Distribuição de dividendos: aspectos societários
31 de agosto de 2024, 17h15
No contexto empresarial, a distribuição de dividendos é bastante discutida sob vários aspectos: a desproporcionalidade na sua distribuição, o percentual obrigatório de distribuição, a exclusão de determinados sócios ou acionistas na distribuição de dividendos e as preferências e prioridades.

A forma de distribuição de dividendos pode até mesmo implicar uma mudança no tipo societário de determinada sociedade ou companhia. Isto porque há diferenças entre as sociedades limitadas e sociedades por ações no que diz respeito à distribuição de lucros e dividendos.
Em primeiro lugar, cumpre destacar que é direito essencial do sócio e/ou do acionista, conforme o caso, participar dos lucros sociais. É o que está previsto nos artigos 997, inciso VII [1] e 1.008 [2] do Código Civil Brasileiro, bem como no artigo 109 [3] da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.). Ou seja, há vedação legal para suprimir o direito de o sócio e/ou acionista, conforme o caso, de participar dos lucros sociais, ainda que mediante deliberação da unanimidade dos sócios e/ou dos acionistas. Isto porque tais direitos essenciais “integram as bases essenciais do contrato de sociedade, que não podem ser alteradas por deliberação da assembleia, posto que decorrentes do ‘estado de acionista'”. [4]
Ainda, Nelson Eizirik menciona que “o direito ao dividendo apresenta as seguintes características principais: é direito subjetivo, individual, de conteúdo econômico, irrenunciável e irrevogável do acionista, que se converte em direito de crédito contra a companhia quando a assembleia geral delibera sua distribuição”. [5].
Condição para distribuição de dividendos
A distribuição de dividendos é um direito econômico conferido ao sócio/acionista e inerente à finalidade de toda e qualquer sociedade empresária, considerando que o seu objetivo está atrelado “conforme estabelecido no Código Civil, [na] à obtenção de lucro e, mais do que isso, [na] à partilha deste entre os seus sócios. Toda sociedade tem, portanto, a mesma finalidade ou fim social, sob pena de descaracterizar-se como tal”. [6]
No entanto, muito embora seja um direito inerente à condição de sócio, o direito à distribuição de dividendos está condicionado à efetiva existência de lucro passível de distribuição na sociedade, sob pena de sua descaracterização e responsabilização dos administradores, tanto no plano civil quanto no criminal (desde que comprovado o dolo individual), conforme estabelecem o artigo 1.009 do Código Civil [7] e o artigo 201, §1º da Lei 6.404/64 [8].
A Lei das S.A. prevê, ainda, que os acionistas que tenham agido de má-fé devem, obrigatoriamente, restituir os dividendos, sendo que, caso não tenha sido levantado o balanço do exercício ou os dividendos tenham sido distribuídos em desacordo com as demonstrações financeiras, presume-se que houve má-fé.
A distribuição de dividendos sem que se tenha verificado a existência de lucros contábeis pode acarretar, ainda, implicações tributárias no sentido de não serem caracterizados como tal e, portanto, passíveis de tributação.
Forma de distribuição de dividendos
Ainda, importante destacar que, de forma geral, os dividendos devem ser pagos em dinheiro, embora haja discussões a respeito da possibilidade de distribuí-los in natura, como por exemplo, em imóveis, participação em outra sociedade etc. No entanto, “deve-se considerar que qualquer pagamento processado através de um meio que não seja o dinheiro corresponderá a uma dação em pagamento, e que esta dependerá sempre da concordância expressa do acionista-credor” [9].
Distribuição obrigatória de dividendos
A Lei das S.A. prevê, em seu artigo 202, que os acionistas têm direito de receber dividendos obrigatórios de acordo com o previsto no estatuto social da companhia ou, se omisso, o valor determinado conforme as seguintes regras:
“I – metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:
- a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e
- b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores;
II – o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que tiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197);
III – os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não tiverem sido absorvidos por prejuízos em exercícios subsequentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização.” [10]
Ainda, “quando o estatuto for omisso e a assembleia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado[…]” [11], conforme mencionado no item I acima.
Há, no entanto, duas hipóteses previstas na Lei das S.A. “nas quais a companhia poderá distribuir dividendos inferiores aos limites mínimos obrigatórios fixados pela lei ou pelos seus estatutos, ainda que haja lucro suficiente para tal repartição”. [12]
A primeira delas é com relação às companhias abertas, quando a distribuição de dividendos é realizada exclusivamente para a captação de recursos por meio de debêntures não conversíveis em ações e a segunda, no caso das companhias fechadas, desde que estas não sejam controladas por companhias abertas que não se enquadrem na primeira hipótese aqui destacada. [13] Ou seja, há uma certa liberdade com relação às companhias fechadas com relação à (não) distribuição obrigatória de dividendos.
A Lei das S.A. prevê, ainda, que nas hipóteses em que a situação financeira da companhia for incompatível com a distribuição de dividendos, conforme assim informado pela administração em assembleia geral, a distribuição dos dividendos deixa de ser obrigatória. Neste caso, os lucros apurados daquele exercício serão registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos nos exercícios subsequentes, deverão ser pagos como dividendos assim que a situação financeira da companhia permitir. [14]
“Assim, se não houver lucro a ser distribuído aos acionistas, o direito ao dividendo permanece íntegro, tornando-se exigível quando houver ‘lucro’, inclusive em relação aos períodos em que se manteve suspenso.” [15].

No entanto, cumpre destacar que os dividendos obrigatórios devem sempre respeitar e não podem, de forma alguma, prejudicar o “direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos” [16].
Aqui, cabe destacar que a existência de preferências ou prioridades de recebimento de dividendos não configura uma restrição, limitação ou exclusão de direitos econômicos dos acionistas detentores de ações ordinárias, visto que se trata de hipótese permitida pela legislação atual. Em ambos os casos, a distribuição somente poderá ser realizada caso não haja oposição de qualquer acionista presente.
Dividendos obrigatórios nas companhias fechadas com receita bruta anual de até R$ 78 milhões
O Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/2021) (Marco Legal das Startups) trouxe diversas atualizações na legislação societária, inclusive da Lei das S.A. Dentre as suas modificações, ficou estabelecido que as companhias fechadas que tiverem receita bruta anual de até R$ 78 milhões, na hipótese de omissão do estatuto social quanto à distribuição de dividendos, ficam dispensadas de distribuir os dividendos obrigatórios, nos termos do artigo 202 da Lei das S.A.. [17] No entanto, ficaram mantidos os direitos dos acionistas preferencialistas em receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham preferência ou prioridade, conforme aplicável.
Na hipótese acima mencionada, os acionistas podem fixar, livremente, em assembleia geral o valor a ser distribuído como dividendos.
No entanto, como efeito da modificação legislativa, “afastada igualmente ficou a incidência do §2º do artigo 152, que condiciona o pagamento da participação nos lucros pelos administradores ao efetivo pagamento do dividendo obrigatório previsto no artigo 202”. [18]
Princípio da proporcionalidade
De forma geral, a distribuição de dividendos ocorre de forma proporcional à participação de cada sócio no capital social (no caso das sociedades limitadas) ou ao número de ações detido por cada acionista (no caso das sociedades por ações). A ideia é que “o sócio que mais contribuiu para a formação do capital social será, na mesma proporção, mais recompensado no momento da repartição dos lucros gerados pelas atividades da pessoa jurídica”. [19]
O Código Civil, muito embora estabeleça que é nula a disposição no sentido de excluir qualquer sócio da participação nos lucros e nas perdas, permite que os lucros sejam distribuídos de forma desproporcional, desde que previsto no contrato social da respectiva sociedade e deliberado pelos sócios neste sentido [20].
Importante destacar que a deliberação dos sócios pela distribuição desproporcional não configura exclusão de direitos econômicos, no entanto, considerando que se trata de uma deliberação diversa da regra geral, recomenda-se que a aprovação seja tomada pela unanimidade dos sócios, de forma a evitar questionamentos futuros. Caso contrário, o sócio considerado “prejudicado” poderá questionar a validade da aprovação.
No que toca às sociedades por ações, a Lei das S.A. estabelece que “as ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares” [21], não permitindo, portanto, a distribuição desproporcional de lucros entre os acionistas da mesma classe. Vale destaque, no entanto, a possibilidade de emissão de ações preferenciais, cujas preferências podem consistir em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo. [22]
Os dividendos preferenciais fixos são aqueles valores pré-determinados no estatuto social da companhia atribuídos a cada ação preferencial, o qual poderá ser com base em um valor certo em reais ou em um percentual fixo, sendo que as ações preferenciais com dividendo fixo somente participam do lucro até o montante previsto no estatuto social, não participando, portanto, dos lucros remanescentes da companhia.
O dividendo mínimo, por outro lado, é aquele que confere aos titulares o direito de receber um montante mínimo, baseado em um valor em reais ou em um percentual, os quais terão o direito de participar, ainda, em igualdade de condições com os demais acionistas, de eventual saldo do lucro remanescente, exceto se de outra forma estipulado para referida preferência.
Importante destacar que, diferentemente da distribuição desproporcional em que os sócios poderão deliberar livremente pela proporção dos lucros atribuída a cada sócio em cada uma das reuniões/assembleia de sócios, a distribuição dos lucros das sociedades por ações deve seguir, obrigatoriamente, a prioridade/preferência atribuída a determinada classe de ações preferenciais prevista no estatuto social. Caso contrário, a assembleia geral de acionistas deverá aprovar uma modificação no estatuto social, devendo seguir, ainda, o rito de convocação previsto no respectivo estatuto social e na legislação aplicável.
Há que se ponderar, no entanto, que os últimos anos, após a promulgação do Marco Legal das Startups, muito se discutiu sobre a (im)possibilidade de se realizar a distribuição de lucros de forma desproporcional nas sociedades por ações.
Isto porque, o §4º do artigo 294 da Lei das S.A. foi modificado para estabelecer que:
“§ 4º Na hipótese de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 desta Lei, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade.”
Para alguns, a inclusão da expressão “estabelecidos livremente pela assembleia geral” deu margem à interpretação no sentido de que a Lei das S.A. passou a permitir que, no caso das companhias fechadas com faturamento bruto anual inferior a R$ 78 milhões, os lucros sejam distribuídos da maneira como os acionistas, em assembleia geral, desejarem, inclusive de forma desproporcional.
Entretanto, interpretando a nova redação do §4º do artigo 294, bem como o contexto em que foi inserido, verifica-se que o legislador faz alusão, na verdade, à não necessidade de referidas companhias serem obrigadas a distribuir os dividendos obrigatórios, conforme estabelecido no artigo 202 da Lei das S.A. e mais bem explicado nos parágrafos acima deste artigo.
Isto porque, quando da sua promulgação, o Marco Legal das Startups tinha como objetivo incentivar o crescimento de startups. E, considerando que grande parte das startups adotam como tipo societário o das sociedades anônimas — por questões financeiras, contábeis e fiscais —, fazia-se necessário que eventuais lucros apurados permanecessem nas companhias em estágio inicial — e, portanto, não fossem obrigatoriamente distribuídos — de forma que referido valor fosse reinvestido, permitindo o seu crescimento.
Embora o Marco Legal das Startups tenha previsto que o Ministério da Economia disciplinaria o disposto no artigo 294, este publicou uma Portaria [23] referindo-se, tão somente, a questões relacionadas à publicação e à divulgação dos atos das companhias fechadas com faturamento inferior a R$ 78 milhões, sem mencionar o assunto da distribuição de lucros.
Tendo em vista que o Marco Legal das Startups é uma lei nova, não houve ainda entendimento jurisprudencial sobre o tema.
Por fim, muito, ainda se discutirá sobre o tema da distribuição desproporcional de dividendos, considerando que está sendo um dos objetos da reforma tributária, vez que, em 13 de agosto de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 prevendo, dentre outras mudanças, a incidência do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre a distribuição desproporcional de dividendos, na hipótese de ato societário praticado por liberalidade e sem justificativa passível de comprovação.
[1] Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
[…]
VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; […]
[2] Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.
[3] Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de:
I – participar dos lucros sociais; […]
[4] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II, Artigos 80 a 137. 3ª ed. Revista e ampliada. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 153.
[5] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II, Artigos 80 a 137. 3ª ed. Revista e ampliada. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 162.
[6] PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito Societário. Editora Fi. Programa de Pós-Graduação PUC Minas, p. 52.
[7] Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.
[8] Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17.
§ 1º A distribuição de dividendos com inobservância do disposto neste artigo implica responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso couber.
[9] BORBA, José Edwaldo T. Direito Societário. Disponível em: Minha Biblioteca, (20th edição). Grupo GEN, 2024.
[10] Art. 202, inciso I da Lei das S.A.
[11] §2º do Art. 202, inciso I da Lei das S.A.
[12] PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito Societário. Editora Fi. Programa de Pós-Graduação PUC Minas, p. 165.
[13] §3º do Art. 202 da Lei das S.A.
[14] §§4º e 5º do Art. 202 da Lei das S.A.
[15] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II, Artigos 80 a 137. 3ª ed. Revista e ampliada. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 161
[16] Art. 203 da Lei das S.A.
[17] §4º do Art. 294 da Lei das S.A.
[18] BORBA, José Edwaldo T. Direito Societário. Disponível em: Minha Biblioteca, (20th edição). Grupo GEN, 2024.
[19] PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito Societário. Editora Fi. Programa de Pós-Graduação PUC Minas, p. 166.
[20] Art. 1.007 do Código Civil. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.
[21] §1º do Art. 109 da Lei das S.A.
[22] Art. 17 da Lei das S.A.
[23] Portaria ME nº 12.071/2021
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