Opinião

Concessões para a exploração de áreas aeroportuárias

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  • é mestre em Direito Societário pela Faculdade de Direito da UFMG “of counsel” do GVM Advogados sócio fundador de Ricardo Alvarenga Advocacia e Consultoria Jurídica Aeronáutica ex-sócio de Rolim Goulart Cardoso Advogados ex-diretor jurídico da Líder Táxi Aéreo S.A. e Autor dos livros Direito Aeronáutico – Dos Contratos e Garantias sobre Aeronaves (Del Rey 1992) e Pareceres em Direito Aeronáutico (Del Rey 2015).

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7 de dezembro de 2024, 11h13

A Organização de Aviação Civil Internacional (Icao) definiu aeródromo como “determinada área de terra ou de água destinada, total ou parcialmente, à chegada, partida, movimento e serviço de aeronaves” (Icao, “definitions”, 1949).

Os aeródromos públicos denominam-se aeroportos (artigo 31, I) ou heliportos — artigo 31, III, do  Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). Segundo a definição da Icao, constitui aeroporto o aeródromo provido de instalações acessíveis ao público, para o estacionamento, manobra, operação ou reparo de aeronaves e para o embarque ou desembarque de passageiros ou carga. São estas as lições de José da Silva Pacheco em seus Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica (1ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 93).

 Os aeroportos brasileiros são considerados patrimônios públicos da União, ou universalidades, definidos como tal no vigente CBA — artigo 38.

A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) é uma empresa pública criada através da Lei nº 5.862, de 12/12/1072.

Entretanto, a Lei nº 11.182, de 27/9/2005, que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), prevê o estabelecimento de um modelo de concessão da infraestrutura aeroportuária. No artigo 8º, inciso XXIV, assevera-se que a Anac “concede ou autoriza a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte”.

Em 2/3/2011, a Medida Provisória nº 527, editada pela presidente da República, alterou a redação do artigo 2º da Lei nº 5.862/72 para estabelecer que, “desta data em diante, a Infraero terá por finalidade implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária, que lhe for atribuída pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República”.

Em outras palavras, isso significava que a Infraero passou a não mais exercer o monopólio de exploração da infraestrutura aeroportuária em nome da União. Admitia-se que outros entes da administração pública ou entes privados o fizessem, por meio de concessões e parcerias público-privadas (Lei de Concessões nº 8.987/1995), alterada pelas Leis 11.196/2005 e 11.079/2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas).

A crise na infraestrutura do país, entretanto, atingiria níveis de verdadeira calamidade, consideradas apenas as deficiências observadas no setor aeroportuário, principalmente nos aeroportos mais importantes ou movimentados do país.

“Frequent flyers” podiam observar que as instalações e os serviços aeroportuários eram críticos e não havia termos de comparação entre os aeroportos nacionais e outros situados em países do primeiro mundo.

É claro que aeroportos não são apenas salas de visitas. Há neles equipamentos importantíssimos que se relacionam com a segurança e o próprio bem-estar dos passageiros. E segurança possui um sentido duplo, na língua inglesa, com vocábulos de grafias e acepções diferentes: “safety” e “security”. O primeiro tem a ver com a segurança das pessoas quanto a sua integridade física, higidez corporal/mental. Já o segundo diz respeito a segurança no sentido de prevenção de atos ilícitos.

Ocorre que a atuação do Estado, como gestor aeroportuário, vinha negligenciando a questão de segurança, em prol de outros aspectos desse patrimônio. A transformação de alguns aeroportos em “malls”, priorizando-se as áreas comerciais em detrimento das operacionais, foi uma realidade atroz.

 Titularidade e delegação de tarefas

Quando a administração pública executa seus próprios serviços, age na qualidade de titular deles; quando os transfere a outrem, pode conceder a titularidade ou, apenas, a execução. A transferência da titularidade é outorgada por lei e só por meio de outra de lei pode ser retirada ou alterada. Já na transferência da execução, a delegação é realizada através de ato administrativo (bilateral ou unilateral) e pela mesma maneira pode ser retirada ou alterada. No Brasil, a outorga de serviço público ou de utilidade pública é feita a autarquias, fundações públicas e entidades paraestatais, transferindo-se a titularidade dos serviços.

A União transferiu à Infraero a competência prevista no artigo 21, inciso XII, letra “c”, 2ª parte, da CF/88. Ulteriormente, incumbiu a Agência Nacional de Aviação Civil e, depois, a Secretaria Nacional de Aviação Civil de delegar a terceiros a execução das tarefas de implantar, administrar, operar e explorar a infraestrutura aeroportuária, por meio de concessões.

No que concerne à delegação para simples execução de serviço público ao particular, sem a transferência de titularidade, o poder público, temporariamente, abdica de fazê-lo por si próprio. Como ocorre com as concessões administrativas para exploração da navegação aérea, segundo previsto na primeira parte do mesmo artigo 21, XII, letra “c”, da CF. Portanto, as empresas de transporte aéreo já são um claro exemplo de que é recomendável que o poder público transfira à iniciativa privada a gestão de determinados aeroportos.

O CBA, de 1986, antes da Constituição de 1988, já estabelecia que é possível a concessão ou autorização para a construção, manutenção e exploração dos aeródromos públicos. Veja-se no artigo 36, inciso IV, do CBA. Aliás, a própria CF, em seu artigo 175, prescreve que os serviços públicos possam ser prestados por meio de concessões.

Mas teria a Infraero perdido sua competência pela criação da Anac? E quanto à Secretaria Nacional de Aviação Civil, criada nos albores de 2011? Como sugestão de resposta a tais indagações, depreende-se que os dois últimos entes públicos passaram a deter a titularidade do direito constitucional conferido à União, enquanto à primeira resta apenas o direito de execução dos serviços aeroportuários, se não houver delegação a particulares.

O Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, v.g., teve sua administração delegada pela Infraero ao estado de Minas Gerais. Ato contínuo, o estado mineiro licitou o Aeroporto da Pampulha, sagrando-se vencedora do leilão realizado pela B3, Bolsa de Valores de São Paulo, em 5/10/21, a empresa CCR, com a proposta de R$ 34 milhões, representando um ágio de 245,29% sobre o valor mínimo do edital.

Aliás, a outorga de parcelas do patrimônio aeroportuário a particulares não era novidade alguma, porquanto diversas empresas já haviam se tornado concessionárias de áreas aeroportuárias, tanto para a exploração comercial como para fins operacionais. Para a primeira hipótese, são exemplos os estabelecimentos comerciais, v.g., cinemas, hotéis e outros do gênero, instalados nos principais aeroportos brasileiros.

Para a segunda, os hangares e escritórios que abrigam empresas aéreas, de táxi aéreo e outras que têm como escopo a exploração de quejandos serviços. Nesses casos, a Infraero, sucedânea da União, outorgava aos empresários o direito de utilizar determinadas aéreas aeroportuárias pagando-se o preço negociado entre as partes.

A partir da edição da Lei de Concessões (8.987/95), deu-se sequência à disposição programática do artigo 175 da CF, regulamentando-se a forma de outorga do poder público ao particular para a prestação de serviços públicos. Mas somente em 2005 ocorreria a mitigação dessas normas, antes mais estritas, por meio da Lei nº 11.196. Nela estabeleceu-se que poderia haver a inversão da ordem de habilitação e apresentação de propostas pelos licitantes interessados na outorga, com o oferecimento de lances sucessivos, ou seja, por meio de leilão.

De qualquer modo, as licitações públicas devem obedecer às normas gerais da Lei nº 8.666/93, guardadas as peculiaridades da Lei de Concessões (8.987/95). Portanto, vários aeroportos brasileiros tiveram sua administração e exploração comercial outorgadas à iniciativa privada, como os do Rio de Janeiro, Guarulhos, Campinas, Belo Horizonte e, mais recentemente, o de Congonhas, em São Paulo.

Spacca

No estado de Minas Gerais, foi estabelecida a parceria entre a administração estadual e empreendedores privados, conforme a Lei mineira nº 18.038, de 12/1/09, definindo as regras e diretrizes para a formalização de contratos ou convênios entre o Estado e a iniciativa particular. Lei esta que foi editada como forma de aprimorar o desenvolvimento econômico do Estado, por meio da construção ou reforma dos aeroportos. Esta mesma lei serviu como fulcro para a concessão outorgada pelo estado de Minas Gerais à CCR Aeroportos, em 21, no que concerne ao Aeroporto da Pampulha.

Compulsando-se a legislação vigente, não foi encontrado qualquer óbice a que a construção ou a exploração de aeroportos fosse outorgada a empresas de capital estrangeiro ou controladas por pessoas físicas ou jurídicas estabelecidas no exterior.

Na verdade, seria até mesmo desejável, para fins de ampliação do quadro de interessados, que os editais de licitação para a concessão de aeroportos brasileiros pudessem prever a participação de empresas estrangeiras, por meio de consórcios com empresários brasileiros. A disputa ganharia muito mais competitividade, ampliando as vantagens econômicas oferecidas pelos licitantes. Exemplos são as concessões do Aeroporto de Belo Horizonte (Confins), contemplando o consórcio BH Airport, com as participações da CCR e do administrador e operador  do Aeroporto de Zurique.  Fato também ocorrido em relação ao Aeroporto de Congonhas, contemplando a empresa espanhola Aena.

Em suma, a Infraero vinha se mostrando pouco eficiente em administrar os aeroportos brasileiros. A urgência de aprimoramento era imediata, pois o país assumiria a realização de dois importantes eventos desportivos (as Olimpíadas, em 2010, e a Copa do Mundo, em 2014) que aumentariam sobremaneira o afluxo de turistas, expandindo exponencialmente o público usuário dos aeroportos. Já se sabe que, a despeito da ojeriza que a palavra privatização causava aos antigos quadros do governo federal, as ideias propícias à iniciativa privada assumir a administração e a operação dos citados sítios aeroportuários acabaram por se materializar.

Logo, não se poderia recomendar que a sociedade brasileira continuasse a assistir passivamente à ampliação dos movimentos aeroportuários sem ação das autoridades. O mínimo que se poderia fazer era a abertura de oportunidades para investimentos privados para contrabalançar a carência de recursos financeiros da Infraero e do próprio Tesouro Nacional, por meio de concessões para a exploração de terminais aeroportuários.

As experiências já realizadas em outros países eram muito bem-sucedidas. Por exemplo, a do Aeroporto Internacional de Copenhague (Kastrup), cujas administração e exploração foram privatizadas em 1994, por determinação do Parlamento dinamarquês. A eficiência da gestão privada se mostrou muito maior, a ponto de elevar as receitas e tornar o negócio lucrativo ou superavitário em poucos anos.

Ademais, os índices de pontualidade dos pousos e decolagens nesse aeródromo chegaram, após a privatização, a 95% em 2007. Naquele ano o Aeroporto Internacional de Copenhague teve movimento de 22 milhões de passageiros, com projeção de aumento para mais de 30 milhões, número este alcançado em 2019 e certamente superado em 2024.

Outro exemplo emblemático é o do Aeroporto Internacional de Lima, no Peru, cuja administração foi transferida ao grupo privado Fraport AG — Frankfurt Airport Services Worldwide, de origem alemã, que também administra os Aeroportos de Frankfurt, Cairo e Dacar.

Considerado um dos melhores aeroportos da América Latina, nem de longe lembra o acanhado terminal de passageiros que foi assumido pelos empresários germânicos, em 2001, por meio de concessão das autoridades peruanas.

Formalmente, essa empresa possui o direito de operação e exploração do Aeroporto Internacional Jorge Chavez, por meio de concessão outorgada pelo Ministério dos Transportes e Comunicações do Peru. Tal concessão é válida até 2031, com renovação automática até 2041, sendo a metade da receita bruta auferida com a exploração das instalações e facilidades aeroportuárias compartilhada com a autoridade concedente.

Para encerrar, observa-se que a agência internacional Fitch Ratings, anualmente, classifica os aeroportos mais movimentados do planeta nas categorias “AA” ou superior; “A” e “BBB”, como perfis de permanência em grau de investimento. Na última década, dentre os avaliados, 13% figuraram na primeira categoria (“AA”); 70% na segunda (“A”) e 14% na terceira categoria (“BBB”); 3% ficaram abaixo das 3 categorias ou abaixo do chamado grau de investimento, sem classificação. Mereceram classificação “AA” os Aeroportos Internacionais de Los Angeles, Orlando e África do Sul; “A” os de Paris (Charles De Gaulle), Londres (Heathrow) e Miami. Na categoria “BBB” figuraram os Aeroportos Internacionais de Aruba, Lima, Londres (Gatwick) e Sidney. Alguns aeroportos brasileiros, como os de Brasília e Guarulhos, que antes não figuravam em qualquer lista, foram incluídos na segunda categoria (A), em 2023.

Já a entidade denominada Skytrax, que também ranqueia os melhores aeroportos internacionais, em sua premiação anual (World Airport Awards), de 2023, classifica, dentre as cem instalações avaliadas, os Aeroportos de Singapura (Changi), Doha (Hamad), Tóquio (Haneda), Seul (Incheon), Paris (Charles De Gaulle), Istambul, Munique, Zurique, Tóquio (Narita) e Madri (Barajas), como os 10 primeiros colocados, pela ordem decrescente. Dentre todos, apenas três se situam na América Latina, ou seja, o de Bogotá, que figura em 37º lugar, o de Quito, em 40º, e o de Lima, figurando em 89º lugar (fonte: Skytrax Research.com). Nenhum dos aeroportos brasileiros, foi mencionado.

Autores

  • é mestre em Direito Societário pela Faculdade de Direito da UFMG, “of counsel” do GVM Advogados, sócio fundador de Ricardo Alvarenga Advocacia e Consultoria Jurídica Aeronáutica, ex-sócio de Rolim, Goulart, Cardoso Advogados, ex-diretor jurídico da Líder Táxi Aéreo S.A. e Autor dos livros Direito Aeronáutico – Dos Contratos e Garantias sobre Aeronaves (Del Rey, 1992) e Pareceres em Direito Aeronáutico (Del Rey, 2015).

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