Drop down como instrumento de investimento e eficiência tributária
9 de dezembro de 2024, 20h40
Operações de reorganização de atividades dentro de grupos econômicos, como o drop down, têm gerado um número crescente de consultas em escritórios de advocacia e contabilidade. Esse movimento reflete na busca dos empresários por estratégias legítimas de diversificação de suas atividades.
De maneira geral, o termo drop down refere-se a uma operação de troca de ativos com efeitos permutativos ou substitutivos, na qual uma empresa transfere determinados ativos (e passivos) para uma nova sociedade, recebendo, como contrapartida, participação acionária nesta nova entidade [1], passando, assim, a figurar como sua acionista.
Assim, suponha que a “Companhia A” atua no setor de tecnologia, oferecendo soluções de transformação digital, inteligência artificial e cibersegurança. Apesar de sua posição relevante no mercado, os sócios consideram necessário estruturar um novo arranjo comercial ou realizar uma operação societária para expandir os negócios e potencializar o crescimento da empresa. Dentre seus ativos, a “Companhia A” possui um software de cibersegurança [2] que protege empresas e órgãos governamentais contra os ataques externos, mitigando riscos operacionais, financeiros e de logística.
Para explorar esse ativo intangível, a “Companhia A” pretende criar uma nova empresa, avaliando três alternativas: (i) cisão parcial, (ii) alienação do ativo para uma nova empresa, ou (iii) operação de drop down. Ao optar pela operação de drop down, a “Companhia A” integralizará o ativo em uma nova companhia ou em uma pessoa jurídica já existente, a “Companhia B”.
A partir daí, as dúvidas levadas aos escritórios quase sempre flutuam em torno dos efeitos fiscais dessa operação, como, por exemplo: (i) se o arranjo poderá ser descaracterizado pelo órgão fiscalizatório, passando a ser considerado como simples operação de cisão parcial, atraindo uma responsabilidade tributária por sucessão empresarial; (ii) se é necessário reavaliar o ativo a valor justo antes de integralizar na nova “Companhia B”; (iii) se ao optar pela reavaliação, a “Companhia A” poderá obter ganho tributável para o IRPJ e CSLL.
Carf
O nosso foco será pontual nas questões acima, e tentaremos de forma muito objetiva responder às questões levantadas, nos socorrendo da jurisprudência judicial e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) quando for possível.
Pois bem. Inicialmente, entendemos que inexiste racionalidade nas estruturas societárias que não busquem materializar e dar sentido ao capital investido pelos acionistas. O acionista somente entrega capital à companhia se puder prever ganhos financeiros que façam valer o capital investido, corolário do sistema capitalista em que vivemos.
Assim, qualquer operação societária que se pretenda válida deve possuir uma “causa” [3] subjacente que lhe confira um propósito, sob pena da autoridade fiscal fazendária desconstituir a estrutura para imputar um novo nome (e regime jurídico tributário), o que implica, geralmente, no lançamento de tributos.
A dúvida central quase sempre gira em torno das diferenças entre a cisão (total e parcial) e o drop down. Uma vez entendidas as especificidades de cada uma as operações, não fica muito distante o manejo dos instrumentos e a correta aplicação dos efeitos fiscais decorrentes.
Nos termos do conhecido artigo 229 da Lei das S/A, a cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.
Por ser a cisão uma “operação horizontal”, a sociedade que recebe o patrimônio advindo da cisão não possuirá qualquer vínculo com a sociedade cindida, enquanto, no drop down, por ser uma “operação vertical”, após a versão do ativo para a nova sociedade, passa a existir uma relação societária entre as companhias envolvidas [4].
Assim, na operação cisão, o que se objetiva é a racionalização e reorganização de estruturas empresariais existentes, permitindo que a finalidade lucrativa do empreendimento seja alcançada de forma diversa da original, mediante a realocação de seu patrimônio [5], dividindo e/ou reduzindo o capital social da sociedade. No drop down a condição é inversa, o que se objetiva é a constituição de uma subsidiária integral com a integralização de ativos para aumento de capital na sociedade receptora sem nenhuma redução de capital da sociedade conferente.
A vista disso, no drop down não há redução do valor patrimonial da empresa conferente, porque esta se torna acionista da empresa subsidiária receptora. Dessa forma, os ativos transferidos são substituídos por participações na sociedade receptora. Logo, todos os efeitos contábeis e fiscais são neutros.
Retornando ao nosso exemplo hipotético, a “Companhia A” não terá diminuído o valor patrimonial por verter o ativo intangível do software de cibersegurança à “Companhia B”, ao revés, deverá reconhecer contabilmente a sua “nova” subsidiária integral. Percebe-se, pois, que em nenhum momento houve a diminuição ou extinção do seu capital social.
Com consequência, e ingressando no delineamento da questão (i) — se o arranjo poderá ser descaracterizado e ser considerado como sendo uma cisão parcial, atraindo uma responsabilidade tributária por sucessão empresarial —, entendemos que não há esse risco, pois não há sucessão.
Com efeito, a cisão parcial e o drop down não se confundem, pois se trata de operações completamente distintas, tanto em sua natureza como instrumento jurídico quanto em relação ao arcabouço normativo. A cisão, conforme previsto no artigo 229 da Lei das Sociedades por Ações, é uma operação regulamentada, enquanto o drop down configura uma figura atípica [6], cuja legitimidade encontra fundamento diretamente no artigo 170 da Constituição da República.
No mais, segundo o artigo 229 da Lei das Sociedades por Ações (LSA), a cisão resulta na divisão do capital social com a consequente redução do patrimônio da pessoa jurídica, sendo que um dos efeitos imediatos dessa operação, por exemplo, é a compensação de prejuízos fiscais proporcionalmente à parcela do patrimônio líquido transferida. No drop down não há esse efeito na companhia conferente, mantendo-se o capital da sociedade íntegro. Logo, ambos os instrumentos não se confundem.
Interessante notar o comportamento jurisprudencial sobre a responsabilização por sucessão nas operações de drop down. Inclusive, quando instado a analisar demandas de drawback, o TRF-4 entendeu que não havia sucessão [7].
Destarte, realizamos pesquisa de jurisprudência (últimos cincoanos) com o termo “drop down” nos TRFs, STJ e Carf. Os resultados obtidos indicaram uma completa distinção entre os institutos analisados. Alguns Tribunais, inclusive o STJ, ainda não tiveram a oportunidade de analisar o instituto vis-à-vis a responsabilidade tributária por sucessão.
O quadro abaixo apresenta uma síntese das conclusões alcançadas.
ÓRGÃO
DECISÓRIO |
REGISTRO | DATA | FUNDAMENTO |
CARF
1ª Seção de Julgamento / 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária |
Recurso
Voluntário 1301-006.303 |
15/03/2023 | Normas gerais de Direito Tributário. DROP DOWN. Responsabilidade por sucessão. Cisão Parcial. Operaçoes societárias que não se confundem. Institutos jurídicos distintos. Ausência de simulaçào. Inaplicabilidade da regra de responsabilidade. |
TRF1
7 Turma |
0008267-61.2008.4.01.3800 | 04/08/2020 | Constatada a disparidade entre a figura do Drop Down e a cisão, não se pode realizar interpretação extensiva ou se aplicar analógica para conferir benefício tributário não previsto em lei. |
TRF2 | – | – | – |
TRF3
1ª Turma |
Agravo 5018758-82.2021.4.03.0000 (JBS – Bertin SA)
|
01/09/2022 | Efeito suspensivo execução. Sucessão Tributária (JBS – Bertin SA) outros Agravos; 5001978-72.2018.4.03.0000; 5005848-62.2017.4.03.0000;5010780-25.2019.4.03.0000; 5011062-34.2017.4.03.0000e5005129-80.2017.4.03.0000 |
TRF3
4ª Turma |
Apelação 0018111-95.2017.4.03.6182
(JBS – Bertin SA) |
02/05/2024 | E M E N T A DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. OPERAÇÃO DE DROP DOWN. CARACTERIZAÇÃO. CISÃO E SUCESSÃO EMPRESARIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 2. Muito comum no Direito norte-americano, a operação de drop down é ainda pouco conhecida na prática negocial brasileira, o que não autoriza, no entanto, a equiparação singela da referida transação aos institutos clássicos da doutrina nacional (tais quais a cisão, a fusão e a incorporação), porque de fato os elementos constitutivos são diversos. |
TRF4
2 Turma |
Agravo 5007680-35.2019.4.04.0000 | 25/06/2019 | TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO CONCESSÓRIO DE DRAWBACK. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. INCABIMENTO. 1. Somente nas hipóteses de sucessão legal poderá ser alterada a titularidade do ato concessório de drawback.2. A regra que disciplina essa alteração de titularidade reclama interpretação estrita, de modo que não se pode estendê-la, analogicamente, a uma gama indeterminada de operações, como aquela que as agravantes denominam de drop down. 3. No caso dos autos, a constituição da empresa não decorre de processo de transformação, fusão, cisão ou incorporação, de modo que a ela não se aplica a transferência de titularidade pretendida. |
TRF5 | – | – | – |
TRF6 | – | – | – |
STJ | – | – | – |
Passamos rapidamente pelo tratamento dos reflexos da operação de drop down no IRPJ e CSLL, em especial às questões ii (se é necessário reavaliar o ativo a valor justo antes de integralizar na nova “Companhia B”) e iii (se, ao optar pela reavaliação, a “Companhia A” poderá obter ganho tributável).
Bem, a recomendação deve ser sempre positiva, no sentido de que o ativo a ser transferido seja previamente avaliado a valor justo (AVJ) e contabilmente reconhecido no balanço da companhia conferente [8].
Na verdade, não há uma regra sobre transferir ou não o ativo pelo valor já contabilizado e receber as cotas da nova sociedade pelo valor correspondente. Seja como for, nessa situação, trata-se de típica permutação patrimonial no movimento de contas contábeis (neutralidade) sem nenhum acréscimo patrimonial que poderia se sujeitar à incidência do IRPJ e da CSLL.
Por outro lado, entendemos que haverá ganho tributável quando o ativo for avaliado a valor justo. No entanto, o efeito tributário dessa avaliação é diferido por força do artigo 17 da Lei nº 12.973/2014, que determina que ganho decorrente de avaliação com base no valor justo de bem do ativo incorporado ao patrimônio de outra pessoa jurídica, na subscrição em bens de capital social, ou de valores mobiliários emitidos por companhia, não será computado na determinação do lucro real.
Para que o ganho não seja computado, a norma determina que a avaliação e aumento do valor do bem seja controlado em subconta vinculada à participação societária na nova companhia que recebeu os ativos. Nessas condições, uma vez evidenciado contabilmente, o ganho somente será tributado quando houver a alienação do ativo, ou em outros eventos societários [9].
Em conclusão, a operação de drop down apresenta-se como uma ferramenta eficaz tanto para a expansão estratégica de negócios quanto para a otimização tributária, quando devidamente planejada e executada conforme o ordenamento jurídico. Sua natureza jurídica distinta da cisão, caracterizada pela integralização de ativos em uma subsidiária sem redução do capital social da empresa conferente, assegura neutralidade fiscal e contábil mediata.
Ademais, o reconhecimento prévio dos ativos pelo valor justo, embora recomendável para maior transparência e governança corporativa, não configura, por si só, ganho tributável imediato, salvo na ocorrência de alienação futura ou outros eventos societários, conforme previsto na legislação vigente. Isso posto, o drop down surge como uma alternativa legítima para reorganizações empresariais, contribuindo para o fortalecimento da estrutura de grupos econômicos e a preservação de seus objetivos de longo prazo.
[1] Lei das S/A: Art. 7º O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.
[2] O exemplo é apenas ilustrativo. O drop down pode ser utilizado para conferir participação acionária com máquinas, equipamentos, e qualquer outro ativo da companhia.
[3] COELHO, Fábio Ulhoa. A causa dos negócios jurídicos-societários. RevM&A, São Paulo, v. 3, jan./jun., 2023.
[4] TEPEDINO, Ricardo. O Trespasse para a Subsidiária (drop down). In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coords.). Direito Societário e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
[5] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. v. 3. p. 256
[6] O Art. 50, inciso II, da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, faz previsão da “constituição de subsidiária integral” como meio de recuperação judicial e viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor.
[7] No mesmo sentido ver PARECER PGFN/CAT Nº 21 /2015
[8] Vale trazer a lição de Ricardo Mariz de Oliveira, que defende que nem toda avaliação de ativos resulta em ganho tributável pelo IRPJ e pela CSLL. Segundo o autor, a revalorização interna por ato intra muros do patrimônio do contribuinte, em avaliação por AVJ, não representa renda nem muito menos realização de renda e, ainda que represente uma razoável expectativa de um ganho futuro, podem influir em tributos incidentes sobre o patrimônio, mas não nos tributos que incidem sobre renda. Ver em “Fundamentos do Imposto de Renda (2020). São Paul, SP. IBDT v.2. p. 1225”
[9] Caso nenhuma das hipóteses ocorra no prazo de cinco anos subsequentes à subscrição em bens do capital social o ganho será tributado à razão de 1/60, no mínimo, para cada mês do período de apuração, conforme determina o inciso III do art. 17 da Lei n. 12.973/2014.
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