Pela força do precedente, STJ leva para a 1ª Seção caso sobre 'crimes de maio'
10 de dezembro de 2024, 17h53
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar para a 1ª Seção da corte a decisão sobre a prescritibilidade das ações de indenização pelos danos morais e materiais causados por agentes do Estado no caso dos “crimes de maio” de 2006, em São Paulo.

Crimes de maio de 2006 deixaram 505 civis assassinatos por agentes do Estado em São Paulo
A 1ª Seção é formada pelos membros da 2ª Turma em conjunto com os da 1ª Turma, responsáveis por julgar causas de Direito Público. O Regimento Interno do STJ autoriza que causas de grande repercussão sejam decididas diretamente nesse colegiado.
O caso tratado é um desses. Caberá ao STJ decidir se os “crimes de maio” se enquadram na definição de grave violação aos direitos humanos, de modo a merecer a imprescritibilidade na forma que o próprio tribunal superior e a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm admitido.
Esses crimes foram praticados por agentes do Estado como represália a ataques e rebeliões do PCC em 2006. Por causa da morte de 59 pessoas, entre policiais e agentes penitenciários, o movimento revanchista assassinou 505 civis.
A ação pede indenização por danos morais, materiais e sociais (difusos), além da disponibilização de assistência psicológica aos familiares das vítimas. Também busca que o governo de São Paulo seja obrigado a elaborar um pedido formal e público de desculpas e preparar um vídeo de duração razoável com o registro de depoimentos dos familiares das vítimas.
O STJ, mais especificamente, tem precedentes declarando a imprescritibilidade de ações reparatórias relacionadas a violações ocorridas no período da ditadura militar. Estender esse entendimento a atos de policiais, após a redemocratização, pode ter impacto relevante.
Esse ponto foi destacado na sustentação oral do procurador do estado de São Paulo, Daniel Henrique Ferreira Tolentino, que classificou o precedente como “perigoso” e ressaltou que a responsabilização dos agentes na seara criminal já pode levar à reparação dos danos.
Foi o que levou o ministro Marco Aurélio Bellizze a propor a afetação para a 1ª Seção. Ele destacou a importância do tema, o fato de o colegiado estar incompleto pela licença médica do ministro Afrânio Vilela e a singularidade da causa.
Em sua análise, dificilmente o tribunal terá um precedente como esse para ser confrontado pela 1ª Turma ou para motivar a análise pela 1ª Seção.
“Temos de ter em vista que essa decisão é excepcional. Senão todo caso de violência, de morte decorrente de ação policial, em tese, terá o mesmo fundamento. Vamos criar uma situação de formar precedente para resolver um caso concreto que talvez mereça distinção. Temos de taxá-lo de excepcional. Estaríamos abolindo a prescrição.”

Para ministro Teodoro Silva Santos, crimes de maio de 2006 representam grave violação aos direitos humanos
Crimes imprescritíveis
A ministra Maria Thereza de Assis Moura e o ministro Francisco Falcão concordaram com a afetação. Pelo princípio da colegialidade, o ministro Teodoro Silva Santos acompanhou os colegas.
Antes disso, ele votou por reconhecer a imprescritibilidade da ação, que foi ajuizada em 2018 pelo Ministério Público de São Paulo. O caso chegou ao STJ em recurso especial da Defensoria Pública de São Paulo. Atuou no caso o defensor público Rafael Muneratti.
Antes, tanto a sentença quanto o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo na apelação reconheceram a prescrição, pela aplicação do artigo 1º do Decreto 20.910/1932.
A norma diz que todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda, seja qual for a sua natureza, prescreve em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originar.
Ao STJ, a Defensoria Pública paulista sustentou que os tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu e a Constituição Federal indicam que não há prescrição para os casos de violação de direitos humanos, o que se confirma pela jurisprudência dos tribunais superiores.
O ministro Teodoro Silva Santos analisou o caso e concluiu que o padrão de atuação nas mortes demonstrou indícios de execuções direcionadas em ações extrajudiciais contra vítimas predominantemente jovens, negras ou pardas, e de áreas de periferia.
Isso reforça o caráter discriminatório e desproporcional dos crimes, que sequer chegaram a ser investigados por causa da omissão do estado de São Paulo, inclusive na adoção de medidas preventivas para conter a violência e proteger a população.
O cenário de impunidade levou o Brasil a ser investigado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pode resultar em condenação internacional. Por esse motivo, uma das chacinas de maio de 2006, do Parque Bristol, teve as investigações federalizadas pela 3ª Seção do STJ, em 2022.
Para o relator, a gravidade das violações, a ausência de responsabilização eficaz e o impacto sobre grupos vulneráveis qualificam esses eventos como graves violações de direitos humanos.
“Dessa forma, o reconhecimento da imprescritibilidade da reparação cível decorrente dos crimes de maio é essencial para garantir o direito das vítimas à justiça e à reparação. Tal posicionamento está alinhado com as obrigações assumidas pelo Brasil no plano internacional.”
REsp 2.172.497
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