detrimento da utilização integral da plataforma Compras.gov.br ou informação aos demais licitantes da utilização de outras ferramentas, o que comprometeu a transparência perante os demais competidores…” (grifos do autor).
Princípio da publicidade e sua aplicação nas licitações eletrônicas
O princípio da publicidade, consagrado no artigo 37, caput, da Constituição, é pedra angular da Administração Pública, não se limitando à divulgação de atos administrativos, mas englobando transparência concreta, com acessibilidade de informações públicas por lei.
Nas licitações, este princípio ganha contornos ainda mais relevantes, dada a natureza digital e acessível dos procedimentos (um dever). No regime da Lei nº 14.133/2021 não há permissão para documentos tramitarem fora do ambiente no qual se realiza a licitação, além do que, no artigo 39, § 1º, da Instrução Normativa Seges/ME nº 73/2022 há ênfase sobre o envio de documentos via sistema da licitação:
“Os documentos exigidos para habilitação que não estejam contemplados no Sicaf serão enviados por meio do sistema, quando solicitado pelo agente de contratação, ou comissão de contratação quando o substituir, até a conclusão da fase de habilitação.”
Portanto, “não jogar o jogo fora do campo”.
E o Acórdão nº 489/2024-Plenário-TCU é um norte de chamamento nesses temas.
Integridade, publicidade, transparência e segurança jurídica
Cumpre tratar de pontos emblemáticos no contexto.
1 – Decisões por e-mail
Um agente de contratação que toma decisão ou interfere em algum pedido apenas por e-mail, sem registrar tais atos no sistema compras.gov.br ou outro, máxima vênia, viola não apenas a integridade processual, mas princípios do artigo 5º da Lei nº 14.133/21, como a publicidade e a segurança jurídica, em prejuízo de licitantes e da sociedade, que tem direito a conhecimento de decisões ligadas ao certame.
2 – Diligências não publicizadas
Realizar diligências solicitando informações e documentos diretamente a um licitante por e-mail e sem informar isso aos demais participantes no portal compras.gov.br ou similar também viola vários princípios, não apenas aqueles da isonomia e da publicidade.
3 – Recebimento de documentos fora do sistema da licitação
O recebimento de documentos fora do sistema compras.gov.br ou similar, inclusive, sem informação tempestiva a todos, da mesma forma, viola princípios licitatórios. O proceder correto deve ser a juntada de algo recebido, mesmo que posteriormente, nos autos do processo e a informação no sistema da licitação antes da tomada da decisão, para visibilidade da informação a licitantes e sociedade, o que envolve reflexos para direitos e faculdades pelos interessados, além de ser essencial à integridade processual para a análise pelos órgãos de controle interno e externo.
4 – O axioma jurídico: o que não está nos autos não está no mundo
O brocardo jurídico “quod non est in actis non est in mundo” (o que não está nos autos não está no mundo) aplica-se fortemente às licitações. Este princípio, amplamente reconhecido na doutrina e jurisprudência, pode ter um exemplo de reflexão: como juiz não julga causa fora do que está nos autos, isso tem a mesma lógica até para o sistema da licitação e respectivos processos administrativos.
5 – Os danos da fragmentação procedimental
A dispersão de atos e documentos em diversos canais de comunicação impacta a efetividade da condução e ainda do controle de licitações e contratações públicas, como a inviabilidade de identificação tempestiva e hábil de irregularidades. O controle fica mais oneroso e fora de agilidade para ter efeitos práticos, ou seja, um prejuízo evidente à efetividade da fiscalização pelos entes de controle e para o controle por interessados e o controle social.
6 – Dever de transparência, com acessibilidade dos autos do processo
Além de atos e todos os documentos visíveis na plataforma da licitação, é imperativo que atos do processo no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) ou outra plataforma similar estejam em 100% com acesso dos autos abertos, sem restrição, porque não há que se fechar em sigilo atos de processo que é público por lei, notadamente, após a fase de disputa encerrada.
Conclusão: importância da transparência para a eficiência e a legalidade
Em conclusão, é essencial e produtivo que tanto a Administração Pública quanto os licitantes preservem as bases da publicidade e transparência nos processos licitatórios. Essas práticas são elementares não apenas para a transparência do processo perante todos os envolvidos — Administração e licitantes — mas também para garantir a integridade e a agilidade, de modo a se evitar litígios administrativos e judiciais, bem como prevenir o retrabalho e as anulações que causam perda de tempo e prejudicam o interesse público e os direitos dos licitantes.
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