Opinião

A castração da presunção de inocência na apuração de crimes sexuais

Autores

  • é advogada e mestranda em Direito Penal na UERJ.

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  • é advogada criminalista pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal (IDP) pós-graduada em Ministério Público e Estado Democrático (Unibrasil) membra relatora da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/PR secretária-geral da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR e coordenadora-adjunta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Paraná (Ibccrim/PR).

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  • é advogada criminalista professora de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Estadual de Londrina e mestra em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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  • é advogada mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) especialista em Direito Penal Econômico e Processo Penal pela PUC-PR membro do Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da PUC-Campus Londrina e associada ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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11 de dezembro de 2024, 18h16

O processo penal brasileiro enraizado na Constituição adotou, como um de seus fundamentos políticos, a presunção de inocência [1], que pode ser facilmente compreendida a partir da noção de que, em nosso ordenamento jurídico, a condenação de um inocente é um erro mais grave — e, portanto, menos tolerável — do que a absolvição de um culpado [2].

Além de possuir uma finalidade política e ideológica que norteia todo o sistema de justiça criminal, a presunção de inocência é dogmaticamente estudada como uma norma de conteúdo tridimensional, a saber: (a) regra probatória; (b) regra de tratamento e (c) regra de garantia [3].

Quanto ao primeiro significado (regra probatória), a presunção de inocência cumpre o papel de depositar exclusivamente na parte acusatória o ônus de superá-la no campo probatório (artigo 156, CPP). Isto é, não cabe ao réu provar que não cometeu o delito que lhe fora imputado, mas, sim, ao Ministério Público demonstrar a procedência da acusação (in dubio pro reo).

No segundo sentido (regra de tratamento), a presunção de inocência impõe aos(às) magistrados(as) o dever de tratar o acusado como inocente no decorrer de toda a persecução penal, até que haja o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (artigo 5°, LVII, CF). Enquanto regra de garantia, o postulado tem a função de cobrar o respeito ao devido processo legal, assentando a premissa de que uma condenação somente será legítima quando respeitadas todas as regras do jogo, forte na ideia de que uma das finalidades do processo penal é servir de escudo contra o arbítrio estatal [4].

Regra probatória

Interessa ao presente texto, especialmente, a presunção de inocência compreendida enquanto regra probatória, pois esse vetor determinará que uma pessoa somente poderá ser condenada quando a acusação tiver se desincumbido a contento do ônus de comprovar a prática do crime e, em caso de dúvida, impõe-se a absolvição (artigo 386, VII, CPP). Além disso, essa condenação só será legítima se embasada em uma decisão judicial construída sob o crivo do contraditório e da ampla defesa e racionalmente fundamentada e apoiada em provas concretas que permitam afirmar que o fato efetivamente ocorrera tal qual narrado pelo Ministério Público.

Daí se nota a imbricação entre a presunção de inocência e o standard probatório, pois, sem um acervo probatório robusto e contundente, não é possível afastar a presunção de inocência. É dizer, existe “uma relação direta entre a presunção de inocência e o standard probatório: parece claro que apenas um standard bastante rígido é compatível com esse princípio, pois a predileção pela liberdade é a escolha política que guia o processo penal democrático” [5].

Crimes sexuais

Quando entramos na seara dos crimes sexuais, porém, parece haver uma verdadeira confusão entre presunção de inocência e standard probatório, que tem resultado na castração da primeira a pretexto de uma suposta necessidade de rebaixamento do último para evitar a impunidade. A justificativa, amplamente aceita pela jurisprudência, é a de que há especial dificuldade probatória desse tipo de delito, normalmente praticado às escondidas [6].

Spacca

Matida afirma que a dificuldade probatória “acaba por desenvolver um dilema político-moral: de um lado, está a palavra da vítima e nossa pretensão de sermos uma sociedade que deve construir um sistema de justiça criminal preparado para ouvir as mulheres; de outro, está a nossa promessa de proteger garantias procedimentais importantes à democracia” [7].

Mas a verdade é que esse “dilema” de cunho ideológico não deveria ser transposto ao campo do processo penal, no qual o estrito cumprimento das regras funciona como única garantia de respeito ao direito fundamental à presunção de inocência.

Como afirma Aury Lopes Jr., “a presunção de inocência não é ‘maior ou menor’, ‘mais robusta ou mais frágil’, conforme a natureza do crime” [8]. Ela é a regra probatória por excelência do processo penal brasileiro.

Inversão do ônus da prova

Na prática, entretanto, o processo que apura o cometimento de um crime sexual é, sem exageros, conduzido a partir de uma inversão (tácita e ilegal) do ônus da prova: a supervalorização da palavra da vítima, apoiada na característica de clandestinidade do crime, leva ao oferecimento de denúncias e até mesmo à condenação de acusados com base exclusivamente no relato da vítima.

Essa subversão do in dubio pro reo, ao tempo em que alivia a carga probatória da acusação, coloca sobre o acusado o peso de comprovar que não praticou o crime e que a vítima está realizando uma falsa acusação, ou seja, cometendo crime de denunciação caluniosa, bem como quais os motivos dela para isso, violando o sistema acusatório. Impõe-se uma prova negativa e, por vezes, impossível à defesa: responder por que a vítima mentiria sobre fatos tão graves. Quando a pergunta deveria ser: quais provas produzidas pelo Ministério Público, para além da palavra da vítima, sustentam essa grave acusação?

Ainda que existam julgados que afirmem que a palavra da vítima, isoladamente, não pode levar à condenação [9], não é isso que a prática revela. Afinal, uma decisão que se apoia na especial relevância da palavra da vítima como fonte primeira de prova e cita como pretensos elementos de corroboração apenas depoimentos de testemunhas que teriam ouvido o relato da vítima, não deixa de estar apoiada, em primeira e última análise, no mesmo relato (o da vítima). É bastante comum, por exemplo, a oitiva de pais ou familiares de pretensas vítimas de estupro, cuja contribuição ao processo se limita a meramente reproduzir o que ouviu a vítima dizer [10].

Para tornar o quadro ainda mais grave, sequer se exige que a palavra da vítima seja coerente e harmônica durante toda a persecução penal. Com base em uma interpretação radicalizada do protocolo do CNJ para julgamento com perspectiva de gênero, têm se admitido também a existência de discrepâncias na palavra da vítima [11], o que significa, francamente, que a dúvida se resolve em favor da pessoa ofendida. Tal interpretação dificulta ainda mais o exercício do contraditório e da ampla defesa, pois, ainda que se demonstre que a vítima foi imprecisa ou trouxe informações inverídicas em seus relatos, sua versão (sempre) prevalecerá sobre a do acusado. E o julgador, confortável com a jurisprudência que prega a supervalorização da palavra da vítima, sempre escolherá esse lado, ainda que presente a dúvida acerca do cometimento do ato em apuração.

Confirmação da hipótese da vítima

Nesse contexto, o Ministério Público sai do papel ativo de produzir prova contundente do crime, burlando a regra probatória da presunção de inocência, e assume a postura passiva de meramente confirmar a hipótese da vítima, geralmente a partir de testemunhos indiretos, já que, não raras vezes, além de ter sido cometido na clandestinidade, o crime não deixa vestígios ou não se produziu laudo pericial.

Não se discorda da percepção da vítima de um crime sexual como uma pessoa vulnerável e hipossuficiente na relação processual, sobretudo quando se está diante de mulheres, crianças ou adolescentes. Sua palavra merece credibilidade e atenção. Mas isso não pode significar, em absoluto, a castração (ou sequer a mitigação) da presunção de inocência, enquanto regra motriz inegociável de todo processo criminal, seja qual for a acusação.

A hipossuficiência das vítimas de crimes sexuais já foi considerada pelo legislador em diversos instrumentos que lhes conferem especial proteção durante a produção de provas, a exemplo da Lei n° 13.431/2017 (Lei do Depoimento Sem Dano), da Lei n° 14.245/2021 (Lei Mariana Ferrer), da Lei nº 14.321/2022 (criminalizou a “violência institucional”) e do próprio Protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero, cuja observância se faz obrigatória por força da Resolução n° 429/2023 do mesmo órgão.

O Poder Judiciário também interferiu na seara probatória dos crimes sexuais, o que se demonstra, exemplificativamente, pelo teor da Súmula n° 593 [12] do STJ (que inviabiliza a prova de consentimento quando a vítima for menor de 14 anos) e que depois veio a ser tipificada por meio do artigo 217-A, § 5º, do Código Penal (incluído pela Lei nº 13.718/18), do Tema 1121 (que impede a desclassificação do crime do artigo 217-A, CP para o do artigo 215-A, CP quando a vítima for menor de 14 anos, ainda que a conduta tenha sido superficial) e da ADPF 1.107[13] (que proíbe que se pergunte à mulher sobre sua vida sexual pregressa ou o seu modo de vida).

Ampla defesa ficou dificultado

Se é certo que tais instrumentos foram sendo criados com a honrosa intenção de evitar revitimização, violência institucional e proteger direitos fundamentais das vítimas, sobretudo à dignidade da pessoa humana, não menos certo é que o exercício da ampla defesa nesse tipo de processo foi sendo exponencialmente dificultado e quase inviabilizado.

O cross examination (inquirição direta da vítima) é, em regra, vetado, sendo substituído por outras formas de coleta de depoimento previstas na Lei n° 13.431/2017. Quando permitido, é sujeito a diversas restrições de conteúdo, que podem impactar na construção da tese defensiva ou até mesmo levar à nulidade processual. O standard probatório “comum” ao processo penal foi rebaixado a ponto de transformar a palavra da vítima na única prova de interesse ao julgamento do caso, dotada de presunção de veracidade. O critério objetivo da idade impede que se demonstre o consentimento da parte ofendida ou que se questione a reduzida ofensa ao bem jurídico em casos de atos superficiais ou ligeiros. A versão do réu é completamente desacreditada, a menos que ele logre comprovar o motivo pelo qual a vítima teria inventado o fato (o que é impossível, pois dependeria do poder de ingressar na mente de alguém…).

Como se vê, no cenário atual, o réu acusado de um crime sexual será quase sempre condenado, ainda que parco o material probatório. É urgente e necessária a revisão desse estado de coisas, sob pena de se transformar o processo penal em mero instrumento burocrático de imposição de pena — ou, como diria Hulsman, numa linha de montagem, na qual o acusado vai avançando e, no final, sai o produto do sistema: o condenado [14].

Críticas a movimento jurisprudencial

Contra esse movimento jurisprudencial (que transformou a palavra da vítima, mesmo que inconsistente, na “rainha das provas”), já se levantaram algumas tímidas, porém respeitáveis, vozes críticas. Estudiosos do tema sugerem, com base no entendimento do Tribunal Supremo da Espanha [15], a adoção de três indicadores objetivos para se alcançar um standard probatório adequado neste tipo de delito. São eles:

  • (a) a credibilidade subjetiva (consistente na avaliação das características psíquicas da vítima (idade e/ou alguma incapacidade), das relações emocionais com o acusado e/ou a existência de interesses de outras naturezas (como a intenção de proteger terceiros);
  • (b) a “verissimilitude” (que compreende uma avaliação de coerência interna (lógica e plausível) e externa (unidade lógica dos dados objetivos) do relato da vítima) e
  • (c) a “persistência no depoimento” (isto é, uma avaliação da coerência entre os vários depoimentos da mesma pessoa para checar ausência de modificações essenciais, de nebulosidades e de contradições).

A revisão da jurisprudência atual, com a adoção de critérios objetivos que qualifiquem o standard probatório nos crimes sexuais, levando em consideração a dificuldade probatória, mas sem negligenciar direitos fundamentais do acusado, é um meio necessário (e urgente) para o restabelecimento de um processo penal com conformidade constitucional, norteado, como deve ser, pela presunção de inocência.

 


Referências

GOMES, Luiz Flávio: Sobre o conteúdo processual tridimensional da presunção de inocência, Estudos de direito penal e processual penal. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 101-117.

HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam Editora, 1993.

LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 137.

MATIDA, Janaína Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre compromissos epistêmicos e o respeito à presunção de inocência. In Violência de Gênero: temas polêmicos e atuais. André Nicolitt e Cristiane Brandão Augusto (orgs). São Paulo: D´Plácido. 2019, p. 91.

SZESZ, André. O standard de prova para condenação por crimes sexuais: é viável e eficaz a flexibilização da exigência de corroboração probatória em crimes dessa espécie com o objetivo de redução da impunidade? Revista Brasileira de Direito Processual Penal. Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 1007-1041, mai.-ago. 2022.

WUNDERLICH, Alexandre. Palavra da vítima e criação de presunção negativa: mitigação da defesa em casos de crime contra a mulher no ambiente doméstico. Boletim IBCCRIM. Dossiê: Desafios atuais da defesa técnica (pública e privada). Ano 32. N. 381. Porto Alegre, ago/2024.

 

[1] Art. 5, LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Vide, também, a Convenção Americana de Direitos Humanos, Art. 8.

[2] MATIDA, Janaína Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre compromissos epistêmicos e o respeito à presunção de inocência. In Violência de Gênero: temas polêmicos e atuais. André Nicolitt e Cristiane Brandão Augusto (orgs). São Paulo: D´Plácido. 2019, p. 91.

[3] GOMES, Luiz Flávio: Sobre o conteúdo processual tridimensional da presunção de inocência, Estudos de direito penal e processual penal. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 101-117.

[4] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 137.

[5] SZESZ, André. O standard de prova para condenação por crimes sexuais: é viável e eficaz a flexibilização da exigência de corroboração probatória em crimes dessa espécie com o objetivo de redução da impunidade? Revista Brasileira de Direito Processual Penal. Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 1007-1041, mai.-ago. 2022.

[6] AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE ESTUPRO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA PARA CONDENAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. CRIMES SEXUAIS. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. No que diz respeito à suposta insuficiência probatória, o conhecimento do recurso especial encontra no óbice na Súmula n. 284/STF, pois a alegação de ofensa foi apresentada de maneira genérica, sem a demonstração efetiva de como o acórdão teria violado os dispositivos normativos citados.

  1. Na hipótese dos autos, a Corte de origem, após análise acurada dos elementos probatórios, entendeu que comprovada a autoria e a materialidade do delito. 3. Desconstituir a conclusão das instâncias originárias demandaria revolvimento fático-probatório, providência vedada pelo óbice da Súmula n. 7/STJ. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, em virtude das dificuldades que envolvem a obtenção de provas de crimes contra a liberdade sexual, os quais são praticados, em sua maioria, às escondidas e sem vestígios físicos que permitam a comprovação dos eventos, a palavra da vítima adquire relevo diferenciado. Precedentes. 5. O presente recurso não apresenta argumentos capazes de desconstituir os fundamentos que embasaram a decisão ora impugnada, de modo que merece ser integralmente mantida.6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.566.408/MT, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 30/10/2024, DJe de 6/11/2024).

“[…] Nos termos da jurisprudência desta Corte, a palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade, assume relevantíssimo valor probatório, mormente se corroborada por outros elementos, como ocorreu na hipótese dos autos […]” (AgRg no HC n. 808.611/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 28/4/2023).;

[7] MATIDA, Janaína Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre compromissos epistêmicos e o respeito à presunção de inocência. In Violência de Gênero: temas polêmicos e atuais. André Nicolitt e Cristiane Brandão Augusto (orgs). São Paulo: D´Plácido. 2019, p. 88-89.

[8] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 579.

[9] “[…] 4. A palavra da vítima, em crimes contra a dignidade sexual, possui especial valor probatório, especialmente quando corroborada por outros elementos, como depoimentos de testemunhas e relatórios psicológicos, conforme consolidado na jurisprudência do STJ. 5. O Tribunal de origem, ao valorar as provas, dispôs que a palavra da vítima, que se mostrou coesa, foi corroborada pela prova testemunhal (depoimento da genitora), pelo laudo pericial, que atestou a ocorrência de conjunção carnal, bem como pela avaliação realizada pela psicóloga que acompanhou a vítima nos dias seguintes ao fato, sendo vedado o reexame do conjunto fático-probatório em recurso especial, conforme a Súmula nº 7/STJ. […] (AREsp n. 2.425.496/BA, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 11/11/2024).

[10] À título de exemplo, destaca-se julgado recente proferido pelo Superior Tribunal de Justiça que considerou a palavra da vítima e os relatos de sua genitora como fundamento hábil a justificar condenação. Veja-se: “[…] PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. […] 2. A Corte de origem, após ampla análise do conteúdo probatório, motivadamente concluiu pela presença de provas suficientes a comprovar a autoria e a materialidade do delito, quais sejam, a palavra da vítima e os relatos de sua genitora. […] 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.678.866/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 17/9/2024).

[11] APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. PALAVRA DA VÍTIMA, ESPECIALMENTE RELEVANTE EM CRIMES SEXUAIS, SUFICIENTE PARA CONDENAÇÃO, POIS VEROSSÍMIL E COERENTE COM OUTROS ELEMENTOS DO PROCESSO. PEQUENAS DISCREPÂNCIAS EM SEU RELATO QUE NÃO COMPROMETEM SUA CREDIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE TENHA INVENTADO OU FANTASIADO OS FATOS, ATÉ PORQUE SUA DECLARAÇÃO É CORROBORADA PELOS DEPOIMENTOS JUDICIAIS DE SUA GENITORA E DE DUAS TESTEMUNHAS COMPROMISSADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. […] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, COM MEDIDA DE OFÍCIO. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS. (TJPR – 3ª Câmara Criminal – 0002007-17.2020.8.16.0139 – Prudentópolis – Rel.: DESEMBARGADOR MARIO NINI AZZOLINI – J. 01.09.2024).

[12] Súmula 593 STJ: “O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”. (TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/10/2017, DJe 06/11/2017).

[13] “É inconstitucional a prática de desqualificar a mulher vítima de violência durante a instrução e o julgamento de crimes contra a dignidade sexual e todos os crimes de violência contra a mulher, de Votação e julgamento Resultado do julgamento modo que é vedada eventual menção, inquirição ou fundamentação sobre a vida sexual pregressa ou ao modo de vida da vítima em audiências e decisões judiciais (CF, arts. 1º, III; 3º, I e IV; 5º, caput e I; 226, § 5º)”. ADPF 1107, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 23-05-2024, DJe-s/n DIVULG 23-08-2024 PUBLIC 26-08-2024.

[14] HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam Editora, 1993, p. 61.

[15] Nesse sentido são as lições de WUNDERLICH, Alexandre. Palavra da vítima e criação de presunção negativa: mitigação da defesa em casos de crime contra a mulher no ambiente doméstico. Boletim IBCCRIM. Dossiê: Desafios atuais da defesa técnica (pública e privada). Ano 32. N. 381. Porto Alegre, ago/2024; MATIDA, Janaína Roland. A determinação dos fatos nos crimes de gênero: entre compromissos epistêmicos e o respeito à presunção de inocência. In Violência de Gênero: temas polêmicos e atuais. André Nicolitt e Cristiane Brandão Augusto (orgs). São Paulo: D´Plácido. 2019; SZESZ, André. O standard de prova para condenação por crimes sexuais: é viável e eficaz a flexibilização da exigência de corroboração probatória em crimes dessa espécie com o objetivo de redução da impunidade? Revista Brasileira de Direito Processual Penal. Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 1007-1041, mai.-ago. 2022.

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