Opinião

Proposta de política de prevenção de acidentes elétricos com animais silvestres no RS

Autores

  • é juiz federal em Curitiba professor da Faculdade de Direito da UFPR nos cursos de graduação mestrado e doutorado professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB doutor e mestre em Direito pela UFPR pós-doutorado em Direito pela UFBA e coordenador do Zoopolis - Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD-UFPR.

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  • é advogada mestranda em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) sendo bolsista na modalidade II Prosuc/Capes especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito especialista em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) pesquisadora vinculada ao Zoopolis – Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD/UFPR e pesquisadora vinculada ao DAER – Direito ambiental e Energias Renovárias do PPGD/UCS.

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2 de dezembro de 2024, 21h27

Foi protocolado, em novembro de 2024, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALE/RS), o Projeto de Lei (PL) 331/2024, para criar a política de prevenção de acidentes elétricos com animais silvestres em território gaúcho [1].

O PL é de autoria do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) e foi elaborado por um seleto grupo de trabalho, composto por servidores públicos, ativistas e pesquisadores dedicados à causa animal.

A necessidade de elaboração da lei evidenciou-se em uma audiência pública que tratou de redes elétricas e preservação da fauna. Na audiência, a comunidade gaúcha presente destacou a preocupação com os acidentes elétricos que têm atingido animais silvestres e a carência de normatização sobre o tema.

Entre os meses de dezembro de 2021 e fevereiro de 2024, 25 bugios morreram e 15 ficaram feridos em decorrência de acidentes envolvendo redes de energia. Somente no mês de fevereiro de 2024, três bugios foram vitimados por eletrocussão [2]. Segundo dados fornecidos pelo Projeto Macacos Urbanos, até 24 de julho de 2024, ocorreram 12 acidentes com postes elétricos envolvendo bugios, resultando em 9 óbitos (75%) [3].

Para o professor de medicina veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Alievi, os números catalogados de primatas envolvidos em acidentes com a fiação elétrica são apenas a ponta do iceberg, pois desconsideram, por exemplo, os que acabam fugindo após o choque e morrendo nas matas em decorrência do trauma [4]. Além disso, em muitas localidades do estado gaúcho, não há a contabilização das mortes decorrentes desse tipo de ocorrência, o que gera uma lacuna informacional.

É preciso destacar que, apesar de os dados colacionados por pesquisadores e organizações estarem restritos aos primatas, é de conhecimento geral que outros animais da fauna silvestre – como gambás, cuícas e pássaros – também são vítimas de acidentes com as redes de energia elétrica. Por esse motivo, o PL contempla a proteção de toda a fauna silvestre.

O PL 331/2024 busca promover medidas preventivas e adaptações na rede elétrica para impedir a ocorrência de acidentes elétricos, como (a) isolamento das conexões de cabos multiplexados; (b) instalação de protetores nos conectores e cabos para proteção adicional, incluindo o Protetor Preformado de Pássaros (PPP); (c) necessidade de fiscalização periódica para identificar e prevenir instalações clandestinas; (d) execução de podas regulares nas árvores próximas aos postes; e (e) colocação de pontes aéreas.

Soraya Ribeiro/SMAMS PMPA
Dois macacos-prego em um bambuzal

O projeto também aponta instrumentos como o Plano de Adaptação e o Protocolo de Prevenção: o Plano de Adaptação tem como objetivo compilar, em forma de cronograma, as ações a serem desenvolvidas pelos responsáveis nas estruturas elétricas já existentes; e o Protocolo de Prevenção detalhar o conjunto de procedimentos para o cumprimento da legislação.

Ainda são estipuladas infrações administrativas ambientais em face de atitudes como a não execução das medidas e adaptações constantes no Plano de Adaptação e no Protocolo de Prevenção; a ausência de resgate ou retirada do corpo de animais eletrocutados; e a falta de promoção de tratamento, custeio e manutenção dos animais que sofreram acidentes nas redes elétricas.

As sanções variam entre advertência, multa diária, multa simples e até a possibilidade de cumulação com demolição de obra, restrição de direitos e apreensão de animais e materiais utilizados na infração. Cabe destacar que o projeto estipula que o montante arrecadado em decorrência da aplicação das multas será revertido para projetos de proteção de animais silvestres vítimas de danos causados por eletrocussão.

Por fim, o PL 331/2024 traz disposições sobre o licenciamento ambiental, na esteira do que autoriza a LC 140/2011, dispondo sobre pontos relevantes, como as linhas de distribuição de energia em áreas de Unidades de Conservação e em áreas de conhecido habitat da fauna silvestre nativa.

Consonância com a CF/88

Em resumo, o projeto visa a proporcionar proteção aos direitos fundamentais dos animais da fauna silvestre gaúcha, por meio de medidas de adaptação e prevenção, responsabilizando aqueles que negligenciarem a devida tutela animal pelos danos resultantes dessa omissão.

Sublinhe-se que a própria dignidade da fauna gaúcha é tutelada pelo projeto, uma vez que visa a garantir um espaço seguro para esses animais habitarem, apesar da crescente expansão urbana e, consequentemente, da infraestrutura elétrica.

Spacca

Mostra-se, portanto, que o projeto gaúcho vem ao encontro do disposto na Constituição, a qual, em seu artigo 225, preconiza expressamente a proteção à fauna e dos direitos fundamentais animais, ficando claro que “os animais têm dignidade porque têm valor intrínseco atribuído pela Constituição” [5].

Apesar de os silvestres contribuírem ecologicamente para o equilíbrio do planeta, ressalta-se que eles importam por si sós, como seres sencientes. Nas palavras da ministra Rosa Weber, no célebre julgamento da ADI 4.983: “A Constituição, no seu artigo 225, § 1º, VII, acompanha o nível de esclarecimento alcançado pela humanidade no sentido de superação da limitação antropocêntrica que coloca o homem no centro de tudo e todo o resto como instrumento a seu serviço, em prol do reconhecimento de que os animais possuem uma dignidade própria que deve ser respeitada” [6].

É claro que leis protetivas aos animais devem surgir com uma visão cada vez mais próxima do Direito Animal — e não apenas do Direito Ambiental —, com animais protegidos por critérios de justiça e pela atribuição de direitos.

 


[1] Existe um Projeto de Lei tramitando em âmbito federal sobre a temática (PL 564/2023), de autoria do deputado federal Marcelo Queiroz, apresentado em fevereiro de 2023, e que atualmente se encontra aguardando parecer do relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

[2] MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL. MPRS ajuíza ação contra CEEE-D e CEEE Equatorial para prevenir a morte de bugios na Capital e em Viamão. Disponível em: https://www.mprs.mp.br/noticias/ambiente/58840/. Acesso em: 20 out. 2024.

[3] SCHAFFNER, Fábio. Cresce morte de bugios em cabos de energia na zona sul de Porto Alegre. Zero Hora. 2024. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2024/07/cresce-morte-de-bugios-em-cabos-de-energia-na-zona-sul-de-porto-alegre-clz0b0var00ae01dyebl6ew35.html. Acesso em: 20 out. 2024.

[4] ALIEVI, Marcelo Meller. Choques elétricos em bugios: quando não matam, mutilam. Zero Hora. 2024. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2024/03/choques-eletricos-em-bugios-quando-nao-matam-mutilam-clu8w6kh3009h019mf8i2ixy0.html. Acesso em: 13 nov. 2024.

[5] ATAÍDE JR., Vicente de Paula. Capacidade processual dos animais: a judicialização do direito animal no Brasil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 65

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI 4983/CE. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur366632/false. Acesso em: 12 nov. 2024.

Autores

  • é professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da UFPR e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutor e mestre em Direito pela UFPR, pós-doutor em Direito Animal pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), coordenador do Programa de Extensão em Direito Animal da UFPR, coordenador do Zoopolis – Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD da UFPR, membro-consultor da Comissão de Juristas para a revisão e atualização do Código Civil e juiz federal em Curitiba.

  • é advogada, mestranda em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) sendo bolsista na modalidade II Prosuc/Capes, especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito, especialista em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito, bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), pesquisadora vinculada ao Zoopolis – Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD/UFPR e pesquisadora vinculada ao DAER – Direito ambiental e Energias Renovárias do PPGD/UCS.

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