Nação adversária

No caso do TikTok, corte dos EUA decide que a segurança nacional se sobrepõe à liberdade de expressão

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9 de dezembro de 2024, 10h31

Na decisão que manteve intacta a lei que colocou o TikTok em uma situação de “ou dá ou desce” — isto é, ou vende a plataforma a investidores não chineses ou é banida dos Estados Unidos —, o Tribunal Federal de Recursos no Distrito de Colúmbia se fundamentou essencialmente na tese de que a segurança nacional se sobrepõe à liberdade de expressão.

Essa foi a principal alegação do Departamento de Justiça (DOJ): a de que o governo dos EUA tem a autoridade para banir o TikTok em face do risco que oferece à segurança nacional. Segundo o DOJ, a ByteDance, empresa controladora do TikTok, pode ser pressionada pelo governo da China a expor dados dos usuários americanos ou influenciar o que eles vão ver na plataforma.

O DOJ alegou também que o fato de a rede social ser de propriedade de uma empresa estrangeira exclui seu direito à liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição. E que o caso apresentado contra o TikTok não envolve essa questão.

EUA alegam que TikTok é o único aplicativo  controlado por uma nação estrangeira adversária

Os advogados do TikTok apresentaram três argumentos. Um de que a “Lei de Proteção aos americanos contra aplicativos controlados por adversários estrangeiros” (Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act), promulgada em abril, viola a liberdade de expressão de 170 milhões de usuários.

Outro argumento foi o de que o TikTok instalou um firewall que impede a ByteDance de acessar os dados dos usuários no país. Chamada de “Projeto Texas”, essa iniciativa de segurança roteia todos os dados dos usuários para um ambiente de nuvem da Oracle, em Austin, capital do Texas. Além disso, nenhuma autoridade dos EUA ofereceu, até agora, qualquer prova de que os chineses tenham tido acesso a esses dados.

O terceiro argumento é o de que o governo americano está atacando apenas um canal de mídia social, o TikTok, entre todos os que estão disponíveis no mercado. Segundo os advogados, isso configura um caso de discriminação entre mídias e usuários, e caracteriza, portanto, uma violação da 5ª Emenda, que garante igualdade perante a lei.

O colegiado de três juízes do tribunal federal de recursos (dois conservadores e um liberal) rejeitou a alegação do DOJ de que o caso não envolve a questão da liberdade de expressão. Porém, “há precedentes jurídicos sustentando que preocupações com a segurança nacional neutralizam considerações sobre liberdade de expressão”.

O juiz liberal destacou, em voto separado, que, “se o caso envolvesse apenas uma empresa doméstica, haveria sérias preocupações sobre a Primeira Emenda”. A decisão unânime dos três juízes, porém, apresentou uma visão peculiar: “Nesse caso, o governo agiu somente para proteger essa liberdade contra uma nação estrangeira adversária”.

Em nome da segurança nacional

Para o tribunal, “o governo ofereceu duas justificativas para agir em nome da segurança nacional: 1) Se opor aos esforços da República Popular da China (RPC) de coletar grandes quantidades de dados de dezenas de milhões de americanos; 2) Limitar a capacidade da RPC de manipular conteúdo secretamente na plataforma do TikTok”.

“A primeira justificativa não se refere ao conteúdo da expressão ou reflete discordância com uma ideia ou mensagem”, diz a corte. “No entanto, a explicação do governo sobre a segunda justificativa se refere ao conteúdo da expressão do TikTok. O governo invoca, especialmente, o risco de a RPC manipular o conteúdo que o usuário americano recebe, interferir em nosso discurso político e promover conteúdo alinhado com os interesses da RPC.”

“De fato, o governo identifica um tema específico — a relação de Taiwan com a RPC — como um potencial ponto de conflito significativo, que pode ser objeto das operações de influência da RPC, e identifica outros tópicos de importância para a RPC”, diz a decisão.

A corte declarou, ainda, que, no julgamento do mérito, rejeita as alegações dos peticionários de violação de dispositivos constitucionais. A lei não viola a Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão, nem a Quinta Emenda, que garante a igualdade perante a lei.

A menção da Quinta Emenda se deve ao fato de o governo atacar apenas o TikTok, entre todas as plataformas de mídia social que operam no país. A justificativa, segundo a corte, é a de que “o TikTok é, até agora, a única plataforma de sua espécie a ser designada pelos poderes políticos como um aplicativo controlado por uma nação estrangeira adversária”.

“Por isso e pela ameaça à segurança nacional, não é surpresa que o Congresso tenha decidido impor restrições somente ao TikTok. Concluímos que a lei é consistente com as exigências de igualdade perante a lei”, declaram os juízes.

Próximos eventos

Apesar da decisão contundente do colegiado do tribunal federal de recursos, muita água deve ainda passar debaixo da ponte. O TikTok poderá, em primeiro lugar, recorrer ao tribunal pleno da corte. Essa será uma iniciativa que não lhe dá muita esperança de sucesso, porque a decisão foi unânime e “bipartidária”. Mas tomará tempo. E levará o caso para além — ou para perto — da data de 19 de janeiro, quando termina o prazo para o TikTok desinvestir. Nesse caso, o presidente poderá estender o prazo em 90 dias.

Perdida a causa, o TikTok vai recorrer à Suprema Corte, com maior esperança de sucesso, segundo o porta-voz da plataforma, Michael Hughes: “A Suprema Corte tem um registro histórico estabelecido de proteger o direito à liberdade de expressão e esperamos que vá fazer exatamente isso ao julgar essa importante causa constitucional”.

Nesse meio tempo, o TikTok espera que o presidente eleito Donald Trump cumpra a promessa de campanha de salvar a plataforma. Em seu primeiro mandato, Trump liderou as tentativas de banir o TikTok, mas ele concluiu que a Meta, dona do Facebook, Instagram etc. (e principal beneficiária da derrocada do TikTok), contribuiu para sua derrota nas eleições de 2020. E mudou de ideia.

Agora, se especula sobre três possibilidades: 1) Trump poderá persuadir o Congresso, que estará nas mãos do Partido Republicano, a revogar a lei; 2) poderá ordenar a seu novo procurador-geral que não execute a lei; 3) poderá declarar que a ByteDance satisfez a lei, por ter realizado um “desinvestimento qualificado” do TikTok.

Mas, recentemente, tal promessa pareceu abalada, depois que Trump recebeu o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, para um jantar em sua residência oficial no clube de Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida.

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