Mandado de Segurança contra medidas cautelares patrimoniais (reais)
12 de dezembro de 2024, 11h19
Inicialmente cabe dizer que o mandado de segurança, assim como o habeas corpus e a revisão criminal, é uma ação autônoma de impugnação. Possui rito sumário especial, não está previsto no Código de Processo Penal e dada a força de preceito constitucional expresso (artigo 5º, LXIX da Constituição Federal), tem por seu objeto de tutela, complementado pelo artigo 1º da Lei 12.016/2009, a proteção: de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade.
O mandado de segurança é garantia constitucional que possibilita a defesa do indivíduo contra arbitrariedades do Estado. Se trata de “remédio heroico” (assim como o habeas corpus) na medida em que atua como um verdadeiro “remédio” contra um mal praticado pelo poder público. Daí a sua perfeita aplicabilidade na esfera criminal [1].
No que diz respeito às medidas cautelares, em âmbito criminal é possível dividir, ainda que o Código de Processo Penal não o faça sistematicamente, as cautelares em cautelares pessoais e cautelares patrimoniais (reais). Tais medidas são dotadas de características de instrumentalidade, acessoriedade, preventividade e a sumariedade, além de princípios norteadores da tutela cautelar, como a proporcionalidade, a adequação e a necessidade.
A cautelar é um instrumento assecuratório da utilidade e da eficácia de um provimento jurisdicional futuro e proferido em outro processo (autos principais), seja como assegurar o efeito da condenação consistente na perda do produto do crime, seja pelo propósito de garantir a reparação (à vítima) do dano causado pelo crime.
Quanto às cautelares patrimoniais penais, o Código de Processo Penal prevê as seguintes medidas:
1) o sequestro de bens imóveis (artigos 125 a 131, CPP); 2) sequestro de bens móveis (artigo 132, CPP).
Em que pese o Código de Processo Penal preconize o uso de embargos como meio de defesa [2], deve ser admitida a impetração do mandado de segurança para os casos em que seriam cabíveis embargos previstos pelo artigo 130 do Código de Processo Penal, porque estes embargos, se eventualmente interpostos pelo interessado, não serão julgados antes do trânsito em julgado da sentença penal, como o próprio dispositivo legal confirma em seu parágrafo único.
Observe, in verbis:
“Art. 130. O seqüestro poderá ainda ser embargado:
I – pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração;
II – pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé.
Parágrafo único. Não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória.”
Dessa forma, diante da inexistência da possibilidade de os embargos terem efeitos imediatos (tutela de urgência), porque somente serão decididos após o trânsito em julgado da eventual sentença penal condenatória (que não implica necessariamente na improcedência dos embargos), parte da doutrina entende perfeitamente cabível o uso do mandado de segurança em matéria penal para combater decisões que decretam medidas cautelares patrimoniais previstas no artigo 130 do CPP, desde que demonstrada prova pré-constituída da ilegalidade da decisão constritiva (deferimento da medida sem indícios veementes da origem ilícita do bem, incompetência do juízo, ilegitimidade etc.), o que parece plenamente razoável diante da dignidade constitucional da ação de mandado de segurança [3], não sendo óbice o enunciado de Súmula 267 do STF.
Entretanto, há posições que negam o cabimento de mandado de segurança para estas situações, eis que a decisão que determina o sequestro seria dotada de força definitiva, sendo, neste caso, cabível recurso de apelação nos termos do artigo 593, II do CPP, o que não é correto, já que a decisão que decreta o sequestro é interlocutória, cujo provimento é provisório (basta compreender que se o acusado for absolvido no processo, o sequestro deverá, obviamente, ser levantado).
Na prática, somente para os casos de terceiro estranho ao processo previsto no artigo 129 do CPP (não confundir com o terceiro adquirente dos bens do acusado. Situação prevista no artigo 130, II do CPP) a impetração do mandado de segurança não traria maior agilidade processual, eis que, como se verá mais à frente, para estes casos, os embargos devem ser julgados imediatamente e não necessitam aguardar a coisa julgada.
Entendimento do STJ
O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação (posição pacificada) no sentido de que a decisão que determina o sequestro, o arresto ou o bloqueio de bens e ativos financeiros, ostenta natureza definitiva, desafiando unicamente o recurso de apelação, sob o mesmo fundamento acima. Nesse sentido, STJ, AgRg no RMS nº 41.541/RJ).
Por outro lado, tratando-se de hipótese de bem equivocadamente objeto de restrição, corretamente o STJ entende que é aplicável o artigo 129 do Código de Processo Penal (“[o] seqüestro autuar-se-á em apartado e admitirá embargos de terceiro”) ao revés da incidência do parágrafo único do artigo 130 e do artigo 131, II do CPP. Como já salientado, decide-se os embargos desde logo, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ou a obrigatoriedade de o embargante prestar caução nos autos.
Nesse ponto, exemplar ementa disposta no REsp 1.825.572/RJ, que ratifica a desnecessidade de sobrestamento dos embargos até o trânsito em julgado da ação penal principal ou de prestação de caução para levantamento do sequestro para casos de bens divorciados aos fatos apurados na ação penal principal [4].
Nessa medida, para os casos em que o embargante se encontra desvinculado da relação processual criminal e sempre foi o proprietário do bem, é despiciendo que o julgamento dos embargos de terceiro aguarde o trânsito em julgado da ação principal ou a necessidade de prestação de caução quando restar demonstrado que o bem não guarda qualquer relação com o delito objeto de apuração no processo criminal principal.
Quanto ao tema, diante de lacuna legislativa, há, ainda, uma grande peculiaridade que deve ser destacada e que pode se tornar tormentosa ao advogado. Para o caso de embargos, estes seguirão, por analogia, o regime do Código de Processo Civil (artigo 674 a 681) e, por outro lado, quando forem julgados pelo juiz criminal competente, os recursos cabíveis serão aqueles previstos no Código de Processo Penal, não observando os ditames da lei processual civil (nesse sentido: STJ, Agravo em Recurso Especial 1.509.656/SP).
Dito isso tudo, razões de ordem dogmática, de tipologia de ações (embargos), ou de quaisquer outras desculpas interpretativas, desservem ao limite do mandado de segurança em matéria penal, chegando a conspirar contra o regime jurídico das liberdades públicas, já que, dada a linearidade, possivelmente atingirá situações emergenciais de pessoas que utilizam os bens conscritos pela ordem judicial para a manutenção da sua família ou de sua empresa (princípio do mínimo existencial, v.g.) e, diante da ineficiência dos embargos do acusado, o rito expedito do writ em situações fáticas de comprovada prova pré-constituída contribui mais e melhor para celeridade na solução de situações onde estão presentes as medidas cautelares patrimoniais decretadas no âmbito criminal.
[1] Nesse sentido, recomenda-se a leitura aprofundada do tema mandado de segurança em OLIVEIRA, Diego Renoldi Quaresma de. Ações autônomas de impugnação em matéria penal. 3ª ed. Rio de Janeiro. Lumen juris, 2023, capítulo II.
[2] O CPP disciplina três tipos de embargos contra cautelares patrimoniais: embargos de terceiro estranho ao processo no caso do artigo 129 do CPP; embargo do acusado, no caso do artigo 130, I do CPP; embargos de terceiro de boa-fé (artigo 130, II do CPP).
[3] Conforme dispõe o artigo 23 da Lei 12.16/2009, o prazo de 120 dias para impetração deve ser contato “da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”.
[4] No mesmo sentido: STJ, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 1.420.461/PR, rel. min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 1º.10.2019.
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