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Mulher de litigante profissional Eduardo Bottura é presa preventivamente

 

5 de dezembro de 2024, 15h54

A mulher do litigante profissional Luiz Eduardo Auricchio Bottura, Raquel Fernanda de Oliveira, foi presa preventivamente na manhã desta quarta-feira (4/12). O marido dela, contra quem também foi expedido mandado de prisão cautelar no último dia 14 de novembro, segue foragido. A suspeita é de que ele esteja na Itália.

raquel e eduardo bottura

Prisão de Raquel e Eduardo foi ordenada para conveniência da instrução criminal

Raquel foi presa por policiais federais e encaminhada à Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde passou a estar custodiada à disposição da Justiça.

A prisão preventiva deles havia sido decretada pela juíza Juliana Trajano de Freitas Barão, da 1ª Vara Criminal de São Paulo. Na decisão, a magistrada também havia ordenado a inclusão dos nomes do casal na lista de difusão vermelha da Interpol, já em razão da suspeita de que ambos viviam no exterior ou estariam prestes a sair do país.

Também do despacho, a julgadora havia determinado a suspensão do exercício profissional da advogada Cibele Berenice Amorim e o afastamento do policial civil Roberto Elias de Siqueira.

Todos eles são réus em uma ação penal que trata da prática dos crimes de associação criminosa; inserção de dados falsos em sistema de informações; falsificação de documento público; usurpação de função pública; prevaricação; e violação de sigilo funcional.

O grupo também responde pelo delito tipificado no artigo 23 da Lei 13.869/19. O dispositivo trata do ato de “inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade”.

O caso envolve fatos ocorridos entre 2020 e 2021, com atuações de distritos policiais de São Paulo (23ª e 99ª DPs), devido à instauração indevida de inquérito policial contra um escritório de advocacia, a Associação de Vítimas de Eduardo Bottura e Cleinaldo Simões. Na ocasião, atos falsos foram assinados com o certificado de um delegado.

A prisão preventiva partiu de um pedido do Ministério Público, que ofereceu denúncia à Justiça em abril deste ano. A demanda só foi analisada agora, após o andamento inicial da ação e a ciência inequívoca das partes.

Garantia da instrução criminal

A juíza destaca na decisão que a prisão cautelar é necessária para a garantia da ordem pública e da conveniência da instrução criminal, “assegurando a participação dos acusados nos principais atos processuais”.

Ela narra que Bottura e a mulher coordenavam as ações da advogada e do policial afastado, “praticando infrações penais de forma reiterada e que teriam se prolongado no tempo”, o que aparece em inúmeras investigações em curso, e pondera sobre o risco de evasão do casal, dado o histórico do litigante profissional.

A julgadora cita, entre outros exemplos, uma ação penal em curso na 24ª Vara Criminal de São Paulo, na qual Bottura responde pela prática dos crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica.

Nesse caso sintomático, foi expedida carta rogatória em janeiro de 2023 para um endereço em Portugal, onde Bottura não foi achado. A mulher dele informou, então, que o marido estava na Itália, para onde foi expedida nova carta, também sem sucesso. Depois disso, foi ordenada a citação por edital, em abril deste ano, quando a advogada do litigante, agora suspensa, declarou outro endereço em Portugal. Em seguida, ela peticionou mais três endereços.

“O fornecimento de endereços diversos, informações supostamente equivocadas, além das notórias notícias de multiplicidade de demandas e recorrentes alegações de suspeição e impedimentos, que dificultam o correto andamento da marcha processual e, portanto, a adequada prestação jurisdicional, também revelam a intenção de frustrar a instrução criminal”, escreveu a juíza Juliana Barão ao justificar a prisão do casal.

Quem é o litigante profissional

Conforme já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico em diversas reportagens, Luiz Eduardo Auricchio Bottura é um litigante profissional que aparece como parte em mais de três mil processos.

Condenado cerca de 300 vezes por litigância de má-fé, ele se especializou em constranger desafetos se valendo de diferentes brechas do sistema de Justiça, como a indicação de endereços errados de suas vítimas para provocar falsas revelias. Já nas ações em que é réu, faz uso de estratégia parecida, mas para escapar da lei penal e não ser localizado.

Outra técnica do arsenal do litigante é processar magistrados para forçar que eles se declarem impedidos de julgá-lo. Para inibir quem o contraria, já processou um presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), os advogados das partes que o processaram e até o então secretário de Segurança de Mato Grosso do Sul, quando ele foi preso e seu nome e foto apareceram no site do governo.

Aventuras em série

Em 2009, a ConJur mostrou que Bottura havia instalado uma indústria de processos contra desafetos em Anaurilândia, uma pequena cidade do interior de Mato Grosso do Sul. À época, dos 600 processos que tramitavam no Juizado Especial da comarca, um quarto havia sido ajuizado pelo ligitante profissional.

Também naquele ano, ele chegou a ser preso por suspeita de falsificação de documentos, acusação recorrente em outras ações penais contra Bottura. Naquele caso, o litigante contumaz teria apresentado uma petição se passando pelo advogado da ex-mulher, segundo a defesa dela narrou à época, forjando um pedido para que o processo de separação e arrolamento de bens fosse encaminhado à comarca de Anaurilândia.

Em 2010, uma nova reportagem da ConJur mostrou que Bottura e as empresas de comércio na internet das quais era sócio respondiam a mais de 700 processos em todo o país e mais de uma dúzia de inquéritos policiais por crimes contra o consumidor.

Ainda à época, segundo investigações do Procon de São Paulo, que já havia aberto mais de 500 processos tratando de reclamações contra os negócios do litigante, Bottura era sócio de empresas acusadas de enviar boletos de cobrança a consumidores que jamais compraram nada com elas.

Em 2013, Bottura chegou a obter decisão favorável para retirar a ConJur do ar, em razão das reportagens que expunham as práticas do ligitante. O processo também era movido contra IG, Registro.br, Yahoo Brasil e Globo. Como interessados figuravam Terra, Google, NIC.Br, Microsoft, Midia Max e Jornal da Cidade.

No ano seguinte, ele chegou a ser pré-candidato ao governo de Mato Grosso do Sul pelo PTB. Em vídeo institucional da sigla divulgado à época, defendia que “os ratos fossem retirados do poder”.

Em 2021, Bottura conseguiu de uma vítima uma “doação” de R$ 7 milhões. Em conjunto com sua mãe, a psicóloga Maria Alice Auricchio Bottura, que atendia a vítima havia mais de 18 anos, atuou para que ela transferisse valores referentes à herança de seu marido a contas de empresas estrangeiras, ligadas aos autores dos fatos.

Prenda-me se for capaz

Em 2022, Bottura foi alvo de uma investigação da Polícia Civil de São Paulo, ocasião em que foram apreendidos veículos, celulares e documentos. Também havia sido expedido um mandado de prisão, mas o litigante não foi encontrado.

Na ocasião, a investigação policial narrava que o procurado deu causa a aproximadamente três mil ações infundadas, com a utilização de documentos falsos e chancelados por agentes públicos dotados de fé pública, alguns induzidos a erro e outros cooptados, utilizando-se do Poder Judiciário de maneira indevida para obter vantagem econômica.

Em 2023, Bottura foi condenado pela 16ª Câmara Criminal do TJ-SP à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial aberto, como incurso no artigo 129, §1º, incisos I e III, e §10 do Código Penal (lesão corporal grave; pela incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; e debilidade da função psíquica; com causa de aumento por ter sido cometida no âmbito da violência doméstica), nos moldes da Lei Maria da Penha (11.340/06).

Em outubro deste ano, a ConJur registrou que, ainda assim, ele tentava, até o momento, usando de embargos de declarações intempestivos, atrasar o início do cumprimento de sua pena.

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